Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 360 de 2006-12-26 |
Montar o fogo não é uma arte. Os padrões estéticos adquirem ali uma importância que não é mais que relativa. Mas nada ali é feito ao acaso. Engenho, técnica e bom senso são imprescindíveis para que o madeiro seja vistoso enquanto arde. O objectivo é que a lenha se consuma a uma só vez. Esse é, além disso, um dos aspectos quase exclusivos da pequena aldeia, como lembra Vítor Sousa. “Depois de juntar a lenha que achávamos suficiente para o fogo, preparávamos a «forcalha». O povo da Mizarela sempre teve orgulho nisso: o fogo era empilhado pau por pau, tipo um palheiro.”
Antes cavado, hoje em cimento, o buraco no centro do adro sustenta a trave em torno da qual se junta a lenha. Ricardo Sousa aprendeu bem a lição, e mantém o brio de antes. “Empilha-se a lenha toda como antigamente: arranja-se a forcalha contra a qual se arrumam os troncos de castanheiro; leva uma camada de pinheiros em volta, depois lenha miúda e, no fim giesta, a última camada.” É esta lenha miúda que lhe dá a “perfeição” possível, do arredondado. As bocas-de-incêndio são imprescindíveis. De dentro para o exterior do madeiro, pneus e palha ditam a ordem da combustão. “Nesse dia à noite roubávamos um gato vivo, e colocávamo-lo dentro de um cesto ou um balde no topo do madeiro. Sempre de forma que ele pudesse fugir, quando o calor apertasse com a força do fogo”, diz a sorrir Mário Costa. Um fogo que, pela noite dentro, aquecia os que ali ficavam deitados em toldes da azeitona, ou fardos de palha. Vítor Sousa lembra-se de ter ficado sem “cama” por uma ocasião. “Houve um ano em que tínhamos lá uma faixa de palha que nos tinham dado, para nos deitarmos depois de o madeiro estar a arder. E quando chegámos, depois da consoada, a palha já nem estava lá, ficámos todos danados…”O repique dos sinos, à meia-noite, marca o incendiar do “palheiro”. Noutros tempos, era depois da Missa do Galo. A falta de padres não tem deixado que a celebração religiosa se cumpra. Como antes, quando tal não era possível, são as doze badaladas que vêm da torre no cimo do povo a dar sinal.
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