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António Fidalgo*

header1 Rafael Mangana

Fundador e primeiro diretor do Urbi et Orbi, António Fidalgo traça uma panorâmica dos 20 anos do cibermeio académico em atividade há mais tempo no nosso país. Na edição que assinala os 20 anos do jornal que ajudou a criar, o Reitor da UBI aborda também os últimos 20 anos do Ensino Superior em Portugal, da Universidade e da região.

Urbi et Orbi: Recuando 20 anos, em que contexto nasce o projeto Urbi et Orbi?

António Fidalgo: O Urbi et Orbi nasce na Universidade da Beira Interior na sequência do curso de Ciências da Comunicação. O curso é criado em 1989 e a World Wide Web começa em meados dos anos 90. Nessa altura, nós aqui na Universidade damo-nos conta da importância enorme que a World Wide Web – ou a Internet, como hoje se diz – iria ter no âmbito da Comunicação e da informação jornalística.

Mesmo antes do Urbi et Orbi, em maio de 1999, nasce a Biblioteca Online de Ciências da Comunicação (BOCC) dirigida especificamente ao mundo universitário na área das Ciências da Comunicação. Com a criação do curso de Design Multimédia, no ano letivo 1999/2000, surge a ideia de lançar um jornal online, o que se veio a verificar. O primeiro número fez agora 20 anos e esse projeto que vinha sendo acalentado desde o início do ano letivo, levou quatro meses a implementar. É assim que surge o Urbi et Orbi, com o trabalho da professora Anabela Gradim , então Directora Adjunta, e com a chefe de redação Catarina Moura, hoje também professora.

Portanto, nós aí consideramos que o jornal era uma maneira de divulgar o que se passava na Universidade, primeiramente para a comunidade académica e depois para todo o mundo, e ao mesmo tempo funcionaria como um atelier aplicado de jornalismo. E foi isso que fez a diferença: compreender a importância da Web no mercado da informação.

U@O: Porquê “Urbi et Orbi”?

AF: É uma expressão que se aplica às bênçãos papais, que significa “à cidade (Urbi) ao mundo (Orbi)”. Portanto, era um jornal que era feito para dentro da comunidade académica e ao mesmo tempo um jornal que, ao entrar no online, estava disponível em toda e qualquer parte do mundo. E ainda me lembro perfeitamente como surgiu o nome de “Urbi et Orbi”: foi na Avenida de Berna, junto à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa que surgiu o nome, numa conversa com a professora Manuela Penafria.

U@O: O que recorda desses tempos de arranque do Urbi?

AF: Ao início o jornal era mesmo semanal, porque tínhamos que arrancar e ainda não estava sob a base de dados. Penso que era às terças-feiras que saía e a ideia era que também tivéssemos as notícias prontas para sair impresso. Quem fazia a revisão era a professora Anabela Gradim e posteriormente colocávamos o endereço electrónico para poder ser visionado. Ele era criado mas ainda sem um endereço online, depois era no momento em que chegava que nós colocávamos o endereço. Era sempre um momento de alguma tensão, tal como acontecia com o jornal em papel. É, também, a partir daí que avançamos para um projeto de investigação dedicado ao jornalismo online, que teve um financiamento da FCT bastante elevado, naquela altura cerca de 20 mil contos (cerca de 100 mil euros), que foi muito importante e que depois viria a dar azo ao LabCom.

U@O: Como tem acompanhado a evolução do jornal?

AF: Ao princípio acompanhava o jornal como diretor, sempre escrevendo o editorial e pedindo a pessoas dentro da universidade para escrever artigos de opinião. Entretanto, eu tinha visto em universidades estrangeiras o quão importante era haver a circulação de informação interna através dos jornais em papel. Nós, depois da edição digital semanal, tínhamos a edição em papel, que era mensal, onde fazíamos uma síntese das notícias principais da Universidade e fazíamos então o jornal em papel, distribuído com o Notícias da Covilhã. Eu penso que esse foi um bom passo, que só se viria a extinguir penso que já no mandato do professor João Queiroz.

