Urbi@Orbi - Quem é Rui Pires?
Rui Pires - Sou uma pessoa teimosa, exigente, com algum método, mas não como gostaria de ter, e que essencialmente gosta de teatro!
Urbi@Orbi - Como foi o seu percurso académico?
Rui Pires - Tirei um curso em Ciências da Comunicação, na UBI, que nunca pensei tirar, foi uma história engraçada. Quando estava a estudar trabalhei como jornalista para uma revista durante quatro anos, mas depois de acabar o curso nunca mais trabalhei na área dos meios de comunicação. Ainda trabalhei no Noticias da Covilhã, durante seis meses. Isto tudo antes de acabar o curso, porque depois nunca mais exerci. Nunca quis ser jornalista, eu não sabia o queria ser. Vim para a universidade porque foi a minha última opção.
Urbi@Orbi - Que fez até chegar à universidade?
Rui Pires - Eu antes de estudar na universidade já tinha estudado no Politécnico da Guarda, no curso de Comunicação e Relações Económicas. Estive lá um ano, mas sabia que não era aquilo que eu queria. Entretanto também me inscrevi para fazer provas no Conservatório de Teatro em Lisboa. Mas acabei por desistir porque eram centenas de pessoas e cheguei à conclusão que não era preciso fazer este curso para ser actor.
Urbi@Orbi - Como foi estudar na UBI?
Rui Pires - Tenho a comparação do outro estabelecimento na Guarda, que me fazia lembrar mais o ambiente da escola secundária. Mas aqui na UBI achei o curso demasiado teórico, achei que tínhamos cadeiras, que apesar das pessoas disserem que tinham interesse para o futuro, eu não acredito nisso. Ainda pensei em desistir do curso, mas como estava no teatro continuei. Foi o teatro que me fez ficar, sempre pus o teatro à frente do curso. Costuma-se dizer que quem corre por gosto não cansa e é verdade.
Urbi@Orbi - Como entrou para o TeatrUBI?
Rui Pires - Quando estava a tirar o curso entrei por acaso para o teatro da universidade. Tinha um amigo do secundário a estudar há um ano na UBI e então ele convidou-me uma vez para ir jantar a casa dele, mas explicou que não podia ficar muito tempo comigo porque ia ter uma reunião de teatro, e foi aí que ele me convidou. Inicialmente recusei porque achava que não tinha nenhum jeito para teatro. Mas acabei por ir, tinha muita gente e eu não conhecia ninguém. Fui para ver se gostava e no dia seguinte fui outra vez para ver se gostava e fiquei até hoje, isto no ano de 2000, ou seja, há dez anos.
Urbi@Orbi - Como surgiu o seu gosto pelo teatro?
Rui Pires - Foi mesmo por acaso. Eu até entrar para a universidade tinha visto meia dúzia de espectáculos, não tinha despertado o meu gosto pelo teatro. E lembro-me que o primeiro ano que entrei para o TeatrUBI não estava muito envolvido, mas também porque estava muita gente e eu não sabia muito bem o que estava a fazer, se gostava ou não. Eu estava lá pelas pessoas, porque se criou uma amizade muito grande, também porque estávamos todos dias juntos. Entretanto identifiquei-me com as pessoas, mas nunca pensei ficar tantos anos ligado ao teatro e fazer disto a minha profissão. Estava lá mais para criar novos amigos, porque tinha chegado há pouco tempo à universidade. E como não me identifiquei com ninguém do meu ano, o teatro foi o meu refúgio.
Urbi@Orbi - Já teve formações em teatro?
Rui Pires - Já, muitas. Ao longo desta década, pelo menos há oito anos que faço formação todos os anos. E acho que em todas as áreas é importante a formação, porque os métodos e as técnicas estão sempre a evoluir. Principalmente para nós, que lidamos com público. As pessoas vão vendo coisas diferentes e é preciso acompanhar essa evolução. A teoria é importante, mas não chega, é preciso uma componente prática.
