Viagem por
memórias
Urbianas
Susana Gomes*
Viagem por memórias Urbianas
Susana Gomes*
Quando comecei a escrever para o Urbi, o jornal tinha acabado de dizer as suas
primeiras palavras. Teria, possivelmente, 2 ou 3 anos na altura e eu, com 20,
aprendi a melhor comunicar graças a ele.
O Urbi trouxe-me a minha primeira experiência jornalística e as primeiras
aventuras de reportagens, entrevistas, notícias, numa dinâmica que me fascinou
de imediato e que ainda hoje se mantém.
Recordo-me do entusiasmo que senti quando fiz uma das minhas primeiras
entrevistas. O Fernando Tordo ia apresentar um livro e dar um espetáculo no
Teatro Cine e eu tive a oportunidade e o privilégio de falar com ele. O nervosismo
rapidamente deu lugar à excitação, e dei por mim a querer saber tudo, não só do
que acabara de acontecer, mas também sobre a carreira e sobre a sua vida, o que
o move e o que o inspira. Rapidamente percebi que estava despertar em mim a
curiosidade e a necessidade de conhecimento, a sede de sabedoria, de querer
sempre saber mais e mais. É algo que todos nós devemos ter sempre, e apesar do
jornalismo.
É importante termos este lado curioso e estimulá-lo, ir à procura do detalhe,
daquele pormenor que torna uma história memorável. Quando fazemos uma
viagem, por exemplo, devemos absorver toda a experiência, indo atrás da
história e da cultura do povo que acabámos de conhecer. É esta vivência numa
experiencia 360 que faz com que aquela célebre frase “voltamos mais ricos
depois de cada viagem” faça sentido. É com esta necessidade de saber que tantas
das nossas capacidades se desenvolvem.
Ainda que a vida nos leve por caminhos fora do jornalismo, sei que hoje me
tornei uma pessoa diferente graças a estes primeiros passos. A curiosidade e
necessidade de explorar todos os temas, de saber mais sobre o que nos envolve,
sobre o que acontece, sobre o que lemos, vemos, ouvimos. Costumo brincar
dizendo que devemos todos manter aquela ingenuidade de criança e fazer todas
as perguntas que nos vierem à cabeça, pois só assim conseguimos ser mais
completos e ter todas as peças do puzzle e as nossas opiniões bem
fundamentadas. Hoje sei que mantive este lado intacto muito graças ao Urbi, que
me deu a liberdade de fazer todas as perguntas, de viver as primeiras
experiências mais incríveis que ainda hoje guardo. Desde as conversas com quem
tanto admirava, à iluminação de luzes de natal, peças de teatro, palestras sobre
cultura, psicologia e humor.
Depois da entrevista ao Fernando Tordo, recordo-me de ter feito algumas peças
sobre Teatro, que era algo que me suscitava particular interesse. Sendo uma peça
de teatro algo tão subjetivo de avaliar, tornava-se um verdadeiro desafio mas,
justamente por isso, gostava tanto. Fazia a minha leitura e depois desconstruía
tudo com os intervenientes da mesma. Lembro-me de me sentir tão orgulhosa
por perceber que batia certo com aquilo que pensava e absorvia do que tinha
visto. Escrevi sobre concertos de artistas que admirava (lembro-me de
entrevistar Fonzie, Toranja, Fingertips, entre outros).
Conheci e falei com um ídolo que ainda hoje admiro (talvez cada vez mais) .
Ricardo Araújo Pereira. A primeira vez, numa “Mesa Redonda” sobre Cultura,
onde também estava presente Pedro Mexia, a segunda, já com os seus
companheiros de “Gato Fedorento”, a abordarem um tema que muito me é
querido: o Humor, e a terceira, após a peça de Gato Fedorento no Teatro Cine.
Foram experiências marcantes e que guardarei com tanto carinho.
Sempre que me recordo destes tempos, é inevitável o sorriso. Há uma imagem
que guardo sobre esta altura: antes de cada peça, guardava numa malinha o meu
gravador e máquina fotográfica e recordo-me de pegar em ambos com um
sentido de responsabilidade enorme. Com o tal nervosismo e entusiasmo e
sempre sabendo que tinha que fazer bem, sempre mais e sempre melhor. Não
queria falhar e queria estar sempre com todos os sentidos alerta para poder
trazer o máximo de informação que conseguisse.
Passaram 17 anos desde que colaborei pela primeira vez com o Urbi e, apesar de
não me conseguir lembrar de todas as peças que fiz, ao escrever este texto o
tempo recuou e tantas me vieram à memória.
Sempre considerei a escrita algo muito solitário e individual. Cada um tem um
estilo muito próprio e é preciso alguma solidão para por nas páginas em branco
aquilo que ouvimos e vimos, mas é isso que a torna tão especial. Talvez aqui
entre a tal responsabilidade, mas também o por tudo no papel com coerência,
não falhando o mais importante e cingindo-nos ao crucial, porque as palavras são
limitadas. Temos que escolher bem o que tem mais impacto e traduzi-lo para que
todos o entendam da melhor forma, sem artifícios e com total pureza. A escrita é
especial porque acaba por ser sempre individual. Seja qual for o teor, a forma
como se escreve é sempre única. É como se fosse uma peça de arte irrepetível,
porque ninguém consegue igualar o estilo de ninguém, apenas aproximar-se, o
que não é, de todo, a mesma coisa.
Por tudo isto, o Urbi sempre foi tão especial para mim. Porque me impulsionou a
estimular a minha curiosidade. Porque me orientou para fazer as perguntas
certas. Porque me fez ir sempre à procura de quem podia dar a realidade mais
genuína, a cada peça. Porque me permitiu conhecer pessoas que me deram muito
e outras que hoje admiro ainda mais. Porque que me fez rir, chorar, emocionar,
arrepiar, nunca julgando e dando liberdade para não só escrever mas também
sentir. Porque me fez descobrir mais sobre a importância e responsabilidade de
fazer sempre um bom trabalho.
O Fernando Tordo disse, naquela tarde, que a apresentação na Covilhã era muito
especial e que a Covilhã estava presente também naquele livro, uma vez que
passava aí algumas férias com o seu Pai e guardava boas recordações desse
tempo. O livro falava de memórias e de um período algo ruidoso na vida de cada
um: a transição da infância para a juventude.
Sobretudo, o livro assumia-se como um manual de experiências para os mais
novos. E aqui faz-se uma ponte algo curiosa para as experiências que o Urbi me
permitiu viver. A verdade é que a cada peça que é feita, é mais uma experiência
que vivemos e que podemos passar a mais e mais pessoas, através da escrita. O
Urbi é a voz de tantas e tantas experiências que marcam quem as vive e que
devem ser passadas para que vivam além de quem as descreve. Sei que as
palavras escritas se tornam intemporais, se estiverem bem guardadas. Vejo o
Urbi como esse agregador. Que não só guarda as palavras de quem deu os
primeiros passos na escrita a seu lado, mas também acompanhou o seu
crescimento e desenvolvimento. Tudo pode estar diferente hoje, 20 anos depois,
para todos aqueles que se cruzaram com o Urbi mas com certeza que há coisas
que se mantêm intactas: o carinho pelo Urbi e o agradecimento por aquilo que
nos deu, nos primeiros anos de curso, onde os sonhos são tantos. O Urbi ajudou a
alimentar esses sonhos e faz hoje parte da nossa vida e do nosso percurso.
Parabéns, Urbi e obrigada pelas histórias, memórias, experiências. Que continue
sempre a inspirar e a criar bons profissionais e que daqui a mais 20, existam
ainda mais histórias para contar de todos nós.
*O percurso profissional de Susana Gomes começou com um estágio na SIC, onde trabalhou na informação e no programa “Nós Por Cá”. Após o estágio, surgiu a oportunidade de trabalhar na área de publicidade para os canais temáticos da SIC, ficando mais dois anos e meio na estação. Em 2009 entrou para o Canal Panda como assistente de programação e em 2013 ingressou na FOX, onde permaneceu cinco anos, trabalhando os canais FOX e FOX Comedy. Já em 2018 regressou ao Canal Panda, onde é hoje Diretora de Programas para os canais Panda e Biggs.