Ao mesmo tempo que se cria o jornal também se cria a Faculdade de Artes e Letras e eu sou o primeiro presidente, cargo que exerci durante oito anos. Depois de dois mandatos, entendi que devia ser substituído, tanto da presidência da FAL como da direção do jornal. Nessa altura o jornal fica com um diretor da área do online – o professor João Canavilhas – e na área do papel a professora Anabela Gradim, que me substituem. Depois deixo de acompanhar o jornal da maneira intensa como tinha feito nos primeiros oito anos. Normalmente era eu que fazia a escolha dos chefes de redação, que era sempre um finalista de Ciências da Comunicação, que ficava durante um ano ao abrigo de um projeto que já não existe, em que havia uma bolsa comparticipada pelo IEFP e pela UBI. E, sobretudo, desde que assumi as funções de Reitor que deixei de acompanhar tão de perto o Urbi et Orbi. Só como leitor.

U@O: Esteve na fundação do Urbi, é professor e investigador na área da Comunicação. Concretamente em relação ao Jornalismo, como tem visto as transformações que têm ocorrido? Que desafios se apresentam para a formação na área e como podem espaços como o Urbi ajudar nesse processo?

AF: Eu penso que é muito importante os alunos, na área da Comunicação, contactarem com as novas tecnologias e dominarem-nas. A formação teórica é fundamental, mas a formação teórica também tem que ter em vista todos os condicionalismos teóricos e técnicos que levam a uma revolução da própria maneira de informar. Hoje em dia assistimos à crise dos media tradicionais, por volta de 2004/2005 começam a aparecer os blogues, que vieram mais tarde a ser substituídos pelas redes sociais e por aí fora. E nós aqui na Universidade temos acompanhado muito toda essa evolução da informação online e penso que é extraordinariamente importante os alunos de Comunicação - fazendo sempre a formação teórica indispensável e necessária para uma formação universitária – também terem conhecimento de técnicas e métodos da nova informação. Para isso é preciso também dominar os meios.

U@O: Também a UBI tem crescido ao longo destes 20 anos, tem sido reconhecida nos mais diversos rankings, tem visto o número de alunos aumentar a cada ano. O que lhe falta para ter um financiamento estatal condizente?

AF: Esse é um problema do país, é um problema do sistema de ensino. O Ensino Superior era muito específico e era muito reduzido em comparação com outros países e o financiamento ficou muito aquém do que acontece noutros países. Se olharmos para as estatísticas do Banco Mundial ou para as estatísticas da OCDE, vemos que o Ensino Superior em Portugal é extremamente subfinanciado relativamente ao PIB e relativamente ao montante que é alocado à Educação. Enquanto que nos outros países a fatia dedicada à formação superior é um terço, em Portugal não chega a um quinto e, portanto, isso faz toda a diferença. Na média da OCDE, do dinheiro que vai para a Educação, 30 a 35 por cento vai para o Ensino Superior e em Portugal não chega a 20 por cento.
As universidades são financiadas em 2020 de acordo com o financiamento que tinham em 2000. A UBI, como é uma universidade muito mais jovem que as outras, a formação do corpo docente também é muito mais recente, não tendo beneficiado do financiamento então existente, que foi uma continuidade. Nós, como evoluímos em termos de qualificação do pessoal docente, não tivemos o acompanhamento respetivo do financiamento desse pessoal docente.

U@O: Quais devem ser, no seu entender, os grandes objetivos para a UBI nos próximos 20 anos para subir mais patamares no seu crescimento?

AF: Eu acho que manter esta tendência de crescimento é vital. Felizmente a Universidade da Beira Interior, ao contrario de outras instituições de Ensino Superior, conseguiu superar os desafios da demografia extremamente adversa que enfrentamos em Portugal. Eu considero que a questão demográfica é o principal desafio que Portugal tem pela frente, é o principal problema existente no nosso país. Aliás, à semelhança do que acontece em todo o Sul da Europa e não só, em que há um envelhecimento da população nativa, que tem que ser compensado com os fluxos migratórios. Nós aqui na Universidade notamos isso e somos uma instituição que nesse aspeto, de certa forma, antecipa aquilo que vai acontecer, com a atração de jovens de várias partes do mundo onde há muita juventude e a UBI tem condições de dar formação a jovens de todo o mundo.

O que eu antevejo - e mais do que antever, é desejar – é que a UBI continue a crescer. Não muito, porque a formação universitária e a constituição de uma universidade é sempre a médio/longo prazo. Nós precisamos de tomar iniciativas de curto prazo, mas depois reflete-se sempre a médio/longo prazo. Um departamento leva dezenas de anos a construir, uma carreira académica leva dezenas de anos a erguer-se e, portanto, nós precisamos é de manter este ritmo de crescimento ao nível da população estudantil, e isso só se consegue com a a atração de jovens estrangeiros. Os cerca de 20 por cento que temos de alunos de outros países terão de aumentar nos próximos anos para a margem de 30 até, eventualmente, chegarmos aos 40 por cento. Penso que isso é muito importante e com isso conseguimos uma universidade mais cosmopolita, mais aberta e também mais atrativa para os estudantes nacionais. O que é curioso é que a atração de alunos estrangeiros também aumenta a atratividade nacional para os jovens portugueses. O que nós vemos é jovens do Litoral e dos grandes centros a escolherem a Covilhã como cidade universitária.

U@O: Está em fim de mandato. Que desafios se apresentam a quem o suceder?

AF: Agora vão surgir novas ideias, novos projetos, e isso é fundamental. É justamente para isso que servem as eleições e o que eu penso é que estamos a caminhar para a solidificação do quadro docente, tornar a Universidade verdadeiramente competitiva, colaborarmos com a cidade da Covilhã e criarmos aqui uma verdadeira cidade-campus e fazer da Universidade da Beira Interior uma universidade onde seja possível obter uma formação de muita qualidade em termos científicos e tecnológicos, mas também e sobretudo, em termos humanos e culturais.

U@O: Quanto à Covilhã, sente que tem evoluído ao longo destes 20 anos na mesma medida deste crescimento da sua Universidade?

AF: Penso que sim. A Covilhã é uma cidade que cresceu em termos de dimensão e de infraestruturas. Por exemplo, o novo hospital também celebrou agora 20 anos, o curso de Medicina também tem 20 anos. Portanto, no século XXI o que é um facto é que a UBI e a Covilhã cresceram a par e passo. Ou seja, a renovação tem com o Parkurbis, com as novas infraestruturas, como o hospital, o polidesportivo, a central de camionagem, a requalificação de toda a parte urbanística. A cidade, efetivamente, refundou-se. No aspeto cultural há a salientar que este ano vamos celebrar a requalificação do Teatro Cine, que é uma infraestrutura fundamental para a cultura dentro da cidade. O que nós estamos aqui a ver é um caminhar lado a lado e uma sinergia muito forte entre a cidade e a Universidade. Hoje em dia a Covilhã é uma cidade universitária, sem deixar de ser uma cidade industrial e uma cidade turística, o que fortalece e beneficia a Universidade.

U@O: Ao longo destes 20 anos, muito se tem falado de medidas de dinamização e desenvolvimento do Interior. O que é que, efetivamente, é preciso fazer para que o Interior seja considerado e atrativo para se viver, para se trabalhar ou para se estudar por cá?

AF: Penso que é preciso continuar a apostar nas cidades de média dimensão que temos aqui no Interior. Há uma forte tendência urbana em todo o mundo e um abandono das áreas rurais e uma procura dos meios urbanos. Agora, temos também os desafios que as áreas urbanas colocam, como a densidade muito grande ou os problemas ao nível do trânsito. E, hoje em dia, as cidades de média dimensão ou de pequena dimensão como a Covilhã são uma alternativa aos constrangimentos que enfrentam as metrópoles. Portanto, é necessário que as pessoas tenham acesso aos melhores cuidados de saúde e à educação, que são as áreas onde é necessário investir mais. Há também infraestruturas que nós não podemos ter, como um aeroporto, e hoje em dia para o desenvolvimento de uma universidade é importante, mas também temos que nos diferenciar. Há as universidades dos grandes centros urbanos e as universidades de pequenos centros e temos de nos afirmar pela diferenciação. Aqui nós temos um ambiente muito diferente do ambiente universitário de Lisboa, que pode ser mais cosmopolita mas um jovem em Lisboa nunca terá a intensidade académica que tem numa pequena cidade como a Covilhã. Falo do ambiente de “aquário académico”, onde o jovem pode respirar a universidade as 24 horas do dia, sete dias por semana. Eu acho que foi muito importante na Universidade termos as bibliotecas abertas em permanência e penso que nesse aspeto há um grande futuro nestas universidades que investem numa intensidade académica muito grande, porque os jovens dos grandes centros poderão ser atraídos por estes microclimas e fazerem aqui a sua formação. É isso que acontece nos Estados Unidos, onde os jovens durante quatro anos estão num ambiente em que vivem completamente imersos dentro do “college” e penso que as experiências mais próximas que pode haver aqui na Europa serão as pequenas cidades universitárias.


*Reitor da UBI e primeiro diretor do Urbi et Orbi