Voltar à Página da edicao n. 385 de 2007-06-19
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
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“Os livros não querem saber da minha opinião para nada”

> Cristina Reis

U@O – Após já ter alguma visibilidade no mundo da literatura portuguesa criou um blogue na Internet que mantém diariamente há já quatro anos. “Prazer Inculto” é uma outra faceta de "ser escritor" ou, antes pelo contrário, uma fuga aos rigores da literatura a que está habituado? O que é, de facto, o “Prazer Inculto”?
P.C. –
O “Prazer Inculto” é uma coisa muito pessoal, muito à flor da pele, muito imediata. Não é um acto literário, primeiro que tudo. Às vezes é um acto cultural, e cultural no sentido político do termo, do demonstrar coisas que me tocaram e que eu quero partilhar com os outros. Nesse sentido é um acto cultural, mas nunca é um acto literário, embora haja textos que possam ter algum pendor literário, mas isso é por defeito meu (risos). Se escrevo literatura é normal por vezes que fuja para a literatura. Mas, na verdade, é sobretudo o cidadão que escreve. Escrevo no blogue enquanto cidadão. Enquanto cidadão deste país e enquanto cidadão do mundo expresso a minha opinião sobre as coisas, e fica sempre claro no blogue que é a minha opinião. É o que não posso fazer nos livros, porque os livros não querem saber da minha opinião para nada. Aquilo que eu penso quando faço literatura não interessa nada. O blogue é a minha visão do mundo, enquanto pessoa que acha que tem o direito de dizer o que pensa. É também uma forma de liberdade de expressão e de intervenção na sociedade. Porque quando vejo alguém na televisão a dizer sucessivamente uma mentira e eu sei que me estão a atirar areia para os olhos, eu sinto-me no dever de o dizer a outros que estejam menos atentos ou menos informados.

U@O – Faz frequentemente críticas a Portugal no seu blogue, e opina sobre o que está certo ou errado cá dentro. Não considera que a sua visão do País poderá influenciar e prejudicar a sua imagem de escritor, publicado e editado?
P.C. –
Prejudica-me enquanto figura pública, aquela expressão que os patetas dos programas sociais dizem (risos). Sim, prejudica-me enquanto pessoa relativamente conhecida. Mas, para isso basta-me dizer a verdade. Neste País para ser prejudicado basta dizer a verdade com franqueza. Uma característica nossa, e do País, é que pode-se fazer tudo, o mais proibido e o mais obscuro que seja. Não se pode é nomear. A primeira vez que se nomeia qualquer coisa, ou que se ache qualquer coisa, levantam-se os inimigos debaixo das pedras. Criam-se inimigos por dizer a verdade, mas também se criam amigos, gente que pensa como nós mas nunca se atreveu a dizer.
Quando tive, durante algum tempo, a coluna no Jornal de Letras, eu tinha de certa forma a atitude do blogue, e pela primeira vez no JL havia alguém a dizer coisas com as letras todas e, por vezes, as letras não eram bonitas. E isso foi um choque, foi uma ruptura por haver uma pessoa a dizer coisas que não se podiam dizer. Isso criou-me alguns anti-corpos no meio cultural português, mas também criou leitores fiéis.

U@O – Há quem considere que a Internet é um meio que afasta as pessoas, sobretudo os jovens, da leitura. E quando digo leitura, refiro-me à da escrita literária. Enquanto escritor qual é a sua opinião?
P.C. –
Não me parece que os afaste da leitura literária. A leitura diminuiria de qualquer maneira, independentemente disso. Eu acho que devemos conseguir passar a mensagem de que uma coisa é a Internet e as televisões, que são muito mais passivas, mesmo a escrita na Internet é um acto muito mais passivo, e outra coisa é a literatura, que aparentemente é passiva mas na realidade é um acto de construção.
A literatura ilumina-nos por dentro. De repente estamos a ler um livro que pode não ter nada a ver connosco e quando nos apercebemos uma coisa fundamental dizemos “Ah! Então era isso! Então era por isso!”. A partir do momento que eu descubro isso por via do livro, sozinho, na minha solidão de leitor, eu cresço e torno-me um pouco mais interessante, uma pessoa mais lúcida. E eu penso que isso a Internet não pode dar. A Internet é mais superficial, mesmo quando fala de muita coisa. É possível que o facto da Internet nos dar tudo, ainda que não seja de uma forma tão profunda como a literatura, possa reduzir o incentivo à leitura. Mas em última análise a humanidade é responsável por ela própria. Ela vai fazer o caminho que tiver que fazer, nem que seja o caminho da perdição. Se a literatura no sentido que nos conhecemos tiver que desaparecer, desaparecerá. Se as pessoas tiverem que deixar de ler livros, deixarão. A única coisa que nos resta é tentar mostrar porque é que esta luz da literatura é importante. Qual é a vantagem de eu ler um livro em vez de ir ao Google. Só fica aquilo que dá vantagens à humanidade, o resto cai.

Ir ao Brasil foi reencontrar o melhor de nós próprios

Esse acto de escrever em liberdade foi, para mim, um regresso a qualquer coisa

Tenho a impressão que comecei a escrever uma coisa, mas não tenho a certeza

Perfil de Possidónio Cachapa

Escrever é como esvaziar um poço



"pela primeira vez no JL havia alguém a dizer coisas com as letras todas"


Data de publicação: 2007-06-19 00:00:00
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