Voltar à Página da edicao n. 392 de 2007-08-07
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 

“Não temos uma relação próxima com os livros”

Depois de vários anos de “estórias” e vivências pelas mais diversas áreas, Óscar e Teresa Monteiro deixaram-se levar pelos livros. Dirigem a única livraria técnica da Covilhã e têm o seu espaço na Universidade da Beira Interior (UBI). Ao longo dos anos, ler por prazer foi cedendo às exigências da profissão, que ocupa muito do seu tempo. Mas sentem-se retribuídos pelo reconhecimento daquilo que fazem. No seu local de trabalho, falaram da ligação que têm aos livros, à UBI, aos docentes e alunos, e à própria cidade.

> Ana Albuquerque

Urbi@Orbi – Há quantos anos lidam com livros?
Óscar Monteiro e Teresa Monteiro:
Somos livreiros há 11 anos.

U@O – Qual e como classificam a relação de ambos com os livros, para além da livraria?
O.M. e T.M.:
Para além das questões profissionais, não temos uma relação próxima com os livros. Aliás, até procuramos não ter. Isto traz tanto movimento e traz tanta coisa para resolver… Isso já é um peso de tão grande que tentamos evitar, porque estamos na livraria muitas horas, a tratar sempre do mesmo assunto e tem de haver espaço para as outras coisas. E se o livro começa a “comer” o espaço de trabalho, que já são muitas horas, ir para casa com a profissão dos dois atrás torna-se difícil. Direccionar o lazer para esta área, reduziria o tempo de tal forma que não poderíamos diversificar, nem sequer abstrair do trabalho. Quando o negócio foi crescendo, essa parte lúdica do livro foi praticamente posta de parte.

U@O – E quando recebem livros, não há nenhum que lhes chame a atenção e que gere comentários?
T. M.:
Sim, o balcão está dividido ao meio (sorrisos): eu faço a parte nacional e o meu marido a parte estrangeira. Eu faço as compras, e ele os pagamentos. Daqui é marketing, dali é contabilidade. Não foi nada que impuséssemos, aconteceu e fomos canalizando cada um para as suas áreas. Quando chega um livro que eu acho muito giro ou que tem interesse para algum dos cursos ou departamentos, se eu não lhe disser, ele fica sem essa informação, que não poderá ser usada quando aparece um professor a perguntar por novidades interessantes. Eu posso não estar nesse momento ou estar a atender alguém e a pessoa entra e sai, e não vê. Essa parte de actividade profissional, eu tenho de a transmitir, e ele também tem de a transmitir a mim.

U@O – O que é que os livros já lhes trouxeram?
Ó. M.:
Sempre cultivei hobbies. Mas sempre foram hobbies activos, ao passo que a leitura, sem querer, de maneira nenhuma, denegrir todas as qualidades da leitura – é um hobbie muito mais passivo. Uma pessoa senta-se ou vai para uma esplanada ler calmamente… Não é bem o meu tipo. Eu gosto de coisas mais activas. Daí que, muito honestamente, tenho uma relação meramente profissional com o livro. E esporadicamente leio qualquer coisa por qualquer motivo. Como, por exemplo, no caso dos bonsai, desde revistas a sites, onde saiba que haja informação sobre essa temática. Mas fora disso, tenho uma relação meramente profissional.
Quanto a livros que tenha lido de mote próprio, “Choque do futuro” é um deles. Já o li há muitos anos, mas ainda hoje o tenho presente. É um livro que, na altura em que o li, e estamos a falar de há uns 40 anos, achei espantoso. O livro conta a história da evolução da humanidade. A certa altura, chegada a época em que o escritor escreve o livro, depois de apresentar as causas da situação actual da humanidade, ele parte de todas estas premissas para fazer uma dedução lógica sobre aquilo que vai ser o futuro. É um livro que já reli e acho-o espantoso. Coisas que eram pura ficção na altura, quando o li a primeira vez, com o andar do tempo começaram a verificar-se. Com pequenas nuances é certo, mas a estrutura básica do pensamento que ele tinha para o futuro vai-se cumprindo.
Dos livros tiro este prazer enorme de constatar como é possível, em termos de raciocínio puro, chegar quase a uma previsão do futuro. Depois, dá-me um certo prazer saber o significado de um determinado tipo de coisas, a razão de ser de muitas coisas simples que fazem parte da vida humana. É evidente que dos livros retira-se sempre momentos de prazer, de deleite, de informação, e ajudam a passar o tempo. Como exercício mental, é importantíssimo, de modo que é sempre um alimento fundamental para todo e qualquer indivíduo que se sente vivo e que quer continuar vivo. Ler até morrer, acho que é uma terapia fundamental para uma boa sobrevivência.
T. M.: O livro, sob um ponto de vista material, deu-me um modo de vida. Deu-me uma maneira de sobreviver economicamente até. Depois, além disso, dá-me informação, dá-me um mundo mágico muito especial, em que eu posso entrar, criando o meu próprio mundo, sem ninguém mo dar. Só que essa formação criou-me muitas perguntas, que ficaram sem resposta na minha cabeça, e deu-me muitas respostas de que eu não andava a procurar até. Acho que é um mundo sem fim, uma coisa que nunca mais acaba…

