Os utentes do serviço “Intercidades” da CP ainda não estão totalmente habituados às novas composições. Desde o início do mês que as composições de carruagens e máquina deixaram de circular sobre os carris e os passageiros fazem agora a viagem de ligação à capital numa automotora.
Para os membros da empresa, a troca acaba por se justificar devido “aos menores custos associados às viagens” e também uma adequação da automotora a este tipo de linha, onde os comboios não podem circular acima dos 120 km/h.
Razão que não ganhar consenso entre os viajantes, mas também não reúnem a unanimidade entre os conhecedores destas temática, nomeadamente  os docentes da UBI, Jorge Reis Silva, especialista em economia e gestão de transportes e Carlos Cabrita, especialista em máquinas elétricas. Pontos de vista que acabam por trazer algumas visões diferentes a este debate.
No entender de Reis Silva, “a infraestrutura ferroviária, nesta região, está cerceada das suas verdadeiras potencialidades”. O docente do Departamento de Ciências Aeroespaciais começa por sublinhar que o problema da linha férrea não ficou resolvido apenas pela sua eletrificação. Um dos problemas basilares deste estudioso em redes de transportes, é que, neste momento, “aquilo que acontece é que não temos aqui uma ligação, ou seja, o fecho de uma rede. Nós somos apenas uma ponta de uma linha e para que haja atratividade para esse local é necessário que exista procura, clientes e condições para utilizar isso”. Reis Silva refere assim que o projeto deveria ser mais vasto e contemplar a eletrificação desta linha até à Guarda, passo que seria confirmado com um serviço de diferente qualidade. Para o docente, um outro ponto essencial a ter em conta nesta discussão “é o da qualidade dos veículos que circulam sobre a linha. O cerne de toda esta questão está no facto de todo o transporte ferroviário ter sido sucessivamente abandonado”, reitera.
Já Carlos Cabrita é da opinião de que “a atual escolha é a mais racional”. Este ex-ferroviário, e especialista na matéria diz mesmo que “esta foi uma das mais importantes decisões da CP, nomeadamente em termos de custos de aquisição, custos de exploração, fiabilidade e disponibilidade operacional”. Cabrita lembra que “as automotoras remodeladas não são, de forma alguma, comboios do passado (ou “recauchutados”) como tem vindo a ser afirmado de forma gratuita sem conhecimento de causa”. Para cimentar esta opinião, o docente exemplifica com “as locomotivas suíças ‘crocodilo’, assim designadas devido ao seu aspeto, circularam entre 1920 e 1982; as locomotivas francesas da série CoCo7100 tiveram um ciclo de vida que se iniciou em 1952 e terminou em 2001, algumas cumpriram cerca de 8 milhões de quilómetros, e uma outra estabeleceu um recorde absoluto de velocidade em 28 de Março de 1955, com 331 km/h, marca que se manteve até 4 de Setembro de 2006”. O docente do Departamento de Engenharia Eletromecânica lembra também que “por imperativos de ordem económica, muitas redes ferroviárias estão já a adotar unidades múltiplas elétricas para transporte de passageiros, evitando-se assim o peso morto das locomotivas – basta olhar para os pendulares, TGVs e AGVs, nos quais as automotoras são aproveitadas também para o transporte (nas composições de alta velocidade japoneses todos os seus veículos são automotoras)”.
Contudo, essa é uma das principais reivindicações dos utentes. Se antes da troca das carruagens por automotoras, uma viagem no serviço “Intercidades” estava entre os 18.5 e os 24 euros, depois da mudança para este tipo de veículos, o preço não sofreu alterações, dizem os utentes. A este pontos muitos acrescentam que outras das melhorias avançadas pela empresa de caminhos de ferro, aquando da eletrificação, não se verifica. Isto é, a CP afirma que a duração da viagem acaba por diminuir em cerca de 15 minutos. Um dado que parece ser apenas uma “intenção”, uma vez que as ligações, na maior parte das vezes demora o mesmo.
Reis Silva diz ao Urbi que “o desinvestimento relativamente a esta situação tem vindo a ser a marca de atuação dos responsáveis. Este desinvestimento progressivo tem o seu reverso num investimento, cada vez maior, no modo rodoviário. Uma aposta que vai parar no dia em que se perceber que o transporte rodoviário tem todo o monopólio desta área e que já não necessita de fazer frente a nada”.
A solução para esta problemática parece então residir num ponto fundamental, o da eletrificação da linha até à Guarda. O especialista em redes de transportes lembra que esta não é uma linha alternativa à Beira Alta. Isto porque, explica Reis Silva, “não há qualquer tipo de ligação ou transporte de mercadorias entre a Guarda, servida pela Linha da Beira Alta e a Covilhã, já na Linha da Beira Baixa, nem penso que vá existir isso nos próximos tempos. Uma questão que ganhou ainda mais relevo com a eletrificação da Linha da Beira Baixa apenas até à Covilhã. A meu ver, a intervenção deveria ter seguido até à Guarda”. Carlos Cabrita concorda plenamente com esta posição e apresenta o seu poio incondicional à mesma, “no sentido de fechar o anel ferroviário com a Linha da Beira Alta, constituindo-se assim um corredor ferroviário estratégico sobretudo para o tráfego de mercadorias com Espanha, assim como para o desenvolvimento das tão desprezadas regiões do interior”.