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"Temos trabalhado para melhorar a formação dos médicos"
Rodolfo Pinto Silva · quarta, 20 de agosto de 2014 · @@y8Xxv Duarte Sequeira, aluno da UBI, presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina. Em entrevista, faz um balanço positivo dos primeiros meses à frente da organização. Ajudar a melhorar as condições pedagógicas da formação dos profissionais é umas prioridades. |
Duarte Sequeira preside à ANEM desde janeiro deste ano |
21987 visitas – É o primeiro aluno da Universidade da Beira Interior a presidir à Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM). Tomou posse no início deste ano, que balanço pode ser feito destes cerca de seis meses? – O balanço é muito positivo. É um grande desafio presidir a uma associação que tem um histórico de boas relações com os ministérios da Educação e Ciência e da Saúde. O diálogo com a tutela é uma das nossas prioridades, com revindicações nos planos da educação médica – pré e pós-graduada – e internato médico. E penso que tem corrido bem. Colaborámos bastante com a Ordem dos Médicos e tem-se feito um bom trabalho ao nível da política educativa. Nas restantes áreas de atuação da ANEM, tudo tem corrido na linha do que se fez nos anos anteriores. Na primeira metade do ano preparámos as grandes atividades da organização, agendadas para o segundo semestre.
– Quais são essas atividades? – São essencialmente três. No início de setembro, em Guimarães, direcionado para estudantes internacionais, teremos cerca de cem estudantes num evento de formação e desenvolvimento de ‘soft skills’. Depois, no final desse mês, faremos o Med On Tour que é uma atividade de rastreio e educação para a saúde que atinge sempre mais de 3000 pessoas e que este ano será no Sul do País. No início de outubro haverá o MedScoop, que a ANEM tem vindo a fazer há alguns anos para formação dos dirigentes das várias associações de Medicina do País. Mais à frente, a grande atividade será o Congresso Nacional de Estudantes de Medicina, que será em Lisboa, no primeiro fim de semana de novembro, seguindo-se o Encontro Nacional de Estudantes de Medicina, com uma vertente mais lúdica, no final de novembro.
– Gerir esta associação a partir da Covilhã é difícil? – A ANEM funciona sempre com pessoas à distância. A Covilhã tem bons acessos em termos de autoestradas e para quem anda de carro é exatamente igual a estar noutro local. Quando toca a andar de transportes públicos – que é o meio que eu mais utilizo para deslocações pela Associação – é um bocadinho mais complicado porque num dia perdem-se oito ou nove horas só em transportes, para ter uma reunião em Lisboa às vezes de duas horas. É um bocadinho complicado, mas não me queixo. Acima de tudo é preciso mostrar que a Covilhã pode estar ao nível de todas as restantes cidades e acho que isso está a ficar mais do que provado e nada está a sair prejudicado por eu ser da cidade, muito pelo contrário.
– Nos contactos que têm mantido com a tutela, quais são as grandes reivindicações? – Temos dialogado bastante sobre as condições de formação, principalmente durante o período de pré-graduação, ou seja, nos seis anos do curso de Medicina. Estamos agora a atualizar um estudo sobre as condições pedagógicas das faculdades. Há queixas que em bastantes escolas. Há demasiados alunos para a capacidade das mesmas em dar resposta a um ensino que se pretende individualizado, principalmente nos anos clínicos, em que não pode esperar que um médico tenha quatro ou cinco alunos e um doente esteja sujeito ao exame físico feito pelos tais quatro ou cinco estudantes ou até mais, como acontece em alguns casos. Quanto ao pós-graduado, a transição entre as formações faz-se através da Prova Nacional de Seriação (PNS). Neste momento, está em cima da mesa um projeto de Decreto-Lei que visa alterar essa prova, tal como o ano comum que se pretende que deixe de existir. Nós defendemos a necessidade de acautelar que os estudantes estejam preparados para terem a autonomia que lhes permita aceder à profissão. Reivindicamos que seja acautelada a qualidade, nomeadamente o sexto ano de medicina que sempre se disse que devia ser um ano mais profissionalizante. Ora, quando os alunos, nesse ano, têm de fazer uma tese de mestrado e estudar para a PNS, que no fundo vai ditar o resto da sua carreira, é um pouco complicado que esse ano sirva propósitos profissionalizantes. Portanto, se o ano comum – que medeia a formação pré-graduada e o internato médico específico – deixar de existir poderemos estar de alguma maneira a pôr em causa uma formação de qualidade. Haverá menos contacto com a clínica, menores oportunidades de aprendizagem e de consolidação daquilo que eventualmente não tenha ficado tão bem apreendido durante o curso.
– E quanto à Prova Nacional de Seriação? Qual é a vossa posição? – A PNS é algo discutido há vários anos. Simplesmente o Ministério da Educação e Ciência quis introduzir alterações no imediato. De qualquer maneira, e isso tenho de realçar, tem havido uma total disponibilidade da tutela para nos ouvir e mudar bastantes coisas. Por exemplo, queriam avançar com as mudanças a partir do próximo ano e nós lembramos que é necessário levar em conta um intervalo de três anos, que vai agora ser cumprido. Falou-se também na introdução de uma nota mínima de aprovação, mudando o cariz meramente de seriação da PNS e que permite aos melhores escolher primeiro a especialidade. Neste momento, as coisas já não estão assim tão claras porque foram sensíveis ao argumento que, de facto, uma nota mínima, colocada como um valor absoluto, é um pouco difícil, porque depende da dificuldade do exame que varia de ano para ano e não apenas dos alunos.
