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Ser diferente não é obstáculo
Célia Fonseca · quarta, 3 de setembro de 2014 · O mundo presenteia-nos todos os dias com novas e diferentes realidades, com desafios para superar, com situações com as quais aprendemos a viver. Nascer com deficiência mental, e ser considerado diferente é mais um dos obstáculos que têm de ser ultrapassados pelos jovens/adultos com deficiência e pela própria família. Esta é a dinâmica do mundo e da vida tal e qual ela se apresenta aos olhos da sociedade, que também ela, se prepara para os acolher. |
Utentes da APPACDM em atividades desportivas |
22000 visitas As grandes causas nascem de dilemas que se colocam na vida das pessoas. Assim, na incerteza de qual o futuro dos filhos com necessidades especiais, quando os pais já não estiverem por perto e também devido ao encerramento de uma associação que prestava as mesmas funções lembrou Rui Pereira, um dos membros fundadores, nasce a APPACDM da Covilhã (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental). Foi fundada em 2007 e tem neste momento 34 utentes. Oferece aos utentes um leque de atividades diverso como “artes plásticas, têxteis, carpintaria, informática, desporto adaptado (atletismo natação e basquetebol), atividades de vida diária e música” enunciou Patrícia Pacheco, técnica dos serviços sociais da instituição. A escolha de atividades a integrar é feita pelo cliente, juntamente com a sua família, perante os gostos, expetativas e necessidades dos envolvidos. Uma das atividades preferidas de Joaquim, nome fictício, utente da associação, são as caminhadas e os exercícios que desenvolve nas artes plásticas. A técnica do balão é algo que lhe desperta o interesse. Ele reconhece a sua importância, “é na colagem do papel no balão que desenvolvo a minha motricidade fina”, explica. Este jovem com deficiência intelectual ligeira, que se traduz num défice cognitivo, fez o seu percurso numa escola normal até ao 9º ano. Na escola desenvolveu a capacidade de ler e escrever, o que muitas vezes não acontece. É apoiado pela Associação há cerca de três anos. Neste momento é praticamente independente, e vive sozinho numa aldeia perto da Covilhã. A sua rotina passa por ir de transporte público para mais um dia na companhia dos funcionários e dos seus amigos com quem já desenvolveu relações de afeto. Apesar de todas as dificuldades pelas quais já passou e recorda com tristeza, sente-se integrado na sociedade. Descreve o seu lar como “confortável, e sossegado”, onde nos tempos livres ouve música e vê televisão. “Para mim a associação é um segundo lar. Aqui estou melhor porque me distraiu, enquanto em casa estou sempre sozinho”, afirmou Joaquim, com um sorriso. Para a Associação Americana de Psiquiatria, a deficiência mental corresponde a um défice cognitivo baixo para a idade que é definido pelo QI (Quociente de Inteligência). Para além disto, para se determinar se alguém é deficiente mental, são necessárias pelo menos, perturbações em duas das seguintes áreas, que incluem o comportamento adaptativo: falhas no comportamento social, comunicativo e a nível de autonomia. Segundo dados da UNICEF, existem, no mundo, 650 milhões de pessoas com deficiência, ou seja, cerca de 10% da população. No que diz respeito às mulheres com deficiência, estas são alvo de maior discriminação e correm maior risco de maus tratos. Os estudos revelam ainda, no que diz respeito às leis, que apenas 45% dos países têm uma legislação de anti-discriminação que faça referência às pessoas com deficiência mental. Em 1971, a ONU elaborou uma declaração internacional onde consagra os Direitos do Deficiente Mental. No que diz respeito a Portugal, o país foi um dos pioneiros no que toca a este tipo de legislação: os direitos e deveres dos deficientes estão consagrados na Constituição e no Código Civil. Entre as 9h da manhã e as 18h da tarde, é na APPACDM que a vida se desenrola pacificamente. Desenvolvem-se todos os dias novos trabalhos e novas capacidades. Contudo, não é só dentro da associação que as atividades decorrem. Por vezes, os utentes realizam saídas à discoteca, onde se divertem em grande euforia; vão ao cinema, onde o sonho e a fantasia os fazem esquecer do mundo lá fora; e a competições desportivas, realizadas na zona da Covilhã e a nível internacional. A Bélgica é o próximo país onde alguns participarão numa prova de atletismo no próximo mês de setembro. No verão, é tempo de colónia de férias, sol, praia e mar e divertidos passeios. É nestas atividades, que a sociedade acaba por relativizar a diferença física ou psicológica, e começa a dar valor àquilo que os olhos de cada um transmitem. Todos os dias há algo novo. Alguns profissionais apontam para as evoluções de desenvolvimento das capacidades que se podem traduzir numa simples forma de “manusear na agulha e começar a costurar”, afirmou Lídia, responsável pelas atividades dos têxteis. A sua vida profissional sempre foi ligada ao ensino de pessoas com deficiência mental. Relembra histórias e momentos passados que ficam para a vida: “é com eles que temos de aprender a ser mais humanos e agir naturalmente”. Cada trabalho