Desde que, em 1970, faleceu o último filho de Eça de Queiroz, Sra. D. Maria Eça de Queiroz de Castro, os seus herdeiros, eu própria, Maria da Graça Salema de Castro, e o meu marido, Eng. Manuel Pedro Benedito de Castro, entretanto falecido, iniciámos o processo com vista à constituição da FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ. Pertencendo-nos 2/3 dos bens deixados por Eça de Queiroz, para além da Quinta e Casa de Vila Nova em Sta. Cruz do Douro (TORMES), pensámos doar estes bens a uma fundação a instituir em vida, a qual teria, como principais objectivos, a continuação e o enquadramento institucional da divulgação e do estudo da obra de Eça de Queiroz, bem como o desenvolvimento de toda uma gama de iniciativas culturais, tanto de âmbito nacional, ou internacional, como de incidência mais estritamente regional. (...)" (Maria da Graça Salema de Castro).
Foi assim que toda a história começou... A quinta e a casa de Tormes, serviram de inspiração para o romance de Eça de Queiroz: “A Cidade e as Serras”. Foi de comboio que viajou Eça de Queiroz. “ (…) - Três horas e meia, estamos a chegar, Jacinto(…) ambos em pé, às janelas, esperámos com alvoroço a pequenina estação de Tormes. (…) Ela apareceu enfim, clara e simples, à beira do rio, entre rochas, com os seus vistosos girassóis enchendo um jardinzinho breve, as duas latas figueiras assombreando o pátio, e por trás a serra coberta de velho e denso arvoredo (…) A sineta repicou… E com um belo fumo claro o comboio desapareceu por trás das fragas altas.” Vindas de Paris, as personagens d’ A Cidade e as Serras, Zé Fernandes e Jacinto, saíram na estação de Aregos.
Tormes é o nome que Eça atribuiu à sua Quinta de Vila Nova. O percurso que Jacinto e Zé Fernandes fizeram a partir da Estação de Tormes, pode ser agora realizado por todos aqueles que visitarem a Fundação. Em 1892, Eça e a sua irmã Benedita foram à descoberta daquilo que haviam herdado. “Vales lindíssimos, carvalheiras e soutos de castanheiros seculares, quedas de água, pomares, flores, tudo o que há naquele bendito monte. A quinta está situada num alto, num sítio soberbo – que abrange léguas de horizonte, e sempre interessante. (…) Logo adiante da casa, o monte desce até ao Douro, logo por trás da casa, o monte sobe até aos cimos onde há uma ermida.” Foi assim que o romancista do século XIX descreveu a sua Quinta de Vila Nova (Tormes). Contudo, quando Eça aqui chegou pela primeira vez com certeza não ficou deslumbrado com a beleza natural desta terra agreste. Isso pode-se verificar numa das cartas que ele escreveu à sua mulher: “… a casa é feia, muito feia, e à fachada mesmo pode-se aplicar, sem injustiça, a designação de hediana. Tem um arco enorme; e, por debaixo dele, duas escadas paralelas, que são de um mau gosto incomparável”. Talvez o facto de Eça ter chegado de Paris que o fez duvidar da beleza das construções das casas rurais do Alto Douro. Agora, quem visita esta casa poderá alargar a sua imaginação e parecer estar dentro do romance de Eça, quando Zé Fernandes, d’ A Cidade e as Serras, descreve o seu interior: «Eram enormes duma sonoridade de casa capitular, com grossos muros enegrecidos pelo tempo e o abandono, e regelados, desoladamente nuas, conservando apenas aos cantos algum monte de canastras ou alguma enxada entre paus. Nos tectos remotos, de carvalho apainelado, luziam através dos rasgões manchas de céu. As janelas, sem vidraças conservavam essas maciças portadas, com fechos para as trancas, que, quando se cerram espalham a treva. Sob os nossos passos, aqui e além, uma tábua podre rangia e cedia».
Em 1916, Maria Eça de Queiroz, filha do escritor, veio viver para agora Fundação Eça de Queiroz, reunindo tudo o que conseguia, e pertencia ao seu pai. Aquando da sua morte, em 1970, Tormes passou para a posse do seu filho Manuel Benedito e sua esposa Maria da Graça Salema de Castro – actual presidente vitalícia.
No ano de 1990 foi criada a Fundação, no entanto, a reabertura da casa só se fez sete anos depois. Agora, quem visita a quinta e a casa situada na freguesia de Sta. Cruz do Douro, no nobre concelho e Baião, pode deslumbrar todos os recantos que a Casa de Tormes possui. O próprio escritor fez questão de desenhar uma planta da casa, aquando da sua visita, para a partir dela poder escrever/ descrever todos os locais de uma forma fiel. De fácil acesso, a Casa de Tormes, hoje sede activa da Fundação, desfruta de uma forte componente museológica.
Assim, quando se dá início ao percurso rumo à Casa de Tormes, depara-se, na entrada, com um belo pátio em granito, subindo as escadas que estão por debaixo do arco enorme que o escritor fazia referência, encontra-se a Casa-Museu: a sala de entrada; biblioteca; sala museu; sala de estar; sala de jantar; quarto; cozinha; capela; e varanda.
Quem visita a Casa de Tormes, tem diversas actividades que pode realizar. Outro aspecto interessante, e quem leu a obra “A Cidade e as Serras” pode agora interiorizar-se ainda mais na obra, é à gastronomia. Para isso, a Fundação promove almoços, nos quais os visitantes podem provar as refeições feitas por Eça de Queiroz aquando da sua passagem pela Casa de Tormes, entre elas, o famoso arroz de favas “E pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas! Tentou todavia uma garfada tímida — e de novo aqueles seus olhos, que pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: - óptimo! Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!”
Estar naquele que foi um dos sítios que Eça de Queiroz habitou, e fez passar para o seu mundo literário, é um privilégio e pode estar ao alcance de qualquer um, e de quem assim deseje. É com uma paisagem exuberante sobre o Douro, que a Fundação Eça de Queiroz visa perpetuar a memória do escritor José Maria Eça de Queiroz.