O triunfo da vontade
Luís e Gustavo, ambos alunos na UBI, deslocam-se numa cadeira de rodas. Mas não deixam que essa limitação determine a sua forma de viver, nem que os impeça de ter uma vida normal
> Ana RodriguesÉ habitual vê-lo no café, na discoteca, às compras no hipermercado ou no cinema. “Eu não tento. Eu tenho uma vida normal, dentro das minhas possibilidades”, diz, categórico, Luís Matos, de 22 anos. Aos 14 anos, uma lesão na medula, provocada quando saltou para festejar a vitória num jogo, deixou-o numa cadeira de rodas. Passada a “curta” fase da revolta, veio a determinação em não se deixar condicionar por essa circunstância. E vive a vida dessa forma, apesar das barreiras que encontra por todo o lado.
No ano passado entrou em Engenharia Informática, na Universidade da Beira Interior (UBI). No bar, onde dois degraus o impedem de chegar ao balcão, está rodeado de colegas , que conversam sobre as notas de uma frequência. De Luís destacam a sua atitude positiva. “Ele luta pelo que quer, vai até ao fim. Isso nota-se em tudo”, realça Miguel Cordeiro.
Gustavo Marques , 31 anos, já era aluno da UBI quando há dez anos um acidente de viação o pôs a ver o mundo de outra perspectiva. Depois de algumas semanas de que não se recorda, renasceu num novo corpo. Aprendeu a ser autónomo, como acontecia antes, voltou às aulas e não deixa que a cadeira de rodas dite o rumo da sua vida. “Eu faço a minha vida. Com ou sem limitações, tento fazer as minhas coisas”, nota. Por isso não é invulgar encontrá-lo no pavilhão da Anil, durante as festas dos estudantes, ou no cinema. No primeiro ano o pai morou com ele na residência entretanto adaptada para poder viver. Agora conta com os “bons amigos” para ir a sítios onde não iria sozinho. Apesar de preferir ser o mais independente possível.
Para ir para todo o lado utiliza o Golf prateado, equipado com um braço mecânico no tejadilho que recolhe a cadeira, mecanismo semelhante ao de Luís. “O carro deu-me outra vez umas pernas. Libertou-me de algumas limitações”, observa Gustavo. “Há um antes de ter carro e um depois de ter carro”, acrescenta. Até porque tem noção de que uma pessoa com limitações físicas que não tenha transporte próprio, “é meio caminho para ficar fechada em casa”. Como alguns casos de que tem conhecimento, por estarem dependentes de terceiros.
Há seis anos a deslocar-se com esse equipamento, já se habituou a alguns olhares de surpresa. Cada vez em menor número. Mas nota que há mais gente com deficiência a circular em locais públicos.Para Luís Matos o automóvel também tem um papel fundamental no seu quotidiano, desde há dois anos. “O carro são as minhas pernas pela cidade inteira. Andar na Covilhã de cadeira de rodas é muito complicado”, realça. Até porque as barreiras arquitectónicas são o principal obstáculo com que se depara.
Só lamenta a excessiva burocracia na altura de tirar a licença. Além do tempo, dinheiro e paciência despendidos teve ainda de lidar com o preconceito de quem tem responsabilidades.
Hoje, vai ter com os amigos onde estiverem e, quando não se entretém no computador ou está nas aulas, o Ford Fiesta leva-o ao cinema, a passear, a fazer todo-o-terreno ou canoagem . Um dos passatempos a que se tem dedicado, com uma empresa do Fundão. “Só preciso de ajuda para entrar e sair da canoa”. Do passado, diz sentir saudades de andar de mota e de jogar à bola. Compensa com as partidas na consola. Quanto aos motores, o esforço que os pais já fazem não lhe permite ambicionar ter uma moto 4. Apesar de ter encontrado outras ocupações, Gustavo Marques lastima não haver condições para poder explorar a Serra da Estrela. “Tenho pena de não poder fazer caminhadas”. O finalista de Engenharia Civil tem conhecimento da existência de programas para pessoas com deficiência, mas não na zona. “ A empresa que explora aqui o turismo podia fazer algo neste aspecto”, desafia. Os amigos de Luís Matos acentuam a sua força de vontade. “Lá por ter essa limitação, não deixa de fazer as coisas. É um amigo como os outros, não fazemos distinções”, sublinha Micael Adaixo. Miguel Cordeiro entende que o colega de curso “é um exemplo ”. Luís Matos não se considera “exemplo para ninguém”. Contudo, admite poder servir de comparação para algumas pessoas.
Para o futuro engenheiro informático do Teixoso têm de ser as pessoas com deficiência a mostrar à sociedade que podem fazer o mesmo que os outros. “Tem de partir de nós querer ter uma vida normal e fazer por isso, embora não dependa só de nós, também tem de haver abertura dos outros. Em muitos casos as pessoas fecham-se em casa”.
É isso que procura fazer quando sai com os amigos. “Eles nem pensam se o sítio onde vamos tem escadas ou não. Se for preciso, ajudam-me a descer, nem preciso dizer nada”, exemplifica. “Cabe-nos a nós abrirmos as mentes e criarmos esse ambiente à nossa volta, porque sem tentar é claro que não vamos conseguir”, constata, sempre com um discurso fluente. Gustavo entende que essa abertura de mentalidades passa também por uma reivindicação dos direitos. “Temos de lutar para sair para a rua. Temos de mostrar que queremos fazer parte da sociedade, dar o nosso contributo: estudar, trabalhar, ter filhos, passear, sem tantos obstáculos”, defende.
Sensibilizar os outros para a diferença é um dos caminhos. Mas Gustavo , com os livros de Engenharia Civil no colo, espera poder deixar a sua marca de outra forma. Finalista, está já a pensar no mestrado, onde quer estudar as acessibilidades nas cidades da região para gente com mobilidade condicionada. Já o futuro profissional “gostaria de poder ser num sítio onde os meus conhecimentos pudessem ser usados para introduzir melhorias, para criar um mundo mais inclusivo”, revela. Para já colabora com a Associação Portuguesa de Deficientes. A sua postura, de integração, torna natural o contacto com os colegas. E no que toca aos de Civil e Arquitectura, pensa que o convívio com alguém com dificuldades de locomoção os fará pensar duas vezes antes de desenharem um projecto. “Talvez a lei passe a ser cumprida mais vezes”.
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