Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Jovens fumam mais na universidade
Ana Isabel Araújo e Maria Inês Valente · quarta, 23 de agosto de 2017 · @@y8Xxv Entre os estudantes da UBI, a entrada no meio académico parece ser o principal fator para o consumo de tabaco, vício que mata mais de 30 pessoas por dia em Portugal. |
Estudantes a fumar num dos recintos exteriores do polo principal da UBI |
21999 visitas "Enquanto fumadora incomoda-me imenso 'levar com o fumo dos outros', quanto mais às pessoas não-fumadoras", desabafa uma jovem estudante de Comunicação Estratégica na UBI, que prefere não ser identificada. Chamemos-lhe, então, Maria, que, entre um cigarro e outro, nos confessa que tem vindo a alimentar este vício desde os seus 15 anos. Apesar de fumadora, é com agrado que, agora, olha para a lei que há nove anos proibiu o ato de fumar em espaços fechados. Estabelecimentos de restauração ou dança, transportes, locais de trabalho, de atendimento ao público, estabelecimentos onde sejam prestados cuidados de saúde e locais destinados a menores de 18 anos, nomeadamente infantários, campos de férias, entre outros, são apenas alguns dos muitos espaços abrangidos pela lei. Desde o primeiro dia de 2008 que os proprietários de cafés, restaurantes, bares ou discotecas com menos de 100 m2 puderam optar por permitir ou proibir fumar, desde que assegurassem a qualidade do ar para os não-fumadores. Nos espaços mais alargados - com mais de 100 m2 – a solução foi mais fácil, dando aos responsáveis a possibilidade de criarem áreas de fumo ou um espaço fisicamente separado. Apressado a tirar os quatro cafés para os estudantes que tem à sua frente, Carlos Neves, trabalha há 17 anos no Oitavos Bar. Confessa que no café os fumadores são 98% da clientela. Sabe de antemão que perderá clientes se proibir de fumar no estabelecimento, tendo em conta experiencias passadas. Por isso, até que a lei o permita, não está nos planos repetir o feito. A partilhar a mesma opinião estão muitos outros estabelecimentos da Cidade Neve, cientes de que proibir o consumo do tabaco é sinónimo de reduzir os lucros. Contudo, há quem não se deixe afetar pela “moda do tabaco” e garanta que isso não é fundamental para o sucesso do negócio. É o caso do North Walls-Pub, que abriu portas há cerca de um ano e meio e foi desde sempre pensado como um conceito antitabaco. “Em momento algum ponderei que se fumasse cá dentro, primeiro porque sou antitabaco e depois porque o bar é muito pequeno e tem um pé direito muito baixo”, afirma o proprietário, Edgar Nave. Atento aos comentários dos clientes, revela que até hoje só tem ouvido boas criticas. “A maior parte dos fumadores que eu conheço sentem-se bem no interior do espaço porque está isento de fumo. Assim, conseguimos, também, um tipo de público diferente que outras casas não conseguem, como é o caso de famílias com crianças”. O conhecido café Leões da Floresta, paragem obrigatória, na opinião de muitos ubianos, destaca-se por ser mais um espaço que não foi afetado pela alteração da lei. António Santos, presidente da coletividade, explica que por se tratar de uma associação sem fins lucrativos, tiveram que respeitar a lei e proibir que se fumasse no seu espaço, considerado público. Admite que se tratou de um processo gradual, uma vez que começaram por proibir apenas cigarros ditos “normais” e só mais tarde passaram a proibir também os cigarros eletrónicos. “Como não tínhamos conhecimentos para perceber se o cigarro eletrónico continha ou não nicotina, optamos por os banir completamente”, conta. Implementar essa medida, com o público universitário a apresentar alguma resistência, não foi fácil no início. Contudo, actualmente os clientes já aceitam com naturalidade. “Aquilo que temíamos ao princípio, que era uma possível perda de clientes, não se verificou. O ambiente é bom, noto que as pessoas gostam de vir aqui e que não é por isso que vão deixar de o fazer”. A jogar setas com os amigos nos Leões encontramos Luís Mota, estudante de Engenharia Aeronáutica, que é um cliente habitual da casa. Começa