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Ribeiras à espera de decisões
POR RODOLFO SILVA

Viver ou trabalhar junto a uma das ribeiras que atravessam a cidade da Covilhã não é propriamente um exemplo de qualidade de vida. A espuma, a cor que pouco tem a ver com o cristalino, e o intenso mau cheiro, fazem parte do quotidiano de muitas pessoas. Um projecto de despoluição das ribeiras da Goldra e Carpinteira começa agora a tomar forma, recebendo impulso decisivo com o anúncio de que o seu financiamento está consignado no programa Polis. Salvar as ribeiras e reconciliar a cidade com os seus cursos de água pode ser decisivo para o futuro da qualidade de vida dos covilhanenses.

Ter constantemente dois esgotos a céu aberto como paisagem, não deixa de ser uma situação grave para os ecossistemas, bem como para a população. Esta situação, potenciada pelo grande número de fábricas têxteis que laboravam na zona das ribeiras da Carpinteira e Goldra, continuou a verificar-se mesmo após o fecho de algumas delas ou da sua transferência para outros locais.
Uma vez que estas duas ribeiras são dois dos principais afluentes do rio Zêzere, o problema atinge proporções ainda mais graves, perante a falta de recursos hidrológicos, quer para uso doméstico, quer para a agricultura. Como refere Telma Madaleno, presidente do Núcleo da Quercus da Cova da Beira, "esta situação preocupa bastante porque não só a Goldra e a Carpinteira são dois focos de poluição do Zêzere, como também fazem parte da história da Covilhã, estando mesmo representadas no brasão da cidade".
O problema não reside apenas na poluição industrial. "As indústrias da nossa zona são um grande foco poluidor, mas a questão também se coloca ao nível dos esgotos domésticos. Se não houver ETAR's (Estação de Tratamento de Águas Residuais) para resolver toda esta poluição, a situação vai manter-se.", reforça a representante da Quercus.

As ribeiras não são só água

Este delapidar da qualidade da água, levanta evidentes preocupações em relação a toda a vida envolvente às ribeiras. Para Telma Madaleno "as ribeiras não são só água. É preciso que se dê alguma atenção às margens, para que tudo se resolva de uma forma perfeita. Elas atravessam o meio urbano, com claros prejuízos para a qualidade de vida. As árvores, por exemplo, são um dos últimos refúgios para a fauna ribeirinha. Não sobrevivendo, é toda uma cadeia que se perde."
Em relação ao Zêzere, "durante o verão, recebemos inúmeras queixas de peixes mortos. Para além disto, este rio era um ponto de lazer, onde a população se encontrava para passear e tomar banho. Esta simbiose perdeu-se", sublinha a dirigente local da associação ambiental.

Problema não é só das indústrias

A culpa não é só das fábricas situadas nas margens da Goldrã e da Carpinteira. "Os resíduos domésticos são lançados directamente nos caudais sem tratamento", afirma Telma Madaleno, que acrescenta, "entendo que algumas indústrias, por falta de apoio financeiro, não consigam resolver o problema, mas há outras que o poderiam fazer. As autoridades pactuam com a situação e há um caso em que os despejos industriais não vão directamente para o caudal, mas para o sistema de esgotos, camuflando a situação, e sendo mais tarde reconduzidos para a ribeira."

Câmara com projecto

Na Câmara Municipal da Covilhã o processo despoluição das ribeiras ainda está numa fase embrionária. Um estudo de Fevereiro deste ano intitulado "Requalificação do Património Histórico e Industrial e Recuperação Urbana/paisagística das Ribeiras da Cidade da Covilhã", é a primeira fase de um projecto que pretende limpar as ribeiras da Goldrã, Carpinteira e Flandres, onde desaguam as duas primeiras, e a da Água Alta, que vai directamente para o Zêzere. A base deste projecto é um estudo realizado pela Universidade da Beira Interior à algum tempo atrás, mas que só contemplava a Carpinteira e a Goldra. "Até agora apenas foi feito um levantamento fotográfico das áreas mais sensíveis dos leitos e caudais", refere Filipa Fonseca, engenheira do ambiente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS).
O projecto prevê o tratamento das ribeiras a todos os níveis dos quatro cursos de água. "O principal será a construção de emissários dos esgotos domésticos e industriais que são descarregados actualmente nas ribeiras, conduzindo-os à futura ETAR. Também será feita uma limpeza dos leitos que contêm plásticos, sucatas, pneus e outro tipo de lixo". Para além disto os promotores do projecto pretendem devolver as ribeiras à comunidade. "É nossa intenção recuperar os pontões e percursos pedestres, criar zonas de lazer nas margens e desenvolver um programa de requalificação do património histórico e industrial ao longo das ribeiras. Isto pode passar, por exemplo, pela aquisição de uma fábrica, conferindo-lhe um papel mais cultural", afirma a engenheira dos SMAS.
Datas precisas ainda ninguém consegue avançar. "O próximo passo será definir os diâmetros e tipos de emissários que vão ser instalados, 13 km no total." Afirma Filipa Fonseca.

Fiscalização cabe ao Ministério

Questionada sobre a quem devem ser assacadas as responsabilidades pelo actual estado das ribeiras covilhanenses, a engenheira dos SMAS ouvida pelo URBI @ ORBI, aponta o Ministério do Ambiente como responsável. "A câmara não tem autorização para fazer essa fiscalização. No entanto há algumas fábricas que aderiram a programas para tratar os seus resíduos".

Ribeiras da Covilhã no Programa Polis

Num programa apresentado pelo Governo no Cacém, na última sexta-feira, que pretende requalificar o espaço urbano de várias cidades portuguesas, a despoluição da Goldra e da Carpinteira foram contempladas no projecto, e deverão ser alvo de fortes investimentos no seu âmbito.
O Programa Polis, que disponibilizará 160 milhões de contos vindos do III Quadro Comunitário de Apoio, a distribuir por várias cidades do País, poderá ser a solução que falta para resolver o problema covilhanense.
A Covilhã está incluída na terceira fase do projecto, com intenção de abranger cidades com zonas industriais deprimidas, valorizar frentes de mar, zonas ribeirinhas, e património histórico, privilegiando cidades do interior ou raianas com potencial para serem pólos de desenvolvimento regional.
Numa altura em que os recursos hídricos são cada vez mais escassos, e as populações se vêem cada vez mais na contingência da seca, a questão já entrou pelo menos na agenda política do dia. Devolver as ribeiras à cidade da Covilhã, e reconciliá-la com as águas - situação única neste eixo do Interior, já que nem a Guarda nem Castelo Branco são atravessadas por nascentes de peso significativo, poderá ser a renovação mais significativa que a cidade conheceu nos últimos anos. É que salvar dois cursos de água, hoje condenados logo à saída da nascente, é um projecto com potencial para mudar definitivamente a qualidade de vida e a forma de habitar na Covilhã.

 

 

 
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