Urbi@Orbi - Como surgiu a criação do gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica na Covilhã?
Graça Rojão - A Coolabora já está a implementar há algum tempo um projecto da promoção da igualdade de género. Uma das questões que nós fomos detectando é que na Covilhã havia muitas situações de violência doméstica, assim como acontece no resto do País. Só que o gabinete de apoio especializado mais próximo era em Castelo Branco, e isso obrigava as pessoas a fazerem uma deslocação muito grande ou então a ficarem sem este tipo de apoio. Portanto, achamos que era mesmo uma necessidade criar uma resposta desse género aqui na cidade. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Após seis meses da abertura de um gabinete, na Covilhã, quantos pedidos de ajuda já receberam?
Graça Rojão - Já ultrapassamos a centena de atendimentos. Tínhamos previsto fazer cem atendimentos em média por ano. Estávamos à espera que o primeiro ano fosse um pouco mais baixo porque é um ano de arranque e o gabinete ainda é desconhecido, mas neste momento já ultrapassamos aquilo que estávamos à espera, ou seja, já ultrapassamos os cem atendimentos. O que comprova que esta estrutura era mesmo uma necessidade. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Quando as pessoas pedem ajuda são já vítimas de violência há muito tempo, ou nos dias de hoje estão a pedir ajuda cada vez mais cedo?
Graça Rojão - Penso que pedem cada vez mais cedo porque há uma maior sensibilização para esta problemática e as pessoas têm cada vez mais coragem de assumir que são vítimas de violência. Um dos problemas que temos, infelizmente, é que muitas vezes o estigma da violência cai sobre a vítima, em vez de cair sobre o agressor. É a própria vítima que é condenada, que sente vergonha de assumir que é a vítima, em vez do agressor. Há aí uma inversão completa de papéis. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Os pedidos de ajuda são feitos tanto de homens como por mulheres, ou existe uma diferença muito grande?
Graça Rojão - Existe uma grande diferença e que está também relacionada com o sexo dos agressores. Maioritariamente os agressores são do sexo masculino e é obvio que as vítimas são maioritariamente do sexo feminino. Estima-se que em Portugal cerca de 90 por cento das agressões sejam contra mulheres e mesmo nos dez por cento restantes, em que há, por exemplo, queixas apresentadas por homens, os agressores também são maioritariamente do sexo masculino. Portanto, o perfil típico do agressor é do sexo masculino e das vítimas tem sido frequentemente do sexo feminino. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Uma vez que atravessamos uma crise nacional, as vítimas de violência doméstica aumentaram nesta zona?
Graça Rojão - É possível que os conflitos conjugais se tenham agravado com situações de stress causadas pela crise. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Quando aparece uma vitima de maus tratos qual é o tipo de apoio que lhe é prestado?
Graça Rojão - Depende daquilo que a vítima procura. A vítima pode querer apoio jurídico e só ter acesso a essa informação jurídica e nós temos uma avença com uma jurista que presta essa informação. Pode querer apoio psicológico e quem faz o atendimento é uma psicóloga, pode querer ter só uma sessão ou pode querer várias sessões continuadas. Pode necessitar de encaminhamento social e também se faz esse tipo de encaminhamento. «Ouvir»
Urbi@Orbi - As vítimas podem contactar o gabinete de apoio a qualquer hora ou dia da semana?
Graça Rojão - O gabinete tem um endereço de email a que as vítimas podem recorrer porque também há vítimas que preferem fazê-lo sem se apresentarem fisicamente. Temos também um número de telemóvel e o gabinete está aberto todos os dias da semana, das 11 horas às 19:30 horas, com excepção das quartas-feiras. As pessoas podem ainda solicitar atendimento num outro horário que lhes seja mais conveniente, visto que, e acontece frequentemente quando este horário mesmo assim não é compatível com o seu, fazermos um esforço para estarmos abertos à hora de almoço para que aproveitem essa hora. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Quando as pessoas dão o passo e procuram apoio vão até ao fim, ou acabam por desistir?
Graça Rojão - Se o ir até ao fim for a formalização da queixa junto das entidades competentes, não! As pessoas continuam muitas das vezes na relação… têm esperança. No caso da violência de filhos contra pais, as vítimas não querem apresentar queixa contra os filhos por vergonha ou por motivos afectivos. Mas nem sempre vão até ao fim, nem é necessário irem. As pessoas é que decidem quando aqui vêm o tipo de apoio que querem e como querem, nós encaminhamos mas elas não têm que ir até ao fim, até porque muitas vezes aquilo que a vítima quer é que o agressor mude o seu comportamento e não querem separar-se. Muitas vezes há filhos envolvidos… há esperança. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Depois do apoio prestado continuam a ter algum contacto com as vítimas?
Graça Rojão - Há pessoas que vêm regularmente, sim, e para além disto estamos a lançar uma iniciativa que é muito inovadora e que começou no ínicio de Dezembro com um grupo de ajuda mútua. No fundo é um grupo de vítimas de violência doméstica que passam a vir regularmente e que têm sessões em conjunto partilhando as suas fragilidades e as suas forças. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Existem grupos de risco?
Graça Rojão - O mundo da violência é absolutamente transversal, atinge todas as classes sociais, ao contrário do que muitas vezes se quer fazer crer, e todas as faixas etárias. Pode ser mais preocupante quando estamos a falar de crianças ou quando estamos a falar de pessoas muito idosas, pela fragilidade inerente a essas situações, mas infelizmente é absolutamente transversal, não se confina numa determinada faixa etária nem numa determinada classe social. «Ouvir»
Urbi@Orbi - Quais são os factores comuns a vítimas e agressores?
Graça Rojão - É uma pergunta difícil. Não sei se podemos encontrar factores absolutamente comuns mas podemos identificar alguns traços, não tanto no nosso trabalho aqui mas mais pelo que conhecemos de outros estudos de âmbito nacional. Uma das características passa um pouco por uma visão estereotipada das relações de género, por uma concepção de dominação nas relações sociais, por um exercício arbitrário de poder e uma concepção em relação ao poder, que não permite ou que dificulta o estabelecimento de relações de equidade, e da parte das vítimas também existe a interiorização de uma situação de inferioridade… de dependência. «Ouvir»