Voltar à Página da edicao n. 385 de 2007-06-19
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 

“Tenho a impressão que comecei a escrever uma coisa, mas não tenho a certeza”

> Cristina Reis

U@O – O que é que os seus livros, Possidónio Cachapa, já lhe ensinaram sobre si próprio?
P.C. –
Ensinaram-me muito, porque eu utilizei-os e utilizo-os, ainda, para compreender algumas questões humanas, algumas questões que me intrigam sobre o comportamento humano. Saber porque é que as pessoas fazem o que fazem, porque é que as pessoas têm determinadas atitudes e sentimentos… Ao encontrar respostas para as minhas personagens, ao acompanhar as minhas personagens durante esses conflitos, eu próprio aprendo com elas. As personagens aprendem e transformam-se, mas eu também aprendo e transformo-me.

U@O – Enquanto escritor, com que atitude parte para a leitura de um livro?
P.C. –
São duas coisas distintas. Enquanto leitor não sou escritor, enquanto leitor parto como leitor. Parto como alguém que espera que aquele livro me traga qualquer coisa que eu não vi antes. Espero que me prenda, que me interesse e que me emocione, que me ligue a ele. Não me interessam nada livros que são apenas formalismos, experiências formais. Até posso ler uma página ou duas e achar interessante a experiência, mas não é nada daquilo que me interessa.
Aquilo que me interessa é o livro que eu não consigo largar. Mas, como já li muitos milhares de livros, é difícil encontrar muitos que me façam isso. É difícil por causa da experiência de leitor. E não podem ser óbvios, porque esses não me desafiam.

U@O – Quais são os seus autores favoritos e aqueles que mais o influenciaram?
P.C. –
Eu não tenho bem a certeza, porque de vez em quando descubro algumas pessoas que eu li quando era miúdo e que de repente digo “Isto?! Mas este assunto está tratado no meu livro. E esta personagem tem o mesmo nome da minha personagem, que eu achei que estava a inventar”. Então foi porque me influenciaram sem que eu desse conta. Bom, eu li de tudo, o que quer dizer que as minhas influências são muito diversificadas. Mas gosto, por exemplo, da Marguerite Yourcenar, por causa do rigor da escrita. Ela tem cada frase, com o tamanho certo, com a clareza e elegância que me interessa. Depois gosto de outros autores mais anglo saxónicos, também pela clareza e pela maneira directa com que dizem as coisas. Não andam com rodeios, eles dizem o que têm a dizer de forma, às vezes, muito seca. Portugueses há um que é dos meus favoritos e penso que me terá influenciado um pouco, que é o José Rodrigues Miguéis. Honestamente penso que o Miguéis me terá influenciado numa primeira fase.

U@O – Em Portugal há escritores de referência? Escreve-se bem em Portugal?
P.C. –
Há muito autores de referência. Há uns mais conhecidos que outros, mas temos o Saramago, Lobo Antunes, Agustina Bessa Luís. Temos outros que não são e deveriam ser de referência, como o caso de Hélia Correia. Em Portugal escreve-se bem. Aliás, no início do novo milénio, Portugal foi o país convidado do salão do livro de Paris e houve uma comitiva. Nessa comitiva levaram cerca de 40 escritores portugueses, e isso é já um número extraordinário. Chegamos à conclusão quando lá estávamos que tinhamos mais escritores que os franceses. A nossa literatura, naquele momento pelo menos, era mais pujante que a literatura francesa. Mas Portugal tem sobretudo muito bons poetas, temos poetas maravilhosos, como Herberto Hélder, ou outros que caíram no esquecimento como Ruy Belo, que é um poeta maravilhoso. Eu tenho a maior admiração pelos poetas portugueses, mais até que pelos romancistas.

U@O – Para terminar, está a pensar num próximo livro? E que título é que daria a um próximo livro?
P.C. –
(Risos) A pensar escrever sim. Tenho a impressão que comecei a escrever uma coisa, mas não tenho a certeza. Os livros não se impõem logo. A nós, escritores, às vezes, aparece-nos assim uma ideia, uma coisa, e nós apontamos umas notas, e escrevemos umas coisas… Depois se valer a pena, se for esse o livro, ele vai voltar a assombrar-nos. Então escrevo mais um bocadinho… E isto é um processo que pode durar anos. É uma espécie de namoro, mas muito difícil. Acontece-me muito começar um livro e entretanto partir para outro, porque às vezes não estou preparado para ele. Aconteceu-me com “O Mar por Cima” e aconteceu-me, precisamente, com o “Rio da Glória”. A inspiração do “Rio da Glória” começou por volta do ano 2000. Comecei a escreve-lo em 2002/2003 e depois parei, porque não sabia o que é que ia acontecer, e fui escrever outra coisa. Depois voltei a ele. Tenho, entretanto, outro começado assim, e que irei acabar um dia. Quanto aos títulos, as pessoas levam com muita leviandade a questão dos títulos. O título é a coisa fundamental e mais difícil do mundo, porque o título tem de conter em si toda a história do livro, mas não pode revelar coisa nenhuma. Leva muito tempo, mas é depois do livro já estar escrito.

Perfil de Possidónio Cachapa

Escrever é como esvaziar um poço

Os livros não querem saber da minha opinião para nada

Ir ao Brasil foi reencontrar o melhor de nós próprios

Esse acto de escrever em liberdade foi, para mim, um regresso a qualquer coisa



"Portugal tem sobretudo muito bons poetas"


Data de publicação: 2007-06-19 00:00:00
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