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"Ter ficado colocada na UBI foi a sorte grande que me saiu"
Rafael Mangana · quarta, 2 de dezembro de 2020 · @@y8Xxv Ajudar o outro foi sempre o seu maior incentivo para optar por Medicina e em 2007 escolheu a UBI para concretizar essa missão. Sem nunca esquecer os tempos da Covilhã, Rita Almeida Leite está em especialização na área de Saúde Mental, que crê ser o maior desafio da pandemia e pós-pandemia que atravessamos. |
Rita Almeida Leite |
22154 visitas Urbi et Orbi: Porquê Medicina e porquê na UBI? Rita Almeida Leite: Escolhi Medicina pela gratificação de poder ajudar o outro. Ser médica foi um objetivo a que me propus desde cedo, pelo fascínio de poder conhecer melhor a história de cada indivíduo e poder fazer a diferença no alívio do seu sofrimento. Ao conhecermos melhor os outros, conhecemo-nos melhor a nós também. E ao ajudar o outro, nem que seja por um mínimo gesto, é dar-nos mais força também. Foi a melhor escolha que podia ter feito. O meu foco sempre foi ser médica, não importava onde. A UBI não foi a minha primeira opção, uma vez que privilegiei na candidatura a proximidade a casa. Mas digo sempre que ter ficado colocada na UBI foi a sorte grande que me saiu.
U@O: Porquê? RAL: Costumo dizer, que só quem estudou na “cidade-neve” é que consegue sentir imediatamente o “quentinho interior” assim que ouvimos a palavra “Covilhã”. Para uma jovem de 18 anos acabada de chegar, com um mundo interior e exterior ainda por descobrir, senti de imediato que tinha voz. A faculdade era recente, estava equipada com salas, computadores e materiais de simulação que nos motivavam a experimentar. Tínhamos um método de ensino inovador que desde cedo nos fez ver que não somos a soma de partes, mas sim um todo. Éramos divididos em turmas pequenas para que pudéssemos ter o espaço para colocar todas as dúvidas e que nada ficasse por aprender. Fomos lançados aos hospitais e centros de saúde logo desde cedo, no primeiro ano, onde fomos recebidos de igual para igual, aceites carinhosamente pelos pacientes, e onde tivemos que mostrar o que valíamos e ir estudar para casa para mantermos o brio profissional. Tínhamos professores que nos perguntavam a opinião, o que queríamos melhorar, o que achávamos dos casos clínicos. Rapidamente percebi que isso não funcionava da mesma maneira em todas as universidades e que estava muito grata onde tinha ficado. E mais do que conhecimento, estar na UBI introduziu na minha vida uma mão cheia de pessoas especiais que levei comigo para a vida toda. Éramos todos de longe, então éramos todos vizinhos. Vivíamos literalmente em comunidades, estudávamos juntos, aprendemos a cozinhar juntos, dávamos força uns aos outros nos momentos de maior saudade, explorávamos a cidade, cometíamos as nossas loucuras, tínhamos tudo literalmente ao virar da esquina. E isso fez-me não só crescer muito e ter uma grande noção de responsabilidade e autocuidado, como também criou ligações de amizade inexplicáveis. Já para não falar que foi onde conheci o homem da minha vida, hoje pai do meu filho.
U@O: Poderá essa proximidade ser um trunfo para os alunos que estudam na UBI, em relação a alunos de outras universidades? RAL: Penso que sim, que nos deu uma maior capacidade crítica, incentivo à participação direta nos cuidados médicos, versatilidade de funções. Ouvi algumas vezes alguns elogios em estágios por onde passei após a licenciatura: “vê-se que vieste da UBI, parabéns.” Embora com isto não pretenda dizer que somos superiores. Mas crescemos a ouvir comentários depreciativos por estarmos numa universidade do interior, uma universidade recente, ouvíamos muitas piadas comparativas com as universidades mais clássicas. Sempre achei que eram brincadeiras saudáveis, mas a verdade é que aprendemos a saber provar aquilo que valíamos e isso ajudou-me muito durante o percurso profissional.
