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"A cultura fez toda a diferença para conter o vírus na China"
Rafael Mangana · quarta, 13 de maio de 2020 · @@y8Xxv João Marques é licenciado pela UBI em Design Têxtil e do Vestuário e está na China há cerca de quatro anos. Viveu de perto o surgimento do novo coronavírus e conta como tem sido o seu quotidiano, num país onde considera que a cultura foi fundamental para controlar a pandemia. |
João Marques na China, com a namorada |
21993 visitas “Comecei a vir à China há quatro anos para fazer validações de material que tinha que ser aqui fabricado e como as vindas já estavam a ser muito frequentes, a empresa fez-me a proposta de ficar a trabalhar aqui. Propus as minhas condições, eles aceitaram e aqui estou”. João Marques é licenciado pela UBI em Design Têxtil e do Vestuário (atual Design de Moda) e está em Shanghai há cerca de três anos e meio, onde é Designer Manager na Dual Borgstena Shanghai. O idioma, diz, ainda vai sendo “o mais complicado”. Depois de um ano e meio de aulas de mandarim, melhorou um pouco a compreensão. No entanto, “é um processo demorado, é uma língua extremamente complexa, mas muito interessante. É tudo à base de lógica”, garante. Quanto à cultura, a adaptação “foi fácil”. Foi, de resto, a cultura chinesa que considera ter sido fulcral para controlar o novo coronavírus. A população não questiona as diretrizes do Governo o que, neste caso, João Marques considera ter sido uma vantagem. Tendo aparecido na cidade de Wuhan, a cerca de 850 quilómetros de Shanghai, o vírus que surgiu em finais de 2019 rapidamente se espalhou por todo o mundo. Está, ao que parece, controlado na China, mas quando apareceu a população não se apercebeu logo do que estava a acontecer. “Em janeiro não fazíamos ideia do que se estava a passar e começamos a ver a gravidade da situação, eu próprio tinha medo de sair à rua e tomei logo a iniciativa de ficar em casa o mais possível”, conta. “É difícil, mas esse isolamento e a utilização de máscaras foram medidas que deram resultado. A cultura fez toda a diferença. Eu não cresci aqui e na altura tive algum medo, porque não sabia o que se estava a passar, mas aceitei a quarentena e nem sequer questionei”, revela. "Quando tiveram ideia da proporção do problema, automaticamente fecharam a cidade”, explica o ex-aluno da UBI. “Nessa altura não fecharam mais nada fora dessa cidade, nem viagens, e estava tudo tranquilo no resto do país. Se omitiram algumas coisas? O sistema político é diferente de Portugal e houve sempre a intenção de não passar para fora a gravidade da situação. Em finais de dezembro / inícios de janeiro, quando os médicos se aperceberam mesmo da gravidade da situação, tentaram alertar o governo local de Wuhan, que omitiu algumas coisas por uma questão de honra. Eles tentaram não dar ideia da gravidade da situação para o Governo central em Pequim e, entretanto, o vírus alastrou-se e o Governo central quando percebeu que a situação era mesmo grave mandou fechar logo a cidade e demitiu o presidente de Wuhan”, conta João Marques.
“Desde que as pessoas vivam bem e tenham acesso à saúde, não questionam se têm privacidade ou não" Para conter o vírus, o Governo lançou um sistema de controlo da população, cuja implementação tem sido discutida na Europa com alguma polémica, devido às questões da privacidade. Trata-se de uma aplicação para telemóvel, em que o dispositivo móvel fica associado a uma espécie de rede social que gera um código para cada número e o Governo tem acesso a esse código. A partir daí, a pessoa pode ter associadas à sua aplicação as cores vermelha, amarela e verde. A vermelha significa que se está de quarentena ou com suspeita de infeção e não se pode entrar em lado nenhum; a amarela é quando se vem de algum local mais perigoso para o contágio, como Wuhan, por exemplo; com a cor verde pode-se circular à vontade. Com este sistema, consegue-se ver onde é que a pessoa esteve nos últimos 14 dias e fazer, desta forma, o rastreamento. “Neste momento está praticamente tudo verde, mas na altura foi crucial”, garante João Marques. Quando questionado acerca da perda de privacidade, e vivendo a realidade chinesa há quatro anos, não hesita: “eu sei que eles controlam, mas não devo nada a ninguém e sinto-me seguro. Mesmo num roubo, por exemplo, eles conseguem detetar o que é que se passou, quem te roubou, onde é que foste roubado. O controlo existe, mas eu sinto-me seguro. Se não causas problemas e não deves nada a ninguém, ninguém te vem bater à porta a dizer que estás a comer arroz com feijão e não podes”, sublinha. “Desde que as pessoas vivam bem e tenham acesso à saúde, não questionam se têm privacidade ou não. Ninguém quer saber. Se isso vai resultar na Europa não sei, porque as mentalidades são diferentes. Era uma forma que podia resultar, mas as mentalidades são muito diferentes”, constata. São também as mentalidades diferentes que fazem com que a utilização das máscaras, para contenção da propagação do vírus, seja algo encarado com toda a naturalidade na China. “Aqui o Governo não obrigou propriamente o uso das máscaras, mas queres ir aos locais, ao supermercado, andar de metro... tens que usar. Praticamente todas as pessoas usam máscaras, e juntamente com a quarentena, foi o suficiente para o vírus não andar a circular e já há quase um mês que conseguimos fazer uma vida normal”, conta.
"Têm ajudado vários países com a investigação que fazem, e isso não é passado cá para fora" No mundo ocidental, nomeadamente nos Estados Unidos, muito se tem falado da origem do vírus. A versão oficial refere que o novo coronavírus – que dá origem à doença Covid-19 - surgiu nos mercados de Wuhan, com a ingestão por parte das pessoas da carne de morcego. Uma outra versão, defende que foi criado em laboratório. “Essa é uma das teorias da conspiração, porque na cidade de Wuhan existe um grande centro de investigação, criado na altura do vírus de 2003 (SARS). Ali estão a desenvolver vacinas para este tipo de vírus e é muito difícil de acreditar que tenha havido uma fuga do vírus. Pelo contrário, eles têm ajudado vários países com a investigação que fazem, e isso não é passado cá para fora”, defende. Passada a fase mais crítica da pandemia na China, a vida agora corre normalmente. Mas no país onde o coronavírus surgiu não se facilita, e a utilização da máscara continua a ser um hábito. “O problema que agora aqui está a surgir são as pessoas que não têm sintomas. Desde meados de março, todas as pessoas que chegam à China são testadas à Covid-19. E a partir daí, começaram a perceber que há uma percentagem relativamente elevada de pessoas que estão infetadas e que não têm qualquer tipo de sintomas. O risco pode ser maior aí e é por isso que as pessoas têm mesmo que usar máscaras”, aconselha João Marques.
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