Já
toda a gente viu quadros de Escher, falar da obra deste autor
parece despropositado e até 'demodé'. Seja.
Acontece é que a obra deste holandês pacato revela-nos
um pouco do grande mistério universal em que nos meteram,
ou pelos menos mostra o modo como os humanos entendem esse grande
desconhecido.
A obra de Escher relaciona-se, se bem que só a partir
de uma certa maturidade do homem e do artista (e não são
a mesma coisa?), com a matemática e a geometria. Ou melhor,
parte destas ciências e descobre mundos fantásticos,
tão fantásticos que os hippies supunham-no um consumidor
de ácidos (!) e no entanto tão verosímeis
e matematicamente correctos quanto é possível numa
ciência 'exacta'. Assim, os objectos 'absurdos' e as paisagens
'irreais' são na realidade projecções artísticas
de base científica rigorosa.
No exemplo apresentado, 'Queda de Água', um estranho e
(logo) belo moinho de água bule com os nossos sentidos:
então mas a água sobe ou desce?! Os nossos olhos
dizem-nos que sobe porque 'cai' lá de 'cima', mas um olhar
atento aos tijolos que ladeiam o percurso da água sugerem
que esta está cada vez mais para 'baixo'. Eis a nova percepção
do 'rigor' matemático que surge no séc. XX, nas
mãos dum 'simples' desenhador. Tudo isto num cenário
ao mesmo tempo verosímil e familiar (as casas do sul de
Itália, tão queridas ao pintor, e a senhora que
pendura a roupa num gesto rotineiro) e fantástico, com
um jardim puramente imaginado.
Tudo isto leva a pensar na relação existente entre
as ciências exactas (ou não-tão-exactas-assim)
e as artes - as linguagens universais por excelência fundem-se
num esperanto visual apelativo e 'verdadeiro' ao criar, utilizando
a impressão ou raspagem e o rigor matemático, o
espanto na pessoa que admira a obra, um assombro semelhante ao
do humano pré-histórico perante o fogo.
Assim temos um Xamã reservado e meticuloso que, ao sabor
do gosto ocidental do século XX, cria imagens de sonho
(uma admiradora acreditava à força que, em determinado
quadro, Escher 'queria' representar a reencarnação)
com base em conceitos não só palpáveis como
rigorosos.
Por outro lado, e como que a negar tudo isto, o autor mostra
como é falacioso o julgamento dos nossos sentidos, pondo
à prova não a verdade científica mas aquilo
que concebemos como tal.
Conclusão: revele-nos a sua obra um pouco do mistério
do universo ou apenas a nossa visão neste canto da via
láctea, Escher tem a glória de tornar interessante
a matemática (a um nível) e de nos desafiar a desconfiar
das nossas certezas. |