Voltar à Página da edicao n. 470 de 2009-01-20
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“A sociedade atravessa uma crise de ideias”

Com grande parte da sua obra dedicada à análise da transformação social, Gilles Lipovetsky veio à UBI falar de moda e das alterações que a globalização e os mercados estão a impor a esta área. Ao Urbi resumiu também os seus mais recentes livros.

> Eduardo Alves

Urbi@Orbi – Na análise que faz da “Pós Modernidade”, ao longo de muitas das suas obras, fala de uma ruptura dos sistemas sociais como os conhecemos, quer ao nível da economia, das finanças, da comunicação, do próprio mapa geopolítico. Nessa perspectiva arriscar-me-ia a dizer que foi um “profeta” da actual crise mundial?
Gilles Lipovetsky –
Isso dar-me-ia alguma honra (risos), mas não podemos pensar assim, ou melhor, só assim. Aquilo que tenho vindo a propor nas minhas obras e nas análises que tenho feito à sociedade não é mais que uma grelha, uma espécie de plano com alguns passos que evidenciam a transformação cultural e social. Sociedade que actualmente classifico como “hipermoderna”. A crise financeira, a crise económica, e muitas outras, também estão aqui envolvidas, mas dessas não sou apenas eu que falo.
Uma das coisas que fui referindo também no meu trabalho é a individualização da nossa sociedade, um dos maiores fenómenos dos últimos tempos e que não pára de criar uma crise de ideias da qual a maior prova é a desorientação.

Urbi@Orbi – Considera-se o pai da “hipermodernidade”? Como explica esse conceito?
Gilles Lipovetsky –
Não é a primeira vez na história da humanidade que as pessoas estão inquietas, que há guerras, que existe fome, isso não é nada de novo. Aquilo que agora aparece pela primeira vez é que todas as regras que nos levavam a ter um padrão de comportamento social perderam a sua razão de ser. A globalização, a política com a direita e a esquerda que se confundem, a própria vida familiar, a arte contemporânea e mesmo as coisas mais elementares, como por exemplo a alimentação está tudo baralhado e nada é garantido. Anteriormente, o problema não estava no que comíamos, mas sim, se existia comida ou não para todas as pessoas. Era tão simples quanto isso. Hoje em dia, o que é a alimentação? É uma coisa boa para a saúde ou faz-nos mal? A própria educação. Existem agora centenas de livros que nos dizem que devemos falar às crianças desta forma e daquela, que não lhes devemos mostrar isto ou fazer aquilo. Ora, eu pertenço a uma geração onde os meus pais não tinham qualquer preocupação com estas coisas. Era a sociedade que nos ensinava e nos integrava.
A crise que vivemos não é apenas económica, nem financeira, nem sequer do capitalismo globalizado, é também uma crise cultural profunda que está a deixar os jovens bastante frágeis porque não têm as bases do passado, é isso a “hipermodernidade”. No século XXI vamos assistir à reinvenção dos quadros sociais que permitem aos homens viver melhor.

Urbi@Orbi – Uma das suas obras mais conhecidas “A Era do Vazio” fala precisamente no hedonismo reinante nas sociedades ditas desenvolvidas. Existe como que uma espécie de universo em cada um de nós, todos queremos ser os melhores não importa a que preço. Perdem-se os grandes valores colectivos, os sentimentos sociais e é cada um por si. Aumenta a pobreza, mas também o consumo do luxo, o supérfluo, de que fala também num dos seus livros. Até onde isto nos vai levar?
Gilles Lipovetsky –
Penso que a cultura do hedonismo prefigura o que se vai passar com a ordem social, ou o que se deveria passar num campo global, mas esta postura foi muito longe. Veja-se o caso do consumo que nunca teve índices tão bons, mas que assumiu um papel, uma importância grande demais na vida das pessoas e na forma de estar destas. O consumo levou-nos a uma educação que é um autêntico desastre, porque nós acabamos por dar demasiada liberdade às crianças que depois se tornam em jovens que nunca estão satisfeitos. O problema do hedonismo do consumo passa precisamente por aí, pelo ponto em que consumimos as coisas, compramo-las, mas elas acabam por não trazer felicidade, não ter um valor acrescentado para nós a acabamos por querer sempre mais e mais.
Creio que devemos procurar um melhor equilíbrio e é precisamente este equilíbrio que vai permitir, no contexto da crise contemporânea que atravessamos, encontrar algumas soluções. Há um liberalismo excessivo e creio que a crise, hoje em dia, apela, como já apelava Aristóteles, à prudência, menos excessos e mais controlo.

Graças às novas tecnologias há mais jovens com vontade de criar

Perfil de Gilles Lipovetsky



"O consumo levou-nos a um autêntico desastre"


Data de publicação: 2009-01-20 00:01:00
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