Urbi@Orbi: Como é que se sente ao ver a sua música ser tão bem recebida e ter tão boas críticas?
David Santos: Sinto-me feliz. E tenho a felicidade, ou infelicidade, de não ter uma editora por trás nem nunca ter tido uma máquina de promoção. Sinto que aquele sonho que tinha de um dia poder fazer música e tocá-la, as pessoas ouvirem, e ter uma casa cheia, com muito esforço e dedicação se concretizou. É um sentimento mesmo de orgulho grande, não por achar que faço coisas melhores que os outros, mas por ter conseguido concretizar o sonho quebrando com a teoria de que é preciso “cunhas” para vingar aqui e ali.
Urbi: Mesmo sem uma máquina de promoção, Noiserv recebeu grande apoio por parte da Antena 3, principalmente do Henrique Amaro e a sua Portugália…
D.S.: O Henrique Amaro, como eu o conheço, nunca passaria algo de que não gostasse. E, tal como ele, todas as pessoas que têm apoiado e que passam a minha música é porque realmente acreditam naquilo que eu faço, não porque houve qualquer tipo de promoção. E isso deixa-me feliz porque sei que quem gosta, gosta sinceramente.
Urbi: Grande parte desta boa recepção a Noiserv é devida ao multi-instrumentalismo, com instrumentos não tão típicos. Como surgiu essa ideia?
D.S.: Não foi algo que surgiu de um dia para o outro, foi-se construindo ao longo dos tempos. O primeiro EP que fiz era só voz e guitarra, quando tentei gravar um álbum quis pôr mais algumas coisas. Depois tive conhecimento da existência de um pedal [loop station] que permite ir gravando os sons, e eles ficarem a tocar enquanto tu podes sobrepor outros sons. A partir daí, começou por ser mais uma guitarra e um teclado, acabei por pôr mais um metalofone, mais um teclado… e tem sido assim um acumular de instrumentos. O facto de alguns instrumentos serem de crianças, ao darem sons não tão comuns como os outros, acabam por todos juntos preencher mais o espectro do som. Eu tento procurar instrumentos em que, quando experimento os sons todos que têm, há pelo menos um ou dois que me fascinam. E curiosamente têm sido os teclados pequeninos e os de criança dos anos 80 que têm os sons que eu gosto, e não os actuais, os digitais.
Urbi: É confuso ter de tocar em tantos instrumentos?
D.S.: Eu já estou habituado, já faz todo o sentido ser assim, como se fosse uma coisa matemática. É mesmo como se eu fosse vários músicos a tocar ao mesmo tempo, e consigo aproveitar cada momento de cada bocadinho do que estou a tocar. Ao princípio era mais complicado, “agora é este, agora é aquele”. Hoje em dia, como já toquei muito, é mais natural.
Urbi: O projecto tem tido a oportunidade de actuar no estrangeiro. Como tem sido a recepção nos países europeus onde tem tocado?
D.S.: Para felicidade minha, e um pouco à semelhança do que tem acontecido em Portugal, a recepção é muito boa. Tenho notado que a parte da originalidade e de, se calhar, as pessoas se identificarem com a música em si, acontece tanto cá como lá fora.
Urbi: E é um objectivo levar Noiserv lá fora, ou foi algo que veio por bónus?
D.S.: O objectivo é conseguir chegar ao maior número de pessoas, e isso inclui não só Portugal como todos os outros países. Agora, tenho a ideia de que se a pessoa é de Portugal tem de se focar mais no seu país, porque é aqui que tudo é mais fácil em termos de logística. As vezes que tenho ido lá fora, algumas por minha iniciativa, outras por convite, é sempre com a ideia de tentar globalizar o máximo possível a música, chegar ao maior número possível de pessoas diferentes.
Urbi: Os concertos de Noiserv têm uma grande componente audiovisual. De onde surgiu esta ideia de alguém por trás a fazer desenhos?
D.S.: A Diana [Mascarenhas], que é a pessoa que faz os desenhos, é minha prima, e tem mais ou menos a mesma idade que eu. Desde muito novo que sempre sonhei com a música, e ela sempre me falou da mesma forma mas em relação ao desenho. Em 2005, quando fiz o primeiro EP, precisava de uma capa e pedi-lhe para fazer um desenho. Sempre vi Noiserv como sendo um mundo à parte, em que os desenhos dela poderiam fazer o retrato do que seria esse mundo. Quando fiz o concerto de lançamento, tive a ideia de passar os desenhos para o vivo, e ela desenhar os cenários dos sítios onde eu estou a tocar e quase como levar as pessoas numa viagem. Como acontece muito na vida, começa com uma ideia muito simples e vai-se complicando ao longo dos anos.
