Depois dos "Anos Dourados" do contrabando
Raia à espera da revolução

Quando a fome e a miséria se abateram sobre a Raia, mais de metade da população emigrou. Os que ficaram dedicaram-se ao contrabando. Hoje, a zona da fronteira está longe do abandono. Mas, reconhecem os responsáveis, "é preciso uma revolução para revitalizar a região".

 Por Alexandre S. Silva e Rodolfo Pinto Silva
NC/Urbi et Orbi

 

Igreja Matriz de Quadrazais.
O turismo pode ser um dos trunfos para contrariar a fraca densidade populacional da zona raiana do Sabugal

"Fazer o ninho, construir a casa e plantar o terreno à sua volta, eis o objectivo de todo o raiano". As palavras saem orgulhosas da boca de António Martins, habitante de Vale de Espinho, concelho do Sabugal, mas podiam bem ser de Nuno de Montemor ou de um qualquer outro escritor beirão cujos livros guarda debaixo do balcão da cervejaria da qual é proprietário. "Tó Coxo", como prefere ser chamado, 48 anos, nunca saiu "da terra" em busca de fortuna. É um dos poucos da sua geração que resistiu aos apelos do estrangeiro e das grandes cidades. Para além do estabelecimento ainda toma conta de umas poucas cabeças de gado porque, diz, "não se pode viver dependente de um só rendimento".
Em tempos idos Vale de Espinho contava com cerca de três mil habitantes. Hoje não chegam aos seiscentos. "Uns fugiram à fome, outros à guerra colonial e por lá ficaram", justifica. Primeiro para Buenos Aires - Argentina - e depois para o Brasil, Angola e França, os raianos, não só de Vale de Espinho, partiram em busca de melhores condições de vida e deixaram a terra ao cuidado dos mais velhos. "Os domingos aqui são muito tristes", queixa-se Domingos Malhadas, presidente da Junta de Freguesia. "Somos poucos e, sobretudo, velhos". Apesar do fenómeno da desertificação que se abate sobre o Interior de norte a sul do País estar em fase de estagnação, o autarca não se mostra mais optimista: "Ainda falta muita coisa nas localidades raianas para fixar os mais jovens".

Turismo pode ser o futuro

Uma ou mais fábricas são as soluções mais prontamente apontadas por qualquer habitante da região. "Os mais novos já não querem trabalhar a terra. E para quê? A agricultura já deu o que tinha a dar. Está morta", desabafa o dirigente. "Os jovens agora querem é fazer os seus estudos e arranjar um bom emprego, e ninguém lhes pode levar a mal. Depois têm que partir porque aqui não conseguem encontrar nada", acrescenta. Para Domingos Malhadas a melhor época do ano é o Verão, quando os emigrantes regressam em massa à freguesia. "A aldeia ganha uma alma nova. Volta a parecer aquilo que era há anos atrás. Uma das maiores e mais ricas do concelho do Sabugal".
Para "Tó Coxo" o futuro da região passaria, essencialmente, pela criação de gado, florestação e turismo rural. Industrias, acredita, "que além de trazer pessoas de fora impediam que os daqui fossem embora". Esta zona, continua, "oferece excelentes condições para a pecuária e até para a agricultura. Já D. Dinis dizia que o Sabugal era o celeiro do Reino e, segundo a história, ainda antes da formação de Portugal, já os mouros tentaram construir uma levada nesta zona para irrigar os campos de Penamacor". Os vestígios, avisam os populares, ainda lá estão.
No que respeita ao turismo, o comerciante aponta o vasto património arquitectónico legado por romanos, mouros e civilizações posteriores como trunfos que não têm sido aproveitados.

Tradição em perigo

Um dos factores de dinamização da raia tem sido os fundos comunitários. A construção de novas infra-estruturas, bem como a conservação das já existentes devem-se a subsídios do Procoa e da Direcção Geral do Ordenamento do Território (DGOT) "porque o que vem do Fundo de Fomento de Freguesias e da Câmara Municipal não chega para tudo", adianta Joaquim Dias, presidente da Junta de Foios. Uma localidade que também sobre os efeitos do êxodo que durante as décadas de 60 e 70 levaram os "filhos da terra" para outras paragens. "A população é envelhecida mas não é a aldeia pior dos arredores", salienta o autarca. De qualquer modo, admite, "a situação está longe de ser a ideal. Antigamente havia na aldeia três restaurantes que estavam sempre cheios. Agora só há um. O que, para uma localidade que é conhecida pela sua gastronomia, é muito pouco".
A falta de população jovem está a reflectir-se também na continuidade de práticas tradicionais. Dos doze moinhos que antigamente funcionavam em Vale de Espinho apenas dois estão ainda em funcionamento. E fornos sobrevive apenas um dos cinco que, nos anos 60, abasteciam toda a região. António Afonso, 72 anos, é um dos últimos e mais antigos forneiros raianos. "Fiz isto toda a vida". Há 20 anos passaram-lhe as chaves do "Forno do Senhor", que tem que acender quando alguém quer cozer o pão. A paga é uma broa de trigo ou centeio. "Uma coisa simbólica". Ao contrário do de Foios, o forno vale espinhense funciona quase todos os dias, embora a maior parte do pão ser para consumo caseiro. "Agora já ninguém quer fazer isto", lamenta o forneiro.
Os últimos índices, que apontam para uma estabilização da população nas zonas raianas, também não anima muito os que ainda lá vivem. "Do que isto precisa é de uma revolução", concordam os clientes de Tó Coxo. "Esta região já tem alguns bons acessos. Por isso, se se transferisse alguma indústria do Litoral para o Interior todos ficavam a ganhar. As grandes cidades não sofriam tanto com a poluição, e o Interior conseguia fixar os seus jovens".

  

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