U@O – Apesar deste afastamento em relação aos livros em tempo de lazer, mantêm uma relação com a cultura…
Ó. M.:
Mantenho, sim. A Covilhã foi durante muito tempo uma cidade com uma actividade cultural muitíssimo intensa. E actividade cultural dentro daquela que eu gosto. Respeito todas as outras, mas naturalmente gostamos mais de umas que outras. Por exemplo, recentemente decorreu o concurso Júlio Cardona, que é um concerto único no país, de música de corda, e então a assistência foi relativamente baixa, mas eu estive lá porque gosto. Claro que, posteriormente a isso, já cá veio outro tipo de cantores ou outro tipo de actividades culturais destinados a um tipo de público muito mais vasto.
A última ópera que cá veio, já nem me recordo bem do nome, também fui, e gostei de ver. Assisto a algumas das actividades da Escola Profissional de Música da Beira Interior (EPABI). São exemplo as audições, às quais vou regularmente, embora já não tenha nada a ver com a escola, mas vou. E não raramente, tirando três ou quatro pais de alguns alunos que estejam a actuar e os professores, eu sou a única pessoa que está ali e que não tem nada a ver com aquilo. Mas gosto de ir, gosto de ver como as coisas estão, se estão a evoluir, se há potenciais talentos a emergir. Gosto sempre de acompanhar.
T. M.: Sim, sim. Quanto aos livros, temos informação contínua, uma actualização contínua, seja através de e-mail, seja através dos vendedores. Toda a informação que vem através dos meios de comunicação, arrebitamos logo as orelhas. Por exemplo, quando vamos para fora, somos logo atraídos para alguma livraria que haja, para ver como fazem a exposição dos livros, como expõem as novidades, o que têm de diferente, em termos de novidades. Fazemos uma análise para podermos fazer um balanço em relação a nós.

U@O – Se tivessem tido a oportunidade de fazer outra coisa, o que seria?
Ó. M.:
Eu tenho algumas frustrações, tenho que o admitir. Gosto da actividade de livreiro tal como a exerço actualmente, como livreiro técnico. Se não fosse livreiro, se tivesse de tirar um curso, gostaria de ter tirado Arquitectura. Acho que tenho muito jeito para Arquitectura e que tenho noção do que é ser arquitecto. Gostava muito de ter sido músico, mas não maestro. Pintor não, como hobbie sim. Gostaria de pintar até ao fim da minha vida.
T. M.: Gostaria muito de ter terminado o meu curso de Psicologia. Faltavam-me dois anos. Na altura, quando comecei a estudar psicologia, era o único curso de Psicologia que havia em Portugal. O que aconteceu foi que, como cerca de 40 por cento eram licenciados, o nível do curso disparou. Ainda me lembro de que, tal como outras colegas minhas que tinham acabado o liceu comigo, chegávamos àquelas aulas e havia, às vezes, diálogos entre professores e alunos que eram difíceis para nós compreendermos e conseguirmos acompanhar. Só me faltavam o 4º e o 5º anos, que normalmente são os mais fáceis, pois são mais específicos, mas isso exigia presença física. E como resolvi casar atirei tudo para trás das costas e, mais tarde, quando já tinha os meus três filhos pequenos, fui lá ver o que seria possível fazer. Mas o curso tinha levado uma reestruturação tão grande que teria de começar do início. Não me senti com coragem suficiente, talvez fosse um pouco de cobardia minha, para recomeçar do zero.

"Esta livraria é muito importante para a universidade"

"A Covilhã recuperou da crise por causa da universidade"

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Data de publicação: 2007-08-07 00:00:00
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