O peso da discriminação: habitação, emprego, educação

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Em Portugal, os ciganos ainda são muito discriminados. Para Deolinda Vicente, isso acontece principalmente porque a sociedade generaliza a etnia toda. “Por um, pagam todos”, ressalta, lembrando que as pessoas costumam dizer que “os ciganos são todos iguais”. Muito por conta dessa discriminação, as pessoas da etnia enfrentam várias situações de vulnerabilidade. Uma das principais dificuldades encontradas é quando querem arrendar ou comprar casas. Segundo relatório da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), Portugal é o país onde os ciganos mais se queixam de discriminação na procura de habitação, num conjunto de nove países europeus analisados.

“É muito difícil arrendarem casas para ciganos em Portugal”, constata Eva Gonçalves. A cigana conta que, muitas vezes, precisam pedir para outras pessoas que não são da etnia alugarem habitações como se fossem para elas. Já Maria João Gonçalves destaca: “Se for arrendar uma casa e virem que é cigano, são capazes de dizer que não está para ser arrendada e sim para ser vendida”.

As entrevistadas também dizem que precisam lidar com a segregação espacial. Maria Manoela Vicente e Deolinda Vicente, por exemplo, moram hoje em um prédio só de ciganos. Antes, no entanto, o local era dividido com pessoas não ciganas. “Só haviam quatro casais da etnia cigana”, conta Deolinda. “Conseguiram tirar as dez pessoas não ciganas para deixar lá apenas a malta cigana”, completa Maria Manoela. “Há muito racismo aqui”, sintetiza Deolinda.


A busca de emprego também é complicada, especialmente para as mulheres. Com dificuldades para conseguir emprego, muitos ciganos que vivem em Portugal dependem do Rendimento Social de Inserção (RSI) como fonte de subsistência. Inicialmente denominado Rendimento Mínimo Garantido, esse apoio social foi criado em 1996 e é destinado a proteger as pessoas que se encontram em situação de pobreza extrema, de modo que elas recebem uma prestação em dinheiro para assegurar as necessidades mínimas de sobrevivência.

No segundo semestre de 2014, a população cigana que recebia o RSI no distrito de Castelo Branco, que inclui o concelho da Covilhã, era composta por 121 famílias, cujo número de beneficiários totalizava 549 indivíduos. Desse total, 226 eram mulheres. Esses dados são os mais recentes divulgados a respeito do assunto e estão presentes no Diagnóstico Social do Concelho de Castelo Branco 2015.

Um dos efeitos dessa política social é que forçou muitas famílias a deixarem as crianças ciganas mais tempo nas escolas, já que a Segurança Social corta o rendimento se o indivíduo em idade escolar não estiver frequentando as aulas. Muito por conta disso, o número de alunos ciganos na escola duplicou em 19 anos. Segundo o Perfil Escolar da Comunidade Cigana, em 2016/2017 havia pelo menos 11.018 crianças e jovens da etnia matriculados no ensino obrigatório. Há 20 anos, eram quase metade: 5.921.


“Gostaria que acabasse o racismo contra ciganos e que
fôssemos tratadas como iguais” 


Carla Sofia Gonçalves


Entretanto, a presença desses alunos diminui significativamente conforme o nível escolar aumenta, principalmente por conta do abandono precoce das raparigas ciganas, que largam as escolas no fim do 1º Ciclo do Ensino Básico para se casarem. De acordo com os dados do relatório, no distrito de Castelo Branco, o número de alunos ciganos matriculados em escolas públicas do Ministério da Educação durante o ano letivo 2016/2017 era de 410 estudantes no ensino básico, enquanto no ensino secundário era de apenas dez alunos.

Deolinda Vicente, por exemplo, conta que frequentou a escola durante algum tempo apenas para receber o RSI, mas que aprendeu pouca coisa. “Fui para lá grande e a minha cabeça já não dava mais para aprender”, explica, dizendo que não sabe ler, nem escrever direito. Já Nara Gonçalves demonstra insatisfação ao recordar que as professoras pensam que os ciganos só estão na escola para receber o rendimento mínimo, o que, no seu caso, não é verdade. “Queremos um estudo melhor para a gente”, afirma. 


Além de se sentirem discriminadas na habitação, no emprego e na educação, as ciganas também sentem preconceito em alguns sítios. Em cafés, restaurantes, bares e livrarias, por exemplo, é comum as pessoas colocarem sapos de louça nas portas dos estabelecimentos para que os ciganos não entrem.
Diz o senso comum que as pessoas dessa etnia não podem ver um sapo porque esse animal é símbolo do azar, discórdia e infortúnio.

De acordo com Deolinda, os homens mais velhos realmente acreditam nisso, mas essa mentalidade já vem mudando consideravelmente entre os mais novos. “Nós não temos azar com isso”, afirma a cigana. Outra situação desagradável que passam é quando crianças sentem medo dos ciganos por causa da imagem que os pais fazem das pessoas dessa etnia. “Para os garotos comerem, eles falam: ‘olha, lá vem um cigano. O cigano mata-te”, critica Deolinda Vicente.  

Sobre o futuro, o pensamento das ciganas é o mesmo: gostariam que acabasse a discriminação contra o povo cigano e que as mulheres tivessem mais liberdade dentro da etnia. “Não ter racismo e termos mais oportunidades como as outras pessoas”, ressalta Eva Gonçalves. “Ter liberdade para fazermos o que quisermos”, deseja Deolinda Vicente. “Gostaria que acabasse o racismo contra ciganos e que fôssemos tratadas como iguais”, pede Carla Sofia Gonçalves. “E os pais ciganos darem um bocadinho de mais liberdade às meninas amanhã do que já dão hoje”, completa Maria João Gonçalves. Já Nara Gonçalves, a mais jovem delas, sonha com “mais empregos” e que vissem as ciganas “com outros olhos”, do mesmo modo que veem as pessoas que não são da etnia. 

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