IP2 - O que quer dizer consulta
pública?
Sem dúvida que há projectos que tardaram em Portugal,
sendo os do Regadio da Cova da Beira e o do traçado do
IP2 exemplos paradigmáticos. E não foi por acaso.
Com efeito a lógica que perdurou até hoje nas decisões
de todos os governos foi a do custo-benefício a curto
prazo, ou seja, é sempre preferível gastar uns
milhões de contos onde há uns milhões de
votos (digo, indivíduos) do que onde apenas há
alguns milhares de seres humanos.
Alguns trabalhos de pesquisa realizados com alunos finalistas
de Economia da UBI entre 1998-2000, aumentaram o meu interesse
pela avaliação de medidas e contribuíram
para a formação de uma opinião pública
mais qualificada, como se pretende com a Universidade. Os estudos
dos dois casos acima referidos, bem como um estudo sobre a aplicação
dos Fundos Estruturais na Região Centro, deram indícios
claros de que a lógica do benefício de curto prazo
prevaleceu sempre sobre uma estratégia de desenvolvimento
para as pessoas que habitam nas zonas deste Interior complexo.
É minha intenção colocar neste forum, a
problemática da famigerada construção do
IP2 na região da Cova da Beira.
1. Começaria por fazer notar que os atrasos sucessivos
exigem reflexões acrescidas e eventuais mudanças
de opinião através dos tempos. Se imaginássemos
que a sua construção já tinha sido realizada,
a actual variante teria sido, eventualmente, a melhor localização.
Teria contido a cidade,obrigando-a a ordenar-se ao longo do famigerado
eixo T-C-T e separando claramente a área urbana da grande
cidade compacta, da paisagem rural e ambiental maravilhosa, verde
e ainda produtiva da Cova da Beira. Mas nada disso aconteceu.
Quis o pelouro de urbanismo da cidade da Covilhã que o
PDM não fosse aprovado, deixando crescer a cidade de forma
difusa, um pouco ao sabor dos gostos e vontades dos que detinham
terrenos mais afastados do centro, que dessa forma os valorizaram
com edificações "âncora" fazendo
subir os preços de todos os outros terrenos em volta.
Os argumentos utilizados defendiam que, sem regras rígidas,
as coisas compunham-se. Recordo então quatro monstruosidades
concebidas à luz desta filosofia: a muralha de prédios
da Rua José Ramalho (conhecida por Calçada Alta);
o pinoco de Santo António (ainda hoje embargado sem qualquer
função que não seja a de aumentar a poluição
visual); a entrada da cidade da Covilhã, com a completa
miscelânea de funções (Hotel Turismo pretensamente
quase de luxo, hipermercados, prédios residenciais, vivendas,
concessionários de automóveis, de móveis
e bombas de gasolina todas no sentido descendente) e finalmente,
sim, a localização do Hospital da Cova da Beira.
Com todas estas razões, é obvio que ninguém
ousa defender hoje, a passagem do IP2 por essa artéria.
É uma artéria de circulação periférica
urbana.
2. Como o centro antigo da cidade foi sendo sucessivamente ocupado
pelas actividades correlacionadas com a nova actividade económica
(a Universidade), a cidade foi descendo na encosta, procurando
a classe economicamente mais abastada o seu "paraíso"
no Covelo e no Belo Zêzere. Está lançado
o segundo "round" que dá oportunidade a muitas
outras quintinhas e pequenos lotes florescerem em torno da variante,
abandonando-se a ideia de eixo estruturante que se propunha ser
o T-C-T. O centro da cidade fica reservado para quem não
se pode movimentar autonomamente, para os estudantes, para alguma
restauração que emergiu um pouco por todo o lado
como almofada do desemprego dos lanifícios e...obviamente,
para os automóveis daqueles que, morando fora se têm
que deslocar para a cidade pelos seus meios, dado péssimo
serviço de transportes públicos que ainda se mantem.
Estrangula-se o comércio tradicional e abre-se a oportunidade
para os grandes parques de estacionamento que são os hipermercados
Monteverde, Modelo e Lidl. Ficámos assim com um centro
histórico descaracterizado e a cidade "nova"
completamente desorganizada, sem áreas verdes, sem estacionamentos
e ruas confusas. Está assim cometido o segundo pecado
mortal urbano, estrangulando-se o T-C-T na zona entre o Inatel
e o cruzamento para a Boidobra.
3. Como entretanto o IP2 não vinha (ou não convinha?...)
inicia-se a fase de fazer passar para a opinião pública
a evidência de que o IP2 tinha que ir muito para baixo,
para não inviabilizar o crescimento da cidade! Como decorreu
muito tempo, este argumento passa a colher apoiantes, sobretudo
porque não se pode construir em cima do novo Hospital.
Está assim garantido que o IP2, a fazer-se, terá
que passar pelo vale do Zêzere. Sem mais. Ninguém
discute no entanto se a cidade vai crescer assim tanto, julgando-se
que a UBI não tem fim de expansão à vista.
