Quando acreditar
era sinónimo de sofrer
POR PEDRO JESUS
O 25 de Abril foi obviamente
sentido com um maior entusiasmo por todos aqueles que anteriormente
já haviam sido vítimas dos órgãos
repressivos do antigo regime. A cidade da Covilhã alberga
histórias de cidadãos a quem foram inflingidas
torturas físicas e psicológicas para calar aqueles
que ousavam expressar as suas mais profundas convicções.
As vivências de José
António Pinho são exemplo desta situação:
assumiu-se como antifascista aos 18 anos e foi detido pela primeira
vez no ano de 1959, repetindo-se a situação no
ano seguinte. Quando cumpria o serviço militar em código
disciplinar em Penamacor, acabou por participar numa "grande
manifestação contra o regime", o que deu origem
a processo contra si e uma pena a ser cumprida no Forte de Évora.
Como é de esperar, José António Pinho recebeu
o 25 de Abril de braços abertos: "Senti-me completamente
realizado e feliz. Já podia fazer planos e andar tranquilo,
sem temer por uma nova detenção".
Após a revolução do 25 de Abril, e mais
uma vez abraçando as suas convicções, fez
parte da Comissão de Extinção da PIDE e
DGS, consistindo o seu trabalho em descobrir os informadores
destas forças policiais residentes nos distritos da Guarda
e Castelo Branco.
Organizou o processo de 12 a 15 informadores e fez os relatórios
das suas actividades. "Como a maior parte destes informadores
confessou as suas ligações à PIDE, não
houve quaisquer complicações. Registou-se apenas
o caso de um indivíduo que não confessou as suas
actividades e por isso foi levado para o Forte de Caxias",
explicou.
Prisão e tortura
Também Francisco Prata
Fortuna foi preso no ano de 1963 devido ao facto de ser militante
do PCP, e por participar activamente numa série de actividades
que passavam pela distribuição de jornais clandestinos,
pela inscrição de mensagens de cariz antifascista
nas paredes, e pela destruição de propaganda governamental.
Tornou-se em mais uma vítima dos conhecidos métodos
dissuasivos das forças policiais do antigo regime: "Quando
fui chamado pela PIDE, ia convicto que diria o mínimo
possível, mas depois de muitos murros e pontapés,
confessei que recebia e distribuía o jornal Avante. Eles
queriam saber sempre mais, e quando não confessávamos
o que queriam, diziam-nos que os nossos camaradas já tinham
confessado tudo. Era isto e darem-nos murros e pontapés
e mandarem-nos contra as paredes; e quando nos levantavam do
chão era para nos baterem novamente".
Foi ainda submetido à chamada 'tortura do sono' durante
sete dias e oito noites: "Isolaram-me, e como estava incomunicável,
diziam-me que já sabiam de tudo e que só faltava
ouvir da minha boca a confissão. Colocavam-nos num quarto
acompanhados de um funcionário da PIDE que nos fazia perguntas
para testar o nosso nível de consciência, já
que com a impossibilidade de dormir, íamos ficando confusos
à medida que o tempo avançava".
Espiões e delatores
Na Covilhã é ainda
bem lembrado o caso de Carlos Vitória, que terá
sido um informador da PIDE infiltrado num grupo de covilhanenses
que partilhavam os mesmos ideais antifascistas. Vitória
era presença assídua nas reuniões do MDP,
Movimento Democrático Português, e a sua ligação
à PIDE foi descoberta através de um relatório
em que descrevia pormenorizadamente os assuntos tratados numa
reunião clandestina à qual se tinham dirigido cinco
pessoas saídas da Covilhã.
No relatório, quatro pessoas estavam identificadas pelo
nome, enquanto o quinto era mencionado como 'eu'. Da descoberta
destes dados até ao "cair da máscara"
foi um pequeno passo, acabando o visado por abandonar a cidade
da Covilhã.
Para o fim fica o apelo de José Maria Cardona: "Nunca
deixem cair o 25 de Abril no esquecimento. Ler e falar sobre
a data é um gesto simples mas cheio de significado para
quem viveu os acontecimentos". Entendido.
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