Urbi@Orbi - Já sei que é fã de "Os soldados de Salamina". Quais são as suas referências no que toca a filmes, bem como argumentistas e realizadores?
João Tordo - Não são tão intensas como as de literatura. Vejo um bocado de tudo, especialmente cinema contemporâneo. Gosto do Sorkin (que escreveu o Social Network), gosto do David Fincher... Gosto de cinema britânico, do Mike Leigh sobretudo, mas também do Kubrick (que já morreu), da Antonia Bird, Danny Boyle...
Urbi@Orbi - Filosofia, guionismo, jornalismo e literatura... É apenas a escrita o que há de comum entre estas suas facetas?
João Tordo - Eu não faço Filosofia nem nunca fiz. Foi o que estudei na faculdade, foi uma boa estrutura para o que veio a seguir. Jornalismo também já faço muito pouco, a minha vida divide-se actualmente entre a literatura, que é a coisa mais importante, o guionismo quando há trabalho, e os workshops de escrita criativa que ensino regularmente. Sim, a escrita é o elo comum entre todas as coisas que faço, não foi propositado mas também não poderia ter sido de outra maneira uma vez que é o que de melhor sei fazer.
Urbi@Orbi - Numa entrevista ao jornal i disse que "grande parte das grandes conversas que tive na vida foram passadas em bares, com álcool" e que "beber tem uma certa sociabilidade e acho que os escritores portugueses, se bebessem um bocadinho mais, só tinham a beneficiar" - então o álcool afinal não é tão mau quanto dizem...
João Tordo - Nunca acredites no que os outros te dizem acerca das coisas; eu cá prefiro experimentá-las. Não sou um tipo muito moderado mas sei os meus limites, isto é, um copo a mais pode ser a fronteira entre uma ressaca paralisadora e um dia vagamente normal, de trabalho. Como o meu trabalho é o mais importante, normalmente limito o meu consumo de álcool ou então não consigo escrever.
Urbi@Orbi - Quando e como começou a escrever?
João Tordo - Não faço ideia. Na infância, na adolescência. Escrevi livros aos quadradinhos, contos, pequenas histórias. Na adolescência escrevi péssimos poemas e depois não escrevi nada até à idade adulta. Aos 25 ou 26 anos decidi (ou foi decidido por mim, não sei) que tinha acumulado alguma experiência de vida e que talvez pudesse escrever um romance. Depois de ter escrito o primeiro nunca mais consegui parar, transformou-se numa obsessão.
Urbi@Orbi - Tem alguma forma de inspiração e manias antes/durante/depois de escrever?
João Tordo - Não, a inspiração vem antes da escrita na forma de perguntas ou de algo que me intriga e para o qual procuro uma resposta, real ou ficcionada. É assim que começam os meus livros, alguém à procura de alguma coisa. Manias não tenho; talvez não revelar o conteúdo do livro a ninguém até estar pronto. Também guardo o título em segredo. Mas durante o acto de escrever não tenho nenhum tique em particular.
Urbi@Orbi - Porquê os livros narrados na 1ª pessoa?
João Tordo - Porque é a minha voz narrativa, aquela em que me sinto confortável. Também porque cria uma proximidade maior com o leitor e porque gosto da confusão entre realidade e ficção, de maneira que o leitor nunca saiba se o que está nas páginas reproduz de certa maneira coisas que me aconteceram ou não. É nessa fronteira ténue entre ficção e realidade que me situo.
Urbi@Orbi - Todos nós, quando escrevemos, temos em mente um destinatário. Quem é (ou são) o(s) seu(s) ?
João Tordo - Os meus leitores.
Urbi@Orbi - O realizador Frank Capra disse uma vez que a coisa mais importante num filme é o "guião, o guião e o guião.". Mas as pessoas raramente têm a percepção de que a escrita é a base de todos os filmes, programas e novelas que vêm. O que pensa disto?
João Tordo - Acho que as pessoas ainda têm a ideia de que, ao ver um filme, os actores improvisam os seus diálogos. Não existe uma noção muito concreta de que a estrutura, a história, os diálogos e as situações estão todas pensadas pelo argumentista muito antes de o realizador lá chegar, e que o filme já existia na cabeça de alguém antes de ser filmado. Mas os argumentistas, tal como os escritores, têm pouca importância para o grande público, que quer é ver as suas estrelas preferidas no ecrã. É bom que assim seja.
Urbi@Orbi - Disse que ambiciona ganhar dois prémios Nobel. Porquê?
João Tordo - Era uma brincadeira.
Urbi@Orbi - O que é escrever para si?
João Tordo - Muitas coisas: uma tentativa de compreender os outros sabendo, à partida, que é um elemento de mediação e que, de certa maneira, nunca os iremos compreender e que, ao fim de muito repensar, percebemos que não os compreendemos de todo. Talvez a vida seja isso mesmo: não compreender os outros. O que não quer dizer que não possamos fazer a nossa tentativa. Assim, escrevo para compreender os outros e, através deles, tentar compreender-me melhor a mim próprio, o que também acaba por não acontecer. Frustrante.
Urbi@Orbi - Que conselhos tem para quem queira começar a escrever?
João Tordo - Tenho só um: vive antes de tentares escrever. Um escritor sem "mundo" é como um carro sem motor, só tem carapaça. A vida é mais importante do que a escrita e só se pode escrever quando, de certa maneira, viver se transformou em "ter vivido".