logo por revelar que uma das coisas que mais lhe dá prazer é fumar um cigarro enquanto toma o seu café. Dependente assumido de cafeína e nicotina, confessa que “não com muito esforço” tem vindo a tentar deixar pelo menos um desses vícios. “Por mais que fique chateado por ter que ir lá fora para fumar o meu cigarro, também reconheço que dessa forma acabo por fumar menos porque a preguiça de me levantar fala mais alto”, diz entre risos. O ubiano faz parte dos 1,78 milhões de fumadores existentes em Portugal. No âmbito desta reportagem, realizámos um inquérito a uma amostra de 100 estudantes da UBI, verificando que 63% são fumadores, 60% dos quais são homens e 40% são mulheres. Para 41% dos inquiridos que fumam, a entrada na universidade foi o principal fator para iniciarem o consumo de tabaco. Apesar de não ter começado a fumar aquando da sua vinda para a universidade, Maria admite que agora fuma muito mais do que há quatro anos: “É quase inevitável! Até porque recorro ao tabaco para aliviar a pressão e o stress do dia a dia”. Assume que “há determinados prazeres na vida que levam a ignorar certos avisos”, mas não deixa de estar perfeitamente consciente dos malefícios que o tabaco provoca. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que uma em cada dez mortes de adultos esteja relacionada com o tabaco: terão sido cinco milhões em 2016, serão oito milhões em 2030 e, a manter-se o ritmo atual de consumo, mil milhões de mortes até ao fim deste século. Em todo o mundo, a cada seis segundos o tabaco é responsável pela morte de uma pessoa. Mas, as consequências não são só para os fumadores. Também os não-fumadores sofrem. Segundo um estudo apoiado pela OMS todos os anos morrem mais de 600 mil não fumadores em todo o mundo devido à exposição passiva ao fumo ambiental do tabaco, sendo que 28% dessas mortes são de crianças. Na academia ubiana, e de acordo com o inquérito realizado, 37% dos inquiridos assumem-se como não-fumadores, embora 15% revele já ter fumado regularmente. Para 25%, a entrada no meio universitário nem sequer os levou a “cair na tentação” de começar a fumar. No entanto, por influência de amigos, continuam a frequentar espaços em que é permitido fumar. Ana Gomes da Costa, aluna de Ciências da Comunicação, desabafa à saída da universidade que aquilo que mais a incomoda enquanto não-fumadora é “o cheiro e o fumo no ar”. Sempre que sai, procura frequentar espaços isentos de fumo, tarefa que se revela difícil, dadas as preferências do seu grupo de amigos. “De certa forma já estou habituada, aquilo que costumo fazer é pedir às pessoas para não fumarem diretamente para mim”. Se nos cafés se considera incomodativo o fumo do tabaco, quando se trata de restaurantes a tolerância é ainda menor. O Comfusão, local por onde passam dezenas de jovens todas as noites, para beber uns copos, fumar uns cigarros ou simplesmente conversar com os amigos, é um dos espaços mais frequentados pelos universitários. Se muitos o procuram por esse motivo, outros procuram-no para jantar. E é precisamente aí que os não-fumadores se sentem mais incomodados. “Sei que os nossos clientes não-fumadores se sentem incomodados por isso. No entanto, uma vez que é permitido fumar aqui, não podemos proibir quem fuma de o fazer”, realça um dos sócios, Gonçalo Sá, acrescentando que nota um cuidado dos clientes em não fumarem durante a hora da refeição. Cliente regular do espaço, Maria afirma que realmente é “um pouco chato” estar a jantar enquanto outras pessoas fumam. Ainda assim não é por isso que deixa de frequentar o Comfusão, uma vez que aprecia o seu “bom ambiente e simpatia das pessoas que lá trabalham”. Restaurante procurado por turistas e covilhanenses, a Taberna A Laranjinha foi um dos estabelecimentos que optaram por respeitar a alteração feita à lei do tabaco. Apesar de o restaurante apresentar todas as condições necessárias para que se possa fumar, o proprietário Ricardo Ramos assume que “é um contrassenso haver um espaço de alimentação e consumo de tabaco ao mesmo tempo”. Da mesma opinião é a estudante Ana que admