Uma economia para o Interior
Nas duas últimas décadas o país mudou drasticamente.
Entre outras coisas, o crescimento económico trouxe estradas
e auto-estradas, numa malha cada vez mais densa. Além
da melhoria da proverbial ligação Lisboa-Porto,
as ligações com o interior sofreram também
um salto positivo, quiçá ainda maior em termos
relativos. Paralelamente à melhoria de comunicações
viveu-se e vive-se uma queda radical da importância da
agricultura, uma fortíssima migração para
as cidades do litoral e a assustadora desertificação
do interior. Na ordem do dia estão imagens de escolas
primárias com a morte anunciada, em que se senta um único
aluno; aldeias milenárias de populações
envelhecidas; campos ao abandono. Não há dúvida
que Portugal se transforma rapidamente numa faixa urbana contínua
de Braga a Setúbal, onde se concentram cada vez maiores
parcelas das gentes e da produção. O país
torna-se uma cidade à beira-mar plantada, bordejada por
um jardim interior, progressivamente desabitado. A pergunta que
se põe é: o que arrasta este movimento para o litoral,
se ele vai continuar e quais as opções para o interior?
A ciência económica,
de costas voltadas para a geografia, sempre teve problemas em
lidar com questões de espaço. Os modelos de crescimento
económico constroem-se à volta do conceito de tempo
e de investimento, mas ignoram quase sempre a distribuição
da produção no espaço. Em comércio
internacional estudam-se os movimentos de bens entre nações
ou regiões, mas assume-se tipicamente imobilidade de factores
e inexistência de custos de transporte. A realidade é
diferente. As economias contrastam pela distribuição
desigual de pessoas, empresas e produção: as cidades
existem e crescem; os "clusters" industriais funcionam,
do carvão do Ruhr à aglomeração multimédia
de Silicon Valley; regiões de um mesmíssimo país
experimentam destinos económicos desiguais. Recentemente,
a ciência económica enfrentou a questão do
produto no espaço. Inesperadamente, encontrou respostas.
A primeira grande intuição
é que a concentração industrial e urbana
é tanto maior quanto menores os custos de transporte e
maiores as economias de escala. O baixo custo de transporte exacerba
a concentração litorânea: é mais barato
produzir num local e transportar a baixos custos de que produzir
em vários locais. Com economias de escala na produção,
devido por exemplo à presença de custos fixos,
as empresas procuram localizar-se próximo dos mercados
já estabelecidos e com dimensão mínima.
Em Portugal, o litoral está em vantagem. Por fim, a própria
concentração de actividade atrai mais gente ao
litoral, aumentando esse mercado no mesmo movimento em que esvazia
os mercados interiores. A realidade é dura mas clara:
as estradas que trouxeram o progresso ao interior levaram as
pessoas para o litoral. Até as economias externas à
empresa, as vantagens de um meio denso em transacções
de bens e ideias entre pessoas, reforça a vantagem da
faixa costeira. Por fim a política. Como demonstram vários
trabalhos empíricos, as populações acedem
às cidades para beneficiar de exposição
política e acesso ao poder. Quanto menos participativo
e democrático o processo político, maiores os centros
urbanos, em particular as capitais. Se a influência política
lhes escapa quanto maior a distância ao centro de poder,
os cidadãos buscam-na pelos seus pés.
Que opções restam
ao interior de Portugal? Que políticas fazem sentido?
Bem, nem todas as notícias da "dismal science"
são más. Antes de mais é possível
que, com uma ainda maior queda nos custos de transporte e comunicação,
o processo se reverta e a actividade se desconcentre. Várias
empresas de primeira linha saem de Nova Iorque e Los Angeles
para subúrbios a uma e mais horas de distância que
oferecem melhores condições de vida e de trabalho.
Se tomarmos Lisboa e Porto como as aglomerações
centrais portuguesas, uma considerável parte do país
encontra-se nesse raio de 1-2 horas de distância. E, com
boas comunicações, praticamente todo o país
fica a menos de duas horas da costa, isto é, da faixa
urbana dominante. Por outro lado, existem produtos e serviços
com futuro que vivem precisamente da necessidade pessoal de "deslocalização".
É o habitante da grande cidade que sonha com os fins de
semana de "evasão", longe do bulício,
que valoriza cada vez mais os produtos tradicionais - queijos,
vinhos, etc. - elaborados segundo métodos herdados dos
"nossos avós". A estratégia para o Portugal
interior desenha-se simplesmente. Valorizar os produtos e serviços
locais, que não dependem de economias de escala e beneficiam
- em prestígio, imagem e valor - precisamente da pequena
escala. Não deixar de exigir melhores transportes e comunicações:
uma estrada acaba sempre por ser usada nas duas direcções.
E por fim, mais participação e democracia para
decisões mais próximas das populações
e dos seus interesses. Ou seja, carácter local, nas gentes
e nas coisas, mais e melhores estradas e bem melhor democracia.
*University of California at Los Angeles |