Urbi: Esta componente audiovisual é cada vez mais comum no concerto de outros artistas. É algo que veio para ficar, os concertos apelarem a mais sentidos?
D.S.: Hoje em dia as pessoas preferem sentir as coisas de forma imediata, e se as coisas se tornam mais lentas dizem que não gostam, viram as costas e vão para outro lado. Mas eu nunca pensei, sendo uma pessoa sozinha em palco, como é que completaria o concerto para não ficar chato. Pelo contrário, pensei na música e no que visualmente seria bom para a música. Quando toco em espaços pequenos a projecção já não faz sentido, porque parece que abafa a música. Mas quando estou num sítio grande, em que a música abre muito, faz sentido que os desenhos acompanhem as pessoas. A música, à partida, já tem a sua identidade. Mas se conseguires ter, visualmente, algo especial, isso irá complementar a identidade da banda.
Urbi: No caso da identidade de Noiserv, está a pensar utilizar ainda mais instrumentos nas suas músicas?
D.S.: Eu tenho uma busca contínua por instrumentos novos, porque gosto muito de sons diferentes e novos. Se for necessário meter mais instrumentos para o som ficar diferente, aí terei que os pôr. Mas não vejo isso como uma meta a atingir pela parte cénica do espectáculo.
Urbi: Como é que se sente em relação à pirataria e aos downloads ilegais?
D.S.: Eu tenho uma ideia um bocado contrária à de toda a gente desta área. À partida, o download é prejudicial, pois um disco tem um preço de custo e esse disco está a ser usado de forma gratuita. Mas, a longo prazo, toda a visibilidade que podes vir a ter tem muito a ganhar com os downloads ilegais. A música é feita para ser ouvida, e os downloads ilegais permitem que as pessoas oiçam a tua música, mesmo não adorando. Há dez anos, se dissesse a um amigo “ouvi algo porreiro”, ele não ia a correr comprar o disco, tinha de esperar por um ou dois concertos para gostar e comprar. Hoje em dia, esse teu amigo vai sacar o disco de forma ilegal, ouve as músicas e gosta, vai aos concertos, convida outros amigos a ir aos concertos e pode acabar por comprar o disco. Se calhar, se não fosse o Myspace e a Internet, Noiserv não teria metade das pessoas. Acho que para as grandes editoras tem de haver uma reconstrução de como se vão fazer as coisas, mas a sociedade mudou e as pessoas têm de se adaptar.
Urbi: Como é que foi um projecto como Noiserv, com poucos anos de existência e ainda em expansão, ver-se ao lado de nomes como Camané e Adriana Calcanhotto na banda sonora do documentário “José & Pilar”?
D.S.: Não tenho assim muitas palavras para descrever. O Miguel [Gonçalves Mendes], que foi quem fez o filme, viu um concerto meu em Lisboa e depois no fim foi falar comigo, a perguntar se podia usar algumas das minhas músicas no filme. Logo aí fiquei… “claro que sim!”. Na altura o Saramago ainda era vivo, mas já se sabia que aquilo seria os registos da homenagem que, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer. E eu ter o privilégio de ter algumas músicas a acompanhar essa homenagem seria algo muito especial. Quando depois o Miguel me convidou a fazer músicas originais, e me disse que estava o Camané e a Adriana Calcanhotto e todas essas pessoas… é um pouco a realização do sonho. Embora seja importante, para não perder contacto com a realidade, tento ver que é apenas mais uma coisa.
Urbi: Para quando um segundo álbum?
D.S.: A minha ideia inicial era para ser no final deste ano mas já não vou conseguir. Tenho alguns rascunhos, mas ainda tenho tanto para fazer com o álbum anterior que será difícil fazer uma paragem para pensar no novo. Por isso a ideia é ser no próximo ano. Agora há aquela nova ideologia de fazer um disco numa semana e as pessoas estão sempre a editar discos. Eu acho que um disco é um pouco como um livro, a pessoa faz aquilo e a partir do momento em que edita não se pode arrepender de nada do que lá está. Tens de ter ali um período de um ano, um ano e meio de maturidade, tu próprio em relação à música, para fazer um arranjo, passado uma semana ouvir, não gostar e fazer outro. E só ao fim de um ano neste jogo com as músicas é que elas estão prontas para ficares satisfeito durante muitos anos com o resultado final.