Urbi@Orbi - Acha que deviam existir disciplinas obrigatórias voltadas para a expressão dramática?
Rui Pires - Acho que deviam ser obrigatórias cadeiras alternativas. Tanto de disciplinas artísticas, como desportivas. E estamos a caminhar para lá, neste momento existem muita actividade extracurricular, onde está a educação física, as línguas, as tecnologias de informação, o teatro, a dança, a música. Mas aqui coloca-se outro problema: existem professores de outras áreas a dar essa formação, e se é bom haver teatro nas escolas, é mau serem esses professores a ensinar. Por muita boa vontade que eles tenham não tem formação e isso não chega. E até pode ser prejudicial para os alunos, porque o gosto pelo teatro pode “morrer” à partida. Eu já vi peças de teatro em que se vê que as crianças estão a sofrer!
Urbi@Orbi - Como vê a Covilhã a nível cultural?
Rui Pires - Acho que é uma cidade bastante interessante a nível cultural, para uma cidade do interior, que não é capital de distrito, tem muita coisa a acontecer. Tem três companhias profissionais de teatro, um teatro universitário, e em comparação a Castelo Branco tem muito mais coisas. E a nível do país há centenas de companhias e todos os anos saem centenas de jovens, novos actores e novos encenadores, que o mercado português não consegue absorver. Há imensas pessoas no desemprego, que não conseguem trabalho ou então trabalham de graça, e ainda há muitas pessoas que nunca chegam a ter uma oportunidade.
A nível cultural não estamos mal, há é falta de apoios, e não há uma politica cultural própria do Ministério da Cultura que nos permita trabalhar de outra forma, como há em Espanha ou em França.
Urbi@Orbi - Qual foi a peça que mais gostou de interpretar, visto que antes de ser encenador já foi actor?
Rui Pires - Foi a peça “A Ferida no Pescoço”, estreamos em 2003 e esteve em cena até 2004. Foi a que mais gostei porque até 2002 só tinha trabalhado em teatro convencional e pensava que teatro era só aquilo. Mas em 2002 no nosso ciclo de teatro veio uma companhia de Lisboa com um espectáculo completamente diferente, que nunca tinha visto. Foi aí que percebi que o teatro era muito mais do que aquilo que eu tinha noção, e isso foi um salto para o TeatrUBI.
Entretanto no final de 2002 a direcção do TeatrUBI decide demitir-se. Entrou então uma colega que me pediu ajuda na parte da divulgação, e como eu estava em comunicação aceitei. Entre 2002 e 2003 ela tem alguns problemas de saúde e eu sou obrigado assumir a direcção. O que se decidiu na altura foi contratar a encenadora que fez o espectáculo no ano anterior. E foi o que fizemos, tivemos de fazer um esforço financeiro para a trazer e ela veio. Tivemos formação durante quatro meses, e isso foi muito importante porque permitiu a todos ver que o teatro era mais do que aquilo a que estávamos habituados. A encenadora tinha formação em dança contemporânea e em teatro contemporâneo, e isso foi essencial para nós. Esse espectáculo marcou-nos muito, era muito intenso porque tinha muito de todos, foi construído em conjunto. E ganhamos muitos prémios com essa peça, em Marrocos e Espanha. Foi esta peça que permitiu a mudança do TeatrUBI para os tempos modernos.
Urbi@Orbi - Quantas peças já encenou?
Rui Pires - Sozinho já encenei três espectáculos, mas já desde 2002 que sou criador de várias representações.
Urbi@Orbi - Qual foi a peça que mais gostou de encenar?
Rui Pires - Eu gostei dos três, mas talvez o “Marcador”. Mas é uma pergunta ingrata e uma resposta injusta, porque não tem só a ver com o espectáculo mas também com tudo o que envolve. Eu já trabalhava com essas pessoas há três ou quatro anos, e o método de trabalho era diferente porque já nos conhecíamos. Também porque fizemos uma digressão enorme e a peça ganhou um prémio num festival muito importante. Foram vários ingredientes que marcaram pela diferença.
