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Ópera no Interior
Ana Sofia Ribeiro · quarta, 28 de novembro de 2018 · No Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, os lugares de balcão e plateia ficaram vazios, e apenas um número restrito de cinquenta pessoas pôde assistir à ópera de câmara “Domitila”, no dia 23 de Novembro, literalmente em cima do palco. |
"Domitila" esteve em cena no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco. |
21978 visitas Composta por João Guilherme Ripper e originalmente encomendada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, como parte da série Palavras Brasileiras, “Domitila” é um espetáculo que dura cerca de 50 minutos, e baseia-se na correspondência trocada entre o Imperador do Brasil, D. Pedro I, e a sua amante Domitila de Castro Canto e Melo - a Marquesa de Santos, interpretada nesta versão pela soprano Carla Caramujo, e ensemble por Christina Margotto, ao piano, Jed Barahal, em violoncelo, e Ricardo Alves, com clarinete. Esta mini ópera desenvolve-se em palco como um monólogo no qual vão sendo revividos os momentos de intimidade entre os amantes e que ficaram registados nas inúmeras cartas trocadas por ambos. Estão documentadas 143 cartas, mas relata-se que esses “documentos vivos”, que terão humanizado o início e o fim de um intenso amor proibido, ascenderão a mais de duzentos. A soprano dá vida à personagem histórica num cenário simples, mas suficiente para o potencial de toda a carga dramática que nele se desenrola, consoante papéis e papéis selados vão sendo abertos. Pela interpretação destas mensagens vamos entrando em contacto com o entusiasmo da primeira fase dos galanteios do Imperador, passando à arrebatadora e apoteótica paixão consumada, até ao desfecho forçado e triste desta relação que deu frutos. Dos quatro filhos que Domitila gerou com D. Pedro I, duas meninas sobreviveram, facto que provocou uma verdadeira dicotomia na família Real. A ópera retrata com a devida intensidade emocional as últimas missivas e a desilusão de Domitila quando o Imperador manda que ela se retire da Corte por motivos políticos e pelo desprestígio que a sua situação lhe causava perante o casamento com a Imperatriz austríaca Leopoldina, ofuscada e humilhada em público, ao ponto de “Titila”, como era carinhosamente tratada a amante, ter sido condecorada pelo Imperador com o título nobre de Marquesa em nome dos serviços prestados a Leopoldina enquanto sua dama de honra. O final derradeiro que as cartas retratam numa interpretação carregada de emoções contraditórias, cujo pico é caraterizado pela revolta e vai decrescendo até à saída, ainda assim, conformada e com sinceros desejos de sucesso ao Imperador, chega quando este anuncia que após a morte de Leopoldina precisaria encontrar uma nova princesa europeia, e a sua reputação não era das melhores, portanto, Domitila deveria voltar o mais rapidamente para São Paulo. A obra encomendada para ser um ciclo de canções e que terminou como ópera, galardoada com o Prémio Funarte de Circulação de Música de Concerto, estreou no Interior, depois de já ter estado em cena noutros palcos do país, e as cartas a partir das quais Ripper adaptou a sua composição dramática encontram-se compiladas no livro “Cartas de Pedro I à Marquesa de Santos”, de Alberto Rangel. Curiosidade é que apenas uma ária é texto do compositor, o restante texto é retirado das verdadeiras cartas que foram transformadas numa grande ária, principalmente toda a carta na qual Domitila, a Marquesa de Santos, envia o adeus comovente e comovido ao Imperador. No Cine-Teatro Avenida de Castelo Branco foi possível reviver, tão perto da encenação que respirar se tornava desconcertante, o último dia da amante na Corte e as memórias revividas por este maço de cartas de amor reencontradas entre os pertences arrumados às pressas em baús carregados de sete anos de intensos sentimentos. Em destaque esteve, ainda, o trabalho de encenação, cenografia e de luz de Carlos Antunes, bastante valorizado na hora de aplaudir este espetáculo sui generis. |
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