Estatuto Editorial | Editorial | Equipa | O Urbi Errou | Contacto | Arquivo | Edição nº. 360 de 2006-12-26 |
“Os mais velhos mandavam e nós obedecíamos,” lembra Ricardo Sousa. Há cerca de quinze anos que, por esta altura, se junta ao grupo que prepara o madeiro. O número tem decrescido. Os jovens saem da terra, crescem os afazeres longe dela… e o interesse também diminui. É com clareza que, do lado de fora, Vítor Sousa (pai de Ricardo) identifica o problema. “A rapaziada de antigamente era mais unida. Enquanto miúdos, em garotos, desde que se tocasse à lenha para o fogo, íamos todos. E agora não.”
Os mais novos ajudavam em quase tudo. Vítor Sousa lembra bem as tarefas que lhe cabiam. “Os rapazes mais fortes é que traziam os troncos. Os mais novos íamos para trazer as pernadas mais pequenas, para ajudar naquilo que podíamos. Outras vezes levávamos o garrafãozito do vinho e deitávamos de beber aos mais velhos.” “Mas quando chegava a hora, os mais velhos obrigavam-nos a ir para casa. Só a partir dos 14, 15 anos é que se tinha algum estatuto”, recorda Mário Costa. Desde sempre que assim era. O ir à lenha para o fogo marcava um estatuto. Era ali que se dava a passagem do garoto para o rapaz. Um processo que incluía os copos e os bailaricos, mas onde o fogo era imprescindível.
A tradição sempre colheu o agrado de todo o povo. Mas houve episódios em que o fogo marcou crispações dentro da aldeia. “Um ano veio a guarda e ficaram lá 12 na prisão durante três meses,” lembra Raul Sousa. “O terreno era do povo, e um homem comprou-o a uns donos de Coimbra, que deixaram os matos ao povo. Para o homem era só o cultivo da terra, e o povo ficava com as árvores, o mato, e as castanhas. Mas ele queria tudo. Nesse dia o homem chamou a polícia e levaram os que andavam à lenha no terreno presos. Levaram-os à volta do povo, para não serem vistos. Quando se soube, foram novos e velhos à Guarda. E o homem disse à polícia que iam para assaltar a esquadra, e quantos caçavam quantos prendiam, e davam porrada,” conta Antónia Rodrigues, esposa de Raul. “E o povo tanto tinha razão que foi para quem ficou o terreno.”
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