– Na altura da tomada de posse como presidente da ANEM, falou-se muito de um fantasma futuro: o desemprego médico. Entre vocês, alunos, há essa perceção? Preocupa-vos a possibilidade de enfrentarem falta de trabalho? – O desemprego médico propriamente dito, não. Nós sabemos que há carência de médicos em alguns hospitais, nomeadamente na região Centro e também de algumas especialidades mais de ponta. O que está em causa, neste momento, é mais a dificuldade de o Governo assegurar que todos os alunos que acabam o curso possam ter uma especialidade. Se para se ter autonomia é preciso concluir o ano comum e o primeiro ano de especialidade e se nem todos os alunos puderem ter uma vaga para formação específica, investiu-se em seis anos de curso para não se poder exercer.
– Como aluno da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI tem algum conhecimento privilegiado daquilo que são os objetivos profissionais e até pessoais dos estudantes da instituição. A propósito da falta de médicos no Interior, sente uma apetência de quem vem de fora fazer carreira nesta região? – Quem entra e não colocou a UBI nas primeiras duas opções, normalmente tende a querer sair. Em algumas dessas pessoas esse sentimento vai mudando ao longo do curso, porque depois de algum ‘choque’ inicial, chegam, conhecem e veem que isto não é como se pensava, ou como as pessoas às vezes querem fazer parecer. Sei de imensa gente que ficou cá a fazer formação específica. No ano comum muitos optam por esta zona e, depois, alguns fazem formação específica tanto na Guarda, como na Covilhã, ou em Castelo Branco, nos três hospitais associados à Faculdade. Claro que é sempre a tarefa ingrata de tentar atrair médicos, quando nos grandes centros há aquelas oportunidades que as pessoas tanto dizem existir. Este trabalho não pertence tanto aos hospitais, que não poderão fazer muito mais, mas a outras entidades. Pessoas que estejam já no sexto ano e a construir uma vida com outra pessoa, por exemplo, que não seja da área da medicina, terá dificuldades em mudar-se para cá se não existirem incentivos. É a esse nível que urge trabalhar.
– A constituição do já por diversas vezes referido consórcio formativo, constituído pelas três unidades de saúde da Beira Interior, também poderia ajudar? – Poderia de alguma maneira fazer com que a capacidade e a massa crítica aumentassem, criando a idoneidade formativa definida pela Ordem dos Médicos. Assim, daria aso a que se abrissem especialidades consideradas de ponta. Neste momento, o que existe nestes três hospitais são vagas para formação naquelas especialidades gerais e não poderão haver noutras mais específicas, talvez por não haver esta união, o que impede os serviços de ter capacidade para formar um interno. Se houvesse uma maior sinergia entre os três hospitais, ao nível da formação, muito provavelmente também seria um bom fator de fixação, porque novas especialidades iriam atrair os alunos para fazer a formação na Beira Interior.
– A ANEM tem tido algum papel nesse processo? – Sobre este ponto específico não. Aquilo que nós fazemos e que permite aos alunos conhecer novas realidades são os Curtos Estágios Médicos em Férias (CEMEF’s), um programa que decorre durante o verão. Têm um período de duas semanas e, neste momento, estão 1246 alunos a fazê-los, ou seja, mais de 10 por cento dos estudantes de medicina portugueses. Nós disponibilizamos, este ano, cerca de 3000 vagas em hospitais e centros de saúde para vários serviços. Este é o melhor papel que podemos ter para divulgar todos os hospitais. Claro que é feito por igual, mas também permite que muitos alunos venham para o Interior, às vezes porque têm cá amigos ou família, e, portanto, temos muita gente a estagiar na Covilhã, Castelo Branco e Guarda.
– O Centro Hospitalar da Cova da Beira e a FCS receberam estudantes estrangeiros de Medicina no âmbito de um intercâmbio internacional. Notam alguma diferença de formação nestes estudantes, comparativamente com o que se faz em Portugal? – Depende dos países. Em alguns nota-se que têm experiência clínica mais cedo – como se faz também na Covilhã – e verifica-se um raciocínio diferente, mais virado para a prática clínica. Há outras pessoas em que se sente que não têm realmente essa possibilidade. De uma maneira geral, a formação médica em Portugal é bastante boa. Os alunos sentem que têm muitas oportunidades de aprendizagem. Os hospitais estão muito disponíveis a que os alunos possam trabalhar, aprender e não estarem apenas a observar, que é uma das coisas que os alunos quando vão para o estrangeiro se queixam: de terem muitos estágios observacionais e poucas oportunidades de praticar. E, por isso, é que nós também temos reivindicado condições pedagógicas. Desde os anos 1980, as vagas em Medicina aumentaram 300 por cento, também com a abertura de novas faculdades. Combateu-se a falta de médicos, mas a compensação que existiu está-se a revelar excendentária, porque não há possibilidade de dar formação pós-graduada a todos. É por isso que lutamos muito nesse campo.
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