Voltar à Página da edicao n. 385 de 2007-06-19
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 

“Ir ao Brasil foi reencontrar o melhor de nós próprios”

> Cristina Reis

U@O – Lançou, há alguns meses, “Rio da Glória”, um livro que transita de terras de Portugal para o Brasil em busca de respostas, numa reflexão sobre a condição humana, as práticas religiosas e a busca do sucesso fácil. Fale-nos um pouco deste novo livro...
P.C. –
O “Rio da Glória” era o “Livro da Glória”. É engraçado eu dizer isto, porque “Livro da Glória” era o primeiro título, e depois de uma grande discussão entre mim e os editores achamos que se poderia chamar outra coisa. E de repente surgiu-me o título “Rio da Glória”, porque é, de certa forma, uma ligação à ideia bíblica que, na verdade, faz seguir a personagem Mário, que é padre. É a ideia dos rios da Babilónia, que seguem em busca da luz. E as minhas personagens foram para o Brasil em busca dessa mesma luz. A Vera, no sentido de reencontrar o paraíso perdido. Ou seja, voltar a estar com os pais, que já morreram entretanto, mas é como pudesse voltar a estar com eles e recuperar do afastamento. O Mário vai em busca da luz, mas no sentido quase da fé. O Mário acredita que é possível ser religioso e místico enquanto se ajuda o próximo. E todo o seu percurso de vida até a lhe tenta provar o contrário, que não é assim, que isso não interessa nada. Ele está em crise existencial e vai à procura da fé, e através dos encontros com personagens e de situações muito difíceis e duras, ele reencontra a fé na humanidade.

U@O – Para escrever este romance percorreu, precisamente, grande parte do Brasil. Quais foram as principais aventuras de ter partido sozinho para esta viagem de 3 meses?
P.C. –
Eu atravessei doze estados, que não são propriamente doze capitais portuguesas. Uma aventura foi precisamente a solidão, o acto de estarmos sozinhos e a vantagem que isso tem de nos obrigar a escutar. Estamos ali à escuta, porque não temos perturbação dos conhecidos. Estamos sempre atentos, com radares muito grandes. Mas foi, sobretudo, a aventura de encontrar um país muito diferente do nosso, muito grande e, tirando as grandes cidades com excepção de São Paulo e Rio de Janeiro e um pouco de Belo Horizonte, foi encontrar, de certa forma, as qualidades que nós, portugueses, perdemos. Nos últimos 20 anos, Portugal melhorou muito, cresceu muito, expandiu-se economicamente, mas perderam-se algumas coisas. Perdeu-se a confiança no outro, perdeu-se o sentido da amizade mais pura, mais desinteressada. Havia uma característica do Portugal rural que era a proximidade, o trazer as pessoas para casa, a entreajuda. E esses valores perderam-se em Portugal. Ainda existem, mas no geral desapareceram.
E o Brasil ainda está aí. No Brasil as pessoas não nos conhecem de parte nenhuma, mas levam-nos a jantar, levam-nos aos sítios e esforçam-se em prol do outro. E para mim foi bom, foi reencontrar o melhor de nós próprios. Essa foi a maior aventura. No entanto, há aventuras concretas. Atravessar as florestas da Amazónia, saber se apareciam os jaguares e as serpentes e nunca apareciam, é uma chatice! Ou andar três dias a pé pela Chapada Diamantina em sítios que estavam cheios de pumas e animais selvagens, ou ver que quando ia escalar uma montanha ia pôr a mão em 5 ou 6 espécies venenosas de cobra. Essas coisas, assim mais folclóricas, que nós não temos.

U@O – Como disse, uma aventura desta sua viagem foi a solidão. Qual a sensação de estar sozinho num país que não o seu?
P.C. –
Há países que nos são mais estranhos. Aqui mais próximo, por exemplo, na Europa. Penso que se fosse para a Alemanha durante uns tempos que era mais difícil para mim, porque havia a proximidade, mas havia a distância, havia a estranheza da cultura. No Brasil é muito mais fácil, porque nós conhecemos a matriz. Nós, ao contrário dos próprios brasileiros, sabemos de onde é que eles vêm. Eles não sabem. Então, é como estar em casa. Estar sozinho é sempre mais difícil, mas também tem vantagens. Obriga-nos a esquecer a nossa terra, obriga-nos a esquecer as nossas defesas. Portanto, é bom e é mau. Mas no geral, eu acho que nunca teria escrito este livro como o escrevi se não tivesse tido esta experiência.

U@O – Fez muitas amizades no Brasil?
P.C. –
Fiz muitas amizades. É muito fácil fazer amizades no Brasil. Os brasileiros são muito afectuosos, são muito imediatos com os afectos. Não é nada difícil fazer amizades, porque eles abrem-nos logo o coração. Eles são o contrário de nós, porque o Português é primeiro desconfiado e depois é que vai abrindo. E eles não. Eles abrem primeiro e só depois, se não correr bem, é que mandam embora. E isso reduz muito o tempo de fazer uma amizade. Tenho grandes amigos em todo o Brasil, desde o Norte, desde Fortaleza, ao Maranhão, passando por Brasília, em São Paulo, em Minas gerais, no Rio Grande do Sul…Fiz muito amigos, e que me escrevem…Já não fazia amizades assim há muito tempo.

Esse acto de escrever em liberdade foi, para mim, um regresso a qualquer coisa

Tenho a impressão que comecei a escrever uma coisa, mas não tenho a certeza

Perfil de Possidónio Cachapa

Escrever é como esvaziar um poço

Os livros não querem saber da minha opinião para nada



"no Brasil as pessoas não nos conhecem de parte nenhuma"


Data de publicação: 2007-06-19 00:00:00
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