Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 360 de 2006-12-26 |
“Íamos de noite, em plenas geadas, porque nessa altura geava muito mais, há uns 30 anos, só com candeeiros a petróleo”, explica Vítor Sousa, hoje com 49 anos. Uma noite poderia justificar mais que uma ida ao mato, mandasse a necessidade ou o desafio de um que se lembrasse. Dois ou três fins-de-semana eram suficientes para juntar a lenha desejada. O dia só era usado para esse efeito quando a lenha parecia insuficiente. Aquando da ida, parte das árvores a abater já estava definida. A prioridade ia para os castanheiros mais velhos, que já não davam castanhas, e roubavam força aos que estavam à volta. “Quantos mais éramos, mais madeira conseguíamos trazer,” conta Mário Costa. E continua lembrando: “levávamos o garrafãozito, uma lanterna ou um candeeiro a petróleo. Às vezes nem era necessário, quando o luar era suficiente.” Raul Sousa é pai de Vítor e avô de Ricardo. “Já lá vão mais de cinquenta anos. Naquele tempo era a pau e corda. Íamos à serra e chegávamos a cortar castanheiros inteiros. Às vezes pedíamos aos dos lagares que vinham aí buscar a azeitona com os carros de vacas, e eles iam lá.” Ao lado, Antónia Fonseca não ia à lenha, mas não se esquece da tradição. “Eu lembro-me de virem às vezes seis e oito homens, a pau e corda, com os paus grandes, pelo meio do povo.”
Até há poucos anos, a madeira era toda cortada manualmente. Machados, malhos e serrotes grandes eram os instrumentos que os jovens empunhavam na missão. “Ainda demorava a deitar um castanheira abaixo, mas quando tombava era uma alegria. Bebíamos logo um copo”, comenta Mário Costa, entre sorrisos. Para carregar um tronco de castanheiro usavam-se três ou quatro “pancas”. As “pancas” eram paus fortes e compridos, que dois jovens carregavam aos ombros. Em três ou quatro filas, constituíam um suporte sobre o qual iam os troncos mais pesados, que eram atados para não cair. Vítor Sousa lembra-se bem da altura em que já carregava os pesos maiores. “Eram umas quatro cordas, e quando estava tudo pronto um dava sinal e todos puxávamos ao mesmo tempo, e andávamos um bocado até aguentarmos. Às vezes um ia à rasca e berrava, para pararmos. Volta e meia já não ia a tempo, tropeçava e caía, e bastava cair um para cairmos todos. Outras vezes ficávamos com os pés debaixo dos troncos.” “Não havia tractores. Íamos puxando com as «pancas», bebendo um copinho, até que chegávamos ao adro da igreja,” conta Mário Costa. Para além da memória, a folia e os trabalhos deixavam marcas durante algum tempo. Vítor Sousa também as sentiu, no seu tempo. “Quando era no fim, chegávamos a andar com calos no pescoço durante mais de um mês.”
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