4. A desastrosa política agrícola seguida quase
que dava cabo de toda a vasta e fértil região agrícola,
outrora um celeiro e ainda hoje produtora dos mais saborosos
frutos, vinhos, legumes, tubérculos e azeite. Naturalmente
irrigada pelo Zêzere e potencial reservatório dos
caudais do Regadio, a Cova da Beira apenas precisa de ordenamento
e iniciativas agrobiologicamente inovadoras para se erguer como
uma das regiões agrícolas mais modernas, sustentáveis
e qualificadas do país. Uma região demarcada que
pode competir internacionalmente, criando novas formas de trabalho
e de riqueza, não desprezíveis na elevação
do nível de vida das populações locais.
Uma região que, pela sua localização privilegiada,
pode ainda constituir-se como um excelente exemplo de ordenamento
ambientalmente sustentável e como tal, não passível
de ser destruído pela vontade expansionista de uns quantos
que julgam que a Covilhã vai ter 500.000 habitantes!
Feita esta breve sinopse de enquadramento,
vamos então ao IP2.
Mandam as regras de qualquer discussão pública,
que os estudos de impacto de uma proposta de traçado de
estrada contenham pelo menos duas hipóteses alternativas.
O IP2 começou por ter 4 hipóteses de traçado
que foram sendo progressivamente reduzidas, num processo sujeito
a todos os tipos de jogos de informação e pressão
política, sendo finalmente colocada em discussão
pública uma única proposta! Com o argumento de
que já se perdeu muito tempo e não se pode continuar
neste vaivém de opiniões e estudos. À boa
maneira portuguesa: primeiro não se faz a estrada porque
não existem estudos; depois não se faz a estrada
porque os estudos não apontam para o que alguns querem;
finalmente, sem estudos nem discussão, porque não
há tempo a perder. Entretanto e paulatinamente foram sendo
construídas todas as monstruosidades urbanas que acima
me referi!
Havia, como disse, 4 soluções
para este traçado Alcaria-Teixoso, que basicamente se
poderiam resumir às soluções números
2 e 4 mais próximas da actual Variante e às soluções
números 1 e 3, mais sobre o Vale do Zêzere, sendo
que a solução 3 se distancia mais da Covilhã
e atravessa o Vale no sentido poente-nascente.
Em 16 de Julho de 1998, a posição do Ministério
do Ambiente era favorável à solução
4 (quase em cima da actual variante) mas, face a pressões
de natureza política já abordadas no texto, abdicou
e passou a ser favorável à solução
3, embora com a exigência de nova avaliação
de impacto ambiental e impondo algumas restrições
(que no essencial inviabilizavam a própria solução
3). No parecer da Comissão de Avaliação
do Estudo de Impacte Ambiental pode ler-se um parágrafo
que coloca a questão essencial: "A abertura de uma
nova estrada com a dimensão pretendida no outro lado do
vale do Zêzere, induziria a prazo, alteração
de funções, usos e valores existentes no vale,
sem uma vantagem nítida para se optar por abrir uma nova
área de expansão, quando se poderia utilizar uma
já existente" e mais adiante: "As dificuldades
que a nível local se sentirão [optando pela sol.
4] na qualidade de vida, tráfego, acessibilidades e mobilidade
local, serão maiores com a escolha da sol. 3, na medida
que, embora melhorando os fluxos locais, poderá trazer
um forte desequilíbrio no uso do solo de todo o rico vale
do Zêzere, deslocando para o seu interior níveis
de crescimento acentuado em várias áreas".
Com efeito é isto que está em causa: não
se pode ser adepto de uma solução sem estudar os
efeitos indirectos e futuros que uma nova estrada vai trazer,
nomeadamente a necessidade de construir nós de acesso
à cidade. E a luta começou, porque todos os presidentes
de Junta querem o seu nó. E aí vão aparecer
as rotundas e rotundinhas. O Teixoso quer, o Tortosendo também,
o Ferro e Peraboa porque não, enfim...
Em suma, enquanto estudioso preocupado
com as questões de ordenamento territorial, nomeadamente
da articulação dos espaços urbano e rural,
tenho hoje uma posição de "compromisso realista"
que aponta para a colagem de traçados de cada uma das
soluções, de forma a de alguma forma conter a expansão
urbana numa área mais do que suficiente e defender o potencial
ambiental, economica e socialmente riquíssimo do vale
do Zêzere. Entendo que o troço pode iniciar-se com
a parte comum da solução 1 e 3 e inflectir para
Norte, adoptando a solução 1 quando as duas soluções
se separam, até encontrar a solução comum
1, 2 e 4 entre o Teixoso e o Terlamonte, de forma a que este
pedaço de património arqueológico fique
integrado na zona a preservar a nascente da estrada e não
na área de expansão urbana.
Basta de ideias expansionistas. Não é a nova estrada
que vai impedir a Covilhã de crescer. A Covilhã
talvez não cresça mais em resultado das ideias
( ? ) de planeamento que até hoje têm sido dominantes.
Não nos esqueçamos que a Covilhã viu decrescer
a sua população residente (0,4% de 1981-91) e que
mesmo que se iniciasse um forte processo de crescimento demográfico
e de fixação de população, a área
urbana resultante com esta solução, daria para
instalar 3 vezes a actual população de todo o concelho!!!
E com áreas verdes e ordenamento urbano que é o
que actualmente actualmente não existe.
Uma estrada como o IP2 é um "bem económico"
precioso para melhorar as acessibilidades. É um bem e
muito caro logo, o proveito que dele se tirar deverá ser
o máximo possível.
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