Dois investigadores do Departamento de Física da UBI, António Tomé e Sandra Mogo, juntamente com vários colegas do laboratório Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação em Ciências e Tecnologias do Ambiente e do Espaço da Universidade de Lisboa (SIM), integram a equipa do projecto “Cloud”. Uma experiência que foi concebida para estudar o efeito dos raios cósmicos sobre a formação de aerossóis atmosféricos e que decorre no Cern, laboratório europeu de estudo da Física de partículas localizado entre a França e a Suíça. Os primeiros resultados e algumas explicações técnicas desta investigação deram agora origem a um artigo intitulado “Role of sulphuric acid, ammonia and galactic cosmic rays in atmospheric aerosol nucleation”, publicado na Nature, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo.
Um trabalho realizado por cientistas de diversas instituições que pretende compreender o processo de formação de aerossóis. Um ponto importante para a compreensão da qualidade do ar, do clima e sua evolução, através do mecanismo aerossóis-formação de nuvens. António Tomé, docente do Departamento de Física da UBI e um dos autores do artigo começa por explicar que “este tipo de trabalho está nesta fase ainda embrionária, associado às alterações climáticas de forma muito indirecta”. Para o investigador esta experiência poderá abrir portas “a um maior conhecimento sobre a formação das nuvens e dos aerossóis que lhes dão origem. Há que dizer que o sistema climático é um sistema não linear e mesmo que deste trabalho se conclua que o efeito dos raios cósmicos é gigantesco, esse efeito, colocado perante um modelo climático pode ter no final um sinal contrário ou ser bastante reduzido, tal como acontece com o CO2, por exemplo. Ninguém duvida que a concentração deste composto faz variar a temperatura, mas esse não é o seu único efeito. Daí que este projecto, directamente, não vá responder a todas as questões sobre as alterações climáticas mas indirectamente, com outras áreas de conhecimento em consonância será efectivamente mais um salto científico na obtenção de cenários climáticos”.
O Cloud é uma atmosfera criada numa câmara para se estudar o mecanismo de criação de partículas que servem de núcleos de condensação e o efeito dos raios cósmicos e da radiação ultravioleta e saber quais os gases responsáveis pelos mecanismos de formação de nuvens. A experiência CLOUD consiste numa câmara em que as condições atmosféricas podem ser simuladas com elevado rigor, e precisão, incluindo as concentrações de vapores. Um feixe de partículas do CERN PS (Proton Synchrotron beam) proporciona uma fonte artificial e ajustável de radiação cósmica. Os resultados agora publicados mostram que “os gases residuais usualmente utilizados em modelos para determinar a totalidade da formação de aerossóis na baixa troposfera explicam apenas uma pequena fracção da produção observada de aerossóis atmosféricos. Os resultados mostram ainda que a ionização dos raios cósmicos aumenta significativamente a formação de aerossóis”. Segundo os investigadores deste projecto, as medições precisas como as que o estudo apresenta são importantes para alcançar um entendimento quantitativo da formação de nuvens, algo que contribuirá para uma melhor avaliação dos efeitos das nuvens nos modelos climáticos.
Jasper Kirkby, responsável pela experiência, salientou na página oficial do Cloud que, “se descobriu que os raios cósmicos melhoram significativamente a formação de partículas de aerossóis na troposfera média e superior. Estes aerossóis podem eventualmente crescer para sementes de nuvens. No entanto, descobrimos que os vapores que se pensavam explicarem a totalidade de formação de aerossóis na baixa atmosfera podem explicar apenas uma pequena fracção do observado - mesmo com o aumento associado ao efeito dos raios cósmicos”. Os aerossóis atmosféricos desempenham um papel importante no clima, uma vez que reflectem a luz solar e produzem gotículas de nuvem. Aerossóis adicionais seriam, portanto potenciadores da criação de mais nuvens e do prolongamento da sua vida útil. A presença de ácido sulfúrico e vapores de amónia são considerados importantes na formação das nuvens que se formam a partir do agrupamento de moléculas, mas não tem sido bem compreendido qual o mecanismo e a taxa pela qual eles formam aglomerados.
Os resultados do CLOUD mostram que, a poucos quilómetros do solo, o ácido sulfúrico e vapor de água podem formar aglomerados rapidamente, e que os raios cósmicos aumentam dez vezes ou mais a taxa de formação. No entanto, na camada mais baixa da atmosfera, dentro de aproximadamente um quilómetro da superfície da Terra, os resultados mostram que vapores adicionais, tais como vapores de amónia, são necessários. A equipa portuguesa, composta por investigadores da UBI e da Universidade de Lisboa, concebeu, implementou e actualiza continuamente o sistema de aquisição e armazenamento de dados. A experiência CLOUD utiliza mais de uma dezena de instrumentos para medições de diversas quantidades associadas a aerossóis, tendo a sua integração num sistema coerente e interligado de medições representado um desafio. A equipa portuguesa teve ainda uma participação muito activa no desenvolvimento do sistema de iluminação de UV (ultra violeta), por fibras ópticas, permitindo, não apenas um ambiente livre de contaminação por fontes espúrias de aerossóis, como acontece usualmente com esquemas tradicionais de iluminação de UV, mas também um melhor controle da temperatura da câmara. Os novos compromissos já assumidos pela equipa portuguesa, a trabalhar no Cern, que os investigadores da UBI integram, passam pelo desenvolvimento de nova instrumentação óptica a usar na câmara CLOUD e participação na modelação de potenciais efeitos para o clima. Tomé acrescenta que “desde a nova fase da investigação que o grupo de cientistas portugueses que estão envolvidos no projecto têm trabalhado de forma assinalável. Existiram uma série de condicionantes que foram ultrapassados e agora estamos a ir ao limite do que a tecnologia nos permite. Com isto devemos também reforçar o esforço e a capacidade de cientistas portugueses”.
Para o docente do Departamento de Física, “chegar à Nature não é fácil, o grande responsável pela publicação do nosso trabalho numa das mais prestigiadas revistas científicas de todo o mundo é precisamente o chefe da equipa do Cloud. Para publicar em revistas de elevado perfil, como a Nature, não é só a qualidade do trabalho que conta, existem muitos artigos com elevadíssima qualidade que chegam a estas revistas e não são publicados”, sublinha. As temáticas de que tratam, as técnicas e obviamente as conclusões ou dados que apresentam, e o impacto mais imediato que os mesmos possam produzir no seio académico, e também no grande público, são factores que estas revistas valorizam.