Urbi@Orbi - Por que países já actuou?
Rui Pires - Em Portugal já actuei em Castelo Branco, Porto, Coimbra, Aveiro, Lisboa, Faro e Idanha-a-Nova. Em Espanha fui a Galiza, Orense, Vigo, PonteVedra, Corunha, Madrid, Albacete, Cáceres, Badajoz, Plasencia. Também já actuei em França, Venezuela, Marrocos, Costa Rica e Brasil.
Urbi@Orbi - Qual a sensação de actuar para um público de fora?
Rui Pires - Eu gosto mais de actuar fora de Portugal, porque o público é diferente e por mais que haja a barreira da língua, o nosso espectáculo tem pouco texto e esse pouco pode ser importante para perceber ou dar uma continuidade à história. Em Marrocos ganhamos um prémio e ninguém entendeu o nosso texto. Mas sinto que principalmente em Espanha, que é um pais culturalmente muito evoluído, hà uma grande receptividade ao nosso trabalho. Ano após ano tem havido muitos convites de Espanha, eles gostam muito do nosso trabalho e isso dá-me muito gozo para trabalhar lá.
Urbi@Orbi - Enquanto actor, o que sente quando entra em palco?
Rui Pires - Antes de o espectáculo começar fico muito nervoso, stressado, preocupado para tudo correr bem, mas depois que a peça começa nem consegues perceber se estão muitas ou poucas pessoas no público e isso até me dá mais segurança. Espero sempre que o público goste porque trabalhamos para ele, apesar de saber que não se consegue agradar a todos.
Urbi@Orbi - E enquanto encenador, como se sente perante uma peça?
Rui Pires - Existe uma preocupação diferente de actor, porque o espectáculo directamente já não depende de mim, o que eu tinha de fazer já foi preparado previamente em ensaios durante meses. Eu preocupo-me é se os intérpretes vão fazer tudo conforme ensaiamos, depende de vários pormenores ao longo do espectáculo.
Urbi@Orbi - Já aconteceu alguma situação mais engraçada?
Rui Pires - Eu lembro-me de um espectáculo em Espanha em que fazíamos sombras através de uma luz e de uma tela branca e nessa peça a luz fundiu-se e os actores tiveram que improvisar com risos, barulhos para tentar não perder essa cena. No ano passado em Lisboa o CD também falhou durante uma música, são coisas imprevisíveis.
Urbi@Orbi - Tem algum ritual antes de entrar em palco?
Rui Pires - Eu não sou muito supersticioso, mas claro que digo a frase típica, damos as mãos para fazer uma corrente de energia, cantamos uma música, mas é tudo para descontrair.
Urbi@Orbi - Como caracteriza o Teatro?
Rui Pires - Para mim o teatro vive de emoções e de sentimentos. E de duas formas, porque quando estás a fazer ou a criar sentes isso, e depois quando estás a mostrar tentas que o público também o sinta. O teatro retrata a vida e para mim faz todo o sentido porque retrata emoções do dia-a-dia.
Também acho que o papel do teatro tem evoluído ao longo dos tempos, porque representa problemas actuais da sociedade. Depois para mim o teatro tem sido a minha profissão, a minha vida. Tem sido uma paixão com amor, porque eu nunca me imaginei a fazer teatro e muito menos a encenar, e isso foi um desafio muito grande.
Urbi@Orbi - Abdicou de muitas coisas pelo teatro?
Rui Pires - Eu abdiquei de toda a parte académica, das festas, das praxes e de jantares de curso, mas não me arrependo de nada e se voltasse a trás fazia tudo de novo. Lembro-me que fiz a latada e o baptismo, mas toda essa parte académica não me diz muito e por isso nunca trajei. E é irónico porque eu quando estava no secundário o que me dava mais gozo quando pensava na universidade era o traje, sempre quis trajar porque o traje é muito bonito.
