"Fazer o ninho, construir
a casa e plantar o terreno à sua volta, eis o objectivo
de todo o raiano". As palavras saem orgulhosas da boca de
António Martins, habitante de Vale de Espinho, concelho
do Sabugal, mas podiam bem ser de Nuno de Montemor ou de um qualquer
outro escritor beirão cujos livros guarda debaixo do balcão
da cervejaria da qual é proprietário. "Tó
Coxo", como prefere ser chamado, 48 anos, nunca saiu "da
terra" em busca de fortuna. É um dos poucos da sua
geração que resistiu aos apelos do estrangeiro
e das grandes cidades. Para além do estabelecimento ainda
toma conta de umas poucas cabeças de gado porque, diz,
"não se pode viver dependente de um só rendimento".
Em tempos idos Vale de Espinho contava com cerca de três
mil habitantes. Hoje não chegam aos seiscentos. "Uns
fugiram à fome, outros à guerra colonial e por
lá ficaram", justifica. Primeiro para Buenos Aires
- Argentina - e depois para o Brasil, Angola e França,
os raianos, não só de Vale de Espinho, partiram
em busca de melhores condições de vida e deixaram
a terra ao cuidado dos mais velhos. "Os domingos aqui são
muito tristes", queixa-se Domingos Malhadas, presidente
da Junta de Freguesia. "Somos poucos e, sobretudo, velhos".
Apesar do fenómeno da desertificação que
se abate sobre o Interior de norte a sul do País estar
em fase de estagnação, o autarca não se
mostra mais optimista: "Ainda falta muita coisa nas localidades
raianas para fixar os mais jovens".
Turismo pode ser o futuro
Uma ou mais fábricas são as soluções
mais prontamente apontadas por qualquer habitante da região.
"Os mais novos já não querem trabalhar a terra.
E para quê? A agricultura já deu o que tinha a dar.
Está morta", desabafa o dirigente. "Os jovens
agora querem é fazer os seus estudos e arranjar um bom
emprego, e ninguém lhes pode levar a mal. Depois têm
que partir porque aqui não conseguem encontrar nada",
acrescenta. Para Domingos Malhadas a melhor época do ano
é o Verão, quando os emigrantes regressam em massa
à freguesia. "A aldeia ganha uma alma nova. Volta
a parecer aquilo que era há anos atrás. Uma das
maiores e mais ricas do concelho do Sabugal".
Para "Tó Coxo" o futuro da região passaria,
essencialmente, pela criação de gado, florestação
e turismo rural. Industrias, acredita, "que além
de trazer pessoas de fora impediam que os daqui fossem embora".
Esta zona, continua, "oferece excelentes condições
para a pecuária e até para a agricultura. Já
D. Dinis dizia que o Sabugal era o celeiro do Reino e, segundo
a história, ainda antes da formação de Portugal,
já os mouros tentaram construir uma levada nesta zona
para irrigar os campos de Penamacor". Os vestígios,
avisam os populares, ainda lá estão.
No que respeita ao turismo, o comerciante aponta o vasto património
arquitectónico legado por romanos, mouros e civilizações
posteriores como trunfos que não têm sido aproveitados.
Tradição em
perigo
Um dos factores de dinamização da raia tem sido
os fundos comunitários. A construção de
novas infra-estruturas, bem como a conservação
das já existentes devem-se a subsídios do Procoa
e da Direcção Geral do Ordenamento do Território
(DGOT) "porque o que vem do Fundo de Fomento de Freguesias
e da Câmara Municipal não chega para tudo",
adianta Joaquim Dias, presidente da Junta de Foios. Uma localidade
que também sobre os efeitos do êxodo que durante
as décadas de 60 e 70 levaram os "filhos da terra"
para outras paragens. "A população é
envelhecida mas não é a aldeia pior dos arredores",
salienta o autarca. De qualquer modo, admite, "a situação
está longe de ser a ideal. Antigamente havia na aldeia
três restaurantes que estavam sempre cheios. Agora só
há um. O que, para uma localidade que é conhecida
pela sua gastronomia, é muito pouco".
A falta de população jovem está a reflectir-se
também na continuidade de práticas tradicionais.
Dos doze moinhos que antigamente funcionavam em Vale de Espinho
apenas dois estão ainda em funcionamento. E fornos sobrevive
apenas um dos cinco que, nos anos 60, abasteciam toda a região.
António Afonso, 72 anos, é um dos últimos
e mais antigos forneiros raianos. "Fiz isto toda a vida".
Há 20 anos passaram-lhe as chaves do "Forno do Senhor",
que tem que acender quando alguém quer cozer o pão.
A paga é uma broa de trigo ou centeio. "Uma coisa
simbólica". Ao contrário do de Foios, o forno
vale espinhense funciona quase todos os dias, embora a maior
parte do pão ser para consumo caseiro. "Agora já
ninguém quer fazer isto", lamenta o forneiro.
Os últimos índices, que apontam para uma estabilização
da população nas zonas raianas, também não
anima muito os que ainda lá vivem. "Do que isto precisa
é de uma revolução", concordam os clientes
de Tó Coxo. "Esta região já tem alguns
bons acessos. Por isso, se se transferisse alguma indústria
do Litoral para o Interior todos ficavam a ganhar. As grandes
cidades não sofriam tanto com a poluição,
e o Interior conseguia fixar os seus jovens". |