U@O: Sente, então, que hoje um médico formado na UBI é visto como um profissional com "selo de qualidade"? RAL: Sinto que há menos estigma entre as universidades “clássicas” e “não clássicas”, e que vemos bons profissionais vindos de todas as escolas. Sinto que há cada vez mais pessoas que valorizam o nosso trabalho quando percebem o contexto em que estudamos e que viemos da UBI, principalmente no ano de formação geral, imediatamente após o término da licenciatura, onde habitualmente a maioria vai para hospitais diferentes, de norte a sul, interior a litoral. Porque efetivamente somos inseridos no meio clínico desde cedo e isso dá-nos destreza e alguma experiência. E sinto que há um momento em que cada um tem que fazer o seu caminho individual e essas pequenas “rivalidades” deixam de ter espaço sequer.
U@O: Este ano tem sido especialmente desafiador para qualquer médico. Como tem sido estar na linha da frente num contexto completamente novo como é este de uma pandemia a nível global? RAL: Como qualquer contexto novo, no início temos receio do desconhecido e questionamos as nossas capacidades. Mas são precisamente nesses momentos em que nos lembramos da nossa missão como médicos e que podemos pôr em prática aquilo que alimentou a nossa escolha por Medicina. Implica sacrifício, coragem, trabalho e dedicação. E vale a pena. Há colegas que fazem definitivamente a diferença num trabalho diário, exaustivo, com doentes com COVID-19. Neste momento estou em especialização na área de Saúde Mental, e penso que esse vai ser o maior desafio da pandemia e pós-pandemia.
U@O: Como tem sido o seu percurso profissional, desde que se formou na UBI? RAL: Terminei o curso de Medicina em 2013, altura em que realizei a prova de acesso à especialidade. Inicialmente, em 2014, estive a trabalhar um ano como médica no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, em Santa Maria da Feira, em que fazemos algumas valências obrigatórias antes da escolha da especialidade, tais como Medicina Interna, Cirurgia Geral, Pediatria, Cuidados de Saúde Primários, ditas nucleares. Foi um ano muito enriquecedor, em que consolidamos algumas bases médicas, importantes em qualquer especialidade que escolhamos. Trabalhei com profissionais de excelência, amigos, e fiz novos amigos com quem aprendi muito. Curiosamente, o encontro nacional de médicos internos do ano comum, nesse ano, realizou-se na Covilhã e tive a oportunidade de voltar e mostrar alguns cantinhos felizes a muitos novos amigos que sentiram um bocadinho dessa magia. Depois em 2015 escolhi o que sempre quis, onde quis: a especialidade de Psiquiatria e Saúde Mental no Centro Hospitalar Baixo Vouga, em Aveiro, que termino no fim deste mês. No início do próximo ano farei exame final de especialidade, em data ainda a definir pela pandemia que atravessamos. Mas nesta etapa final da minha especialidade, sinto que estive no sítio certo, a trabalhar na especialidade certa, e por isso antes mesmo de chegar ao fim, já estou de coração cheio. Neste tempo, já voltei à Covilhã numa espécie de reencontro com amigos da faculdade, agora cada um no seu ponto do país, e parece que não passou tempo nenhum, há cantos que contam demasiadas histórias. Numa próxima vez quero levar o meu filho e o meu marido.
U@O: Que conselhos deixaria a um aluno de Medicina da UBI para ser bem sucedido no futuro? RAL: Diria para aproveitar para se expressar, mesmo relativamente às mais insignificantes dúvidas e sugestões. Para não ter medo de experimentar, de arriscar, de fazer, porque vai haver sempre alguém em supervisão clínica a proteger as costas e a incentivar a fazer melhor. E mesmo se não estivesse, esse é o tempo e o espaço para crescermos e nos tornarmos o que quisermos ser. Para conhecer cada funcionário da instituição, pois vão dar um grande contributo nas mais inesperadas situações que podem na altura parecer sem solução. Para conhecer todos os colegas, aproveitar os momentos académicos, são histórias que só se vivem uma vez.
Nome: Rita Almeida Leite Naturalidade: Ovar Curso: Medicina Ano de entrada na UBI: 2007 Filme preferido: “A vida é bela”; “Whiplash – Nos limites”; “O cisne negro” Livro Preferido: “Sol e as suas flores”, de Rupi Kaur; “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarden; “O sangue dos outros”, de Simone de Beauvoir, “O filho de mil homens”, de Valter Hugo Mãe Hobbies: Ler e escrever, música, viajar, exercício físico (correr ao ar livre), praia, contacto com a natureza |
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