Mas quando cheguei à universidade vi pessoas trajadas que não o mereciam, porque para mim não devia ser qualquer pessoa que pudesse trajar, acho que se deve merecer. Há pessoas que não dignificam o que trazem vestido e apesar de o traje representar uma academia e uma região existem pessoas que não sabem o que trazem vestido e então eu não quis ser mais um desses e optei por não trajar.
Urbi@Orbi - Já pensou em entrar em algum filme?
Rui Pires - Não, porque não gosto de cinema. Apesar de ter um curso de interpretação para televisão e cinema não gosto desta área. Mas depende do filme, num filme comercial jamais entraria, só se fosse em algo com que me identificasse. Já surgiu um convite para fazer um papel secundário e recusei, porque era um filme que não me dizia nada. Não tenho nada contra quem entra neste tipo de filmes, porque as pessoas precisam de viver, mas nesta altura da minha vida não o faço.
Urbi@Orbi - Acha que os meios de comunicação têm dado a devida atenção ao teatro?
Rui Pires - Eu sou contra a televisão emitir peças de teatro, porque o teatro pretende transmitir sensações e o próprio actor tem de sentir a energia do público e isso é impossível através da televisão. Conheço pessoas que me dizem: “Eu gosto tanto de teatro, só é pena não dar na televisão” e eu fico sem reacção, porque, principalmente na Covilhã que nem há trânsito, só não vai ao teatro quem não quer. Mas isto acontece porque as pessoas não foram habituadas desde pequenas a ir ao teatro, não existe um contacto desde cedo.
Agora acho que a TV erra ao só dar atenção aos espectáculos que acontecem em Lisboa e no Porto. Penso que devia haver uma divulgação de todos os espectáculos.
Urbi@Orbi - Que futuro vê para o teatro?
Rui Pires - Eu acho que o teatro nunca irá morrer, em Portugal temos muitos criadores, mas também depende dos apoios do Ministério da Cultura e dos privados e isso está mau. Porque o Ministério da Cultura demora cerca de seis meses a responder a um pedido de apoio e estar meio ano em espera é impensável, as pessoas precisam de trabalhar porque comem todos os dias e é preciso dinheiro.
E o facto de existir um dia mundial do teatro já indica que alguma coisa não está muito bem, porque não existe um dia mundial para o futebol.
Urbi@Orbi - Em que projectos está envolvido actualmente?
Rui Pires - Sou professor no 1º ciclo, lecciono expressão dramática e expressão plástica, na escola do Teixoso. Estou a encenar no TeatrUBI e na direcção da ASTA.
Urbi@Orbi - Já tem ideias para uma nova peça?
Rui Pires - Tenho várias ideias para várias peças. Tenho até quem me diga que estou sempre a pensar em teatro, e de certa maneira é verdade. Por exemplo a última peça foi praticamente escrita num café, porque eu gosto de trabalhar na confusão.
Urbi@Orbi - Alguma vez pensou que não estava na área certa?
Rui Pires - Ainda hoje me questiono. Na área do teatro existem peças que não faço não só porque não gosto mas porque sei que não ia conseguir fazer bem. Tenho medo de que o público não goste do meu trabalho ou que as coisas não corram bem, mas no dia em que deixar de ter medo alguma coisa está mal. Gosto de correr o risco.
Urbi@Orbi - Acha que tudo o que fez até agora valeu a pena?
Rui Pires - Acho que valeu muito a pena, não me podia sentir mais realizado. Também não sabia como seria a minha vida se tivesse escolhido outro caminho. Eu faço muitas vezes esta analogia porque durante a nossa vida fazemos muitas escolhas sobre que direcção devemos seguir e sabemos que ao escolher um caminho não podemos seguir outro. E eu não estou nada arrependido dos caminhos que trilhei, voltava a fazer tudo outra vez.