realizado conta uma história, retrata um desafio que foi superado e mais uma aprendizagem. Nos têxteis, com a ajuda da agulha e da linha, Joana, nome fictício portadora de trissomia 21 , aprendeu crochet e ponto de cruz que servem para produzir “bonitas ofertas” referiu. Normalmente, após uma aprendizagem que se torne habitual e que não necessite de novas adaptações, as tarefas passam a ser realizadas com autonomia e sem grandes dificuldades. A nível das novas tecnologias, “atividade preferida de muitos clientes” Ana Luís, técnica de reabilitação psicomotora, que assegura neste momento a atividade de informática, fundamentou que se registaram novos desenvolvimentos que “antes pareciam impossíveis para muitos deles”. Uma criança com trissomia 21 tem um desenvolvimento mais lento. Contudo, irá adquirir várias capacidades, como todas as outras crianças, mas mais tardiamente. A lei portuguesa sanciona qualquer ato discriminatório contra pessoas com deficiência. São os direitos fundamentais de uma pessoa que estão em causa e não podem ser violados. Apesar das leis, “ainda há muito que deveria ser feito para uma melhor integração dos deficientes mentais na sociedade” como se verifica nas situações laborais. “Teriam de existir trabalhos direcionados e restritos”, mas a sociedade “ainda não está aberta a estas questões” afirmou Ana Luís. Salientou ainda a realidade social da Inglaterra, “lá os deficientes motores são integrados normalmente e são funcionais. Sentem-se realizados.” A nível do ensino, também se apresentam restrições em Portugal. Um jovem com necessidades educativas especiais frequenta o ensino especial até ao 12º ano, “mas já não há oferta do mesmo ensino a nível da universidade. Significa que à partida eles já não são capazes de prosseguir os seus estudos”, comentou. Finalizou, afirmando que “infelizmente, não temos um país desenhado para toda gente”. Os dados da OIT (Organização Mundial do Trabalho) não mentem. Estima-se que cerca de 386 milhões de pessoas no mundo, em idade de trabalho tenham algum tipo de deficiência, e em alguns países nesta classe o desemprego ronda os 80%. Os empregadores consideram que as pessoas com deficiência não têm capacidades para trabalhar, que a rentabilidade será reduzida, e que as adaptações de acessos são dispendiosas. A falta de conhecimentos acerca do que é a deficiência, dos seus tipos e graus, das capacidades de cada um, leva a que ainda se encontrem diversas restrições a nível laboral. As causas da deficiência mental podem ser genéticas, psicossociais, isto é privação de estimulação social e linguística, a problemas que ocorreram durante a gravidez ou também durante o parto. Foi após um parto complicado e demorado que Nuno Pereira, com 35 anos, ficou com uma disfunção cerebral mínima que lhe afetou partes motoras. Este cliente, na instituição desde que abriu, frequentou o ensino normal até ao 9º ano. Sabe ler e escrever sem dificuldades, porém a sua motricidade fina foi seriamente afetada. A sensibilidade de tato para objetos e o seu manuseamento é reduzida. Na instituição as suas atividades passam pelo desporto como a natação, o atletismo, o basquetebol e a informática, que aproveita para “ouvir música e ir ao Facebook”. Nuno tem um part-time do qual se orgulha, numa Escola de Música, após o seu dia na instituição. Descreve as suas funções no part-time e a sua rotina diária que considera preenchida. Para ele a APPACDM “é uma segunda família, onde há muito amor e carinho entre todos”. Nuno Pereira sempre teve um acompanhamento parental muito próximo. A família mostrou-lhe que ser diferente não seria um obstáculo que teria de ultrapassar sozinho mas em conjunto. O pai Rui Pereira considera que “foi o nosso apoio constante, e nunca esconder ao Nuno o seu problema” que fizeram dele a pessoa comunicativa e relacional que hoje é “mesmo com as suas diferenças”. Orgulha-se todos os dias do filho que tem, e descreve as alterações que se verificaram após a entrada de Nuno para a associação.
Quando por vezes o caminho já é difícil, porque assim a natureza o ditou, quando o destino decide pregar mais uma das suas partidas, tudo se torna confuso e até inaceitável no íntimo de cada um. Por isso, é que a APPACDM trabalha já há 7 anos. Para ajudar todos os dias a que cada dia seja melhor. A integração, uma melhor qualidade de vida, e promover a autonomia dos cidadãos com deficiência mental são os grandes objetivos desta associação. Foi na APPACDM que um novo mundo se abriu para quem mais precisava. É também considerada a “primeira casa da maior parte deles” e onde se sentem felizes comentou Rui Pereira. Neste momento todos os elementos da APPACDM aguardam com ansiedade as futuras instalações, que foram financiadas através de um projeto de fundos comunitários, e que trarão ainda melhores condições para os seus clientes. Prevê-se que as obras estejam concluídas no final deste ano. As instalações vão conter lar residencial para cerca de 24 utentes, residência autónoma para 5, e a capacidade de realização de atividades diárias vai aumentar para o dobro, passando a ter capacidade para 60 clientes.
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