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“A rapidez nunca foi inimiga do Jornalismo”
Sara Monteiro · quarta, 31 de mar?o de 2021 · @@y8Xxv A conferência “Jornalismo em contrarrelógio: a notícia em permanente deadline” no âmbito do Doutoramento em Ciências da Comunicação decorreu na sexta-feira e foi apresentada por Nuno Francisco, Diretor do Jornal do Fundão e Professor na UBI. A disputa constante entre jornais para a publicação de notícias de forma rápida e a possível perda de qualidade das peças jornalísticas foram alguns dos temas discutidos na sessão. |
O tema deadline foi um dos focos na sessão. |
22037 visitas O Professor Paulo Serra deu início à apresentação, direcionada a alunos do Doutoramento de Ciências da Comunicação, apresentando o conferencista como "um profissional do jornalismo" desde 1999. Doutorado pela Universidade da Beira Interior e Professor na mesma academia há 10 anos, Nuno Francisco é também diretor do Jornal do Fundão desde 2013. "Embora o caminho seja difícil, o resultado compensa", refere, no que diz respeito ao seu percurso académico e profissional. "Esta será uma conversa que irá levantar muitas "provocações", disse. O Jornalismo sofreu alterações "dramáticas" ao longo dos anos e este "drama" deve-se ao meio digital e à velocidade com que a informação tem que estar disponibilizada aos leitores, bem como à reestruturação de financiamento de empresas jornalísticas. "Quanto mais rápido eu for, mais atenção eu consigo captar", afirma o anfitrião. Essa rapidez está a reformular, por completo, o sistema de jornalismo tradicional: "Há uma ideia de que tudo o que está na internet tem que ser, supostamente, gratuito" o que não é possível, visto que o Jornalismo tem uma "pesada máquina por trás". Por exemplo, quando "entramos num carro, não pagamos para ouvir rádio mas alguém faz isso por nós: os anunciantes que alugam audiência para prestarmos atenção", refere Nuno Francisco. Hoje em dia existem "diferentes estratégias no digital e esta é uma caixa de Pandora muito difícil de fechar porque no início deste processo, todos os jornais (quase sem exceção) 'correram' para o online. O que importava era estar presente". Os jornais estão em contraciclo a tentar, através de produtos premium, por exemplo, controlar os danos, porém, em alguns casos "estes foram totalmente irreversíveis". Nuno Francisco apresentou um vídeo do TED x TALK de Robert Orchard "The slow journalism revolution" no qual o autor "durante 15 minutos faz um resumo extraordinário dos problemas levantados na produção jornalística tradicional, onde consegue condensar dramas que dão teses de Doutoramento". Desse vídeo, Nuno Francisco retirou duas citações importantes: "Ser primeiro é muito mais importante do que estar certo", ou seja, em primeiro lugar é valorizada a captação e canalização da atenção dos leitores. Robert Orchard levanta um dilema: "Estar certo é muito mais importante do que ser o primeiro" e, posto isto, é criada uma "barreira invisível" porque deveria ser possível criar um Jornalismo certo e primeiro e não um ou outro. "Devemos ter, pelo menos, a obrigação de estar sempre certos ou de cumprir todos os passos que o Jornalismo implica, nomeadamente um passo fundamental: verificação e cruzamento de fontes" defende o conferencista, acrescentando que "o Jornalismo precisa de tempo. A rapidez é, muitas vezes, inimiga da perfeição". Fernando Rocha, aluno de Doutoramento em Ciências da Comunicação referiu um exemplo de uma notícia televisiva apresentada no Brasil sobre a queda de um avião que resultou na morte de cerca de 100 pessoas a bordo. Todavia, uma estação televisiva explicou que não havia falecidos, apenas noticiou o despenhamento: isto é um exemplo de uma notícia fruto da "velocidade" - foram os primeiros a reportar, porém, não houve a "qualidade necessária", acabando por "dar uma notícia errada". Lara Guerreiro coloca a seguinte questão: "Que tipo de jornalistas estão a ser formados? Profissionais para atenderem a essa rapidez ou para produzirem uma notícia com qualidade?". Nuno Francisco responde: "O que a rapidez está a fazer é que pode estar a moldar, provavelmente de uma forma irreversível, alguns dos pressupostos fundamentais do Jornalismo, como a verificação dos dados antes da publicação". Lahis Velter refere "não é só a questão da velocidade, mas também das emissoras e redações terem poucos jornalistas e eles têm que fazer tudo. Quando eu saí do meu trabalho como repórter de televisão no Brasil, a única jornalista que ficou tornou-se operadora de câmara e também editora de vídeo", trabalhando sozinha em todos os domínios de multimédia. Na segunda parte da conferência, Andressa Mataruna interveio, referindo que "vivemos num cenário onde tentamos combater as fake news, mas também penso que há outro problema, a falta de originalidade, na medida em que vamos para qualquer site e parece que há um padrão na publicação das notícias" e Nuno Francisco acrescenta que esse é o "padrão da simplificação" que acontece devido à rapidez com que queremos chegar, enquanto profissionais, a uma audiência. O facto de as notícias parecerem "iguais" deve-se ao facto dos media comprarem notícias a agências noticiosas. "Se estamos a tentar escrever outros ângulos da notícia, perdemos tempo, daí as notícias serem praticamente iguais" e uma das consequência dessa perda de tempo, que se "estreitou nos últimos anos", é o "custo" que provoca num meio de comunicação. O Professor confessa que "o tempo é inimigo da criatividade. Se o jornalista tende a 'queimar' as etapas de falar e fazer o cruzamento entre fontes, então é só mais um a publicar coisas online. Ele não pode sacrificar tudo em nome da rapidez". Em forma de encerramento, Nuno Francisco refere que "no contexto digital, há uma mutação da realidade. Sempre que resolvemos um problema, surge outro de imediato. É crucial criar confiança no público, enquanto meio de comunicação social". O Diretor do Jornal do Fundão remata que Portugal surge no grupo de países onde menos se paga por jornalismo online, pois apenas sete por cento da população portuguesa adquire conteúdos jornalísticos digitais. |
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