Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Marinho Pinto: Para a troika, os portugueses são apenas números
Tânia de Jesus · quarta, 20 de mar?o de 2013 · Continuado Ao fim de seis anos a representar a Ordem dos Advogados e no ano em que cessa as suas funções de bastonário, Marinho Pinto sublinha que se sente cansado, mas não desanimado. Aos jornalistas, no final da conferência sobre a Democratização da Justiça, realizada na Universidade da Beira Interior, abordou a atualidade política portuguesa, pedindo a Cavaco Silva uma intervenção mais ativa contra a austeridade. |
"A justiça existe apenas para os grandes centros urbanos" |
21967 visitas Perfil de António Marinho Pinto
Urbi et Orbi (UO): Considera que a justiça portuguesa é sensível à posição social dos acusados? Marinho Pinto (MP): Sim. As cadeias estão cheias de pessoas pobres, não de pessoas ricas. UO: Durante a conferência defendeu que “não existe liberdade quando se tira o pão da boca da população”. Preocupa-o a presença da troika em Portugal? MP: Estou muito preocupado porque o que se está a fazer, neste País, ameaça os alicerces da democracia e a própria essência da liberdade. Como referi, não há liberdade com a barriga vazia; não há liberdade quando as necessidades são muito superiores ao que é exigido à população; não há liberdade quando as pessoas se matam a si e aos seus filhos menores, motivadas pelas dificuldades e em situações de desespero que podem conduzir-nos a outro tipo de ações que não gostaria que sucedessem em Portugal. Torna-se necessário que o Governo coloque as mãos na consciência, pois o que está a acontecer é brincar com assuntos perigosos para a própria democracia. UO: Considera que a troika deveria ser sensível a esses casos que estão a acontecer, presentemente, em Portugal? MP: A troika não é, por definição, sensível a isso, dado que veio para Portugal por dinheiro e por questões de dinheiro, é só isso que lhes interessa, para essa organização os portugueses são apenas números. A quem compete ter sensibilidade para tratar os portugueses como pessoas são os que o povo português elegeu, os nossos governantes devem atuar como representantes dos portugueses, e não como representantes das instituições que a Troika representa. Os governantes portugueses têm deveres para com os portugueses, deveres esses que devem sobrepor-se aos compromissos assumidos com o Fundo Monetário Internacional, com a União Europeia e com o Banco Central Europeu. UO: A vinda da troika está a ser uma oportunidade para se destruir o Estado Social e os direitos dos trabalhadores? MP: A troika foi transformada num pretexto para se realizar um ajuste de contas ideológico com as conquistas do 25 de Abril, nomeadamente com a democratização e a extensão do Estado Social. Derrubou-se o Governo anterior por ele querer aplicar medidas de austeridade, infinitamente mais pequenas do que aquelas que estão a ser implementadas por quem, em campanha eleitoral, prometeu não o fazer. Essas pessoas têm de ser responsabilizadas, politicamente, por mentirem aos portugueses. Daí que eu defenda que o Presidente da República deve exercer as suas funções e respeitar a constituição, tal como jurou na sua tomada de posse, e não refugiar-se num palácio, desaparecendo da vida pública, como está a acontecer. Nós estamos praticamente sem Presidente da República. O Governo faz o que quer impunemente, porque as instituições não estão a funcionar como deveriam, e não se pode pretender que seja o Tribunal Constitucional a ter uma atuação política: é um tribunal e tem o dever de agir de acordo com critérios jurídicos. UO: Na sua opinião, o Presidente da República deveria dissolver a Assembleia da República? MP: O Presidente da República deveria dar-nos palavras de esperança e não nos deixar entregues ao discurso mentiroso e oportunista do Governo. O Presidente da República tem deveres especiais para com os portugueses, que o elegeram por duas vezes, devia enviar mensagens à Assembleia da República, devia fazer tudo aquilo que não está a fazer. O Governo encontra-se praticamente entregue a si próprio e vivemos um período demasiado grave para que a situação política permaneça assim. UO: A Reforma Judicial, a ser implementada, aumentará as discrepâncias entre a justiça do interior e a justiça do litoral? MP: A implementação destas medidas demonstra que a justiça existe apenas para os grandes centros urbanos. É dizer às pessoas do interior que façam justiça pelas próprias mãos, com machados, com enxadas, como se fez durante séculos em Portugal. É uma forma de abandonar ainda mais o interior e negar justiça à maior parte do território português. |
Palavras-chave/Tags:
|