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O operário e a greve
na Covilhã do passado
Figuras de estilo
POR CATARINA MOURA
A figura
do trabalhador covilhanense surgirá eternamente associada
à do operário. As fábricas de lanifícios,
hoje ruínas escuras, constituíam na primeira metade
do século XX a única verdadeira fonte de emprego
local. Eram dezenas, concentradas junto às duas ribeiras
que limitam a cidade: a Carpinteira e a Dagoldra.
Vivia-se mal na Covilhã. Os operários trabalhavam
14 horas por dia. As mulheres trabalhavam. Os filhos trabalhavam.
Mas essas fábricas que os exploravam permitiam-lhes apenas
subsistir, a custo, com fome, frio, dívidas e dificuldades.
A fábrica era o cárcere onde o íntimo contacto
com a máquina faz o operário perder toda a humanidade
e assimilar-se a um mero autómato, uma peça da
engrenagem que, ao mais pequeno sintoma de mau funcionamento,
é atirada fora.
Os lanifícios produziam fortunas, nessa altura. Mas essas
fortunas passavam-lhes ao lado, de carro, em fatiotas caras,
e eram avistadas a entrar em palacetes sumptuosos, que decoravam
o horizonte.
Lutas interiores
Não tardou para que a
greve surgisse. No entanto, sempre que se manifestou, a reacção
social dos operários covilhanenses foi mais emotiva que
racional. As greves duravam pouco, vencidas pela necessidade
de manter o emprego, ou ganhar dinheiro, ou comer. Não
nasciam de uma consciência de classe - vinham da alma,
da certeza de que algo estava errado e tinha que mudar. Foram
lutas cara-a-cara, patrão frente a operário, no
dia-a-dia, motivadas pela injustiça desse mesmo dia-a-dia.
Lutas interiores de uma cidade do interior, longe da capital
e da sede do movimento operário.
Há cerca de 30 anos, a aceleração do processo
de produção capitalista guiou a Covilhã
à sua última grande crise. O atraso da produção
fabril, consequência da falta de investimento em material
mais sofisticado, motivou o encerramento da maioria das suas
fábricas.
Agora, pela primeira vez em muitos séculos, as fábricas
deixaram o centro da vida colectiva covilhanense e instalaram-se
na periferia. Os antigos lugares de trabalho operário,
junto às ribeiras, com os seus grandes e fortes edifícios
de pedra, os seus teares e as suas chaminés altas, são
lugares frios e solitários, ruínas escuras - o
espectro do trabalho industrial, que a universidade vai ocupando
e transformando novamente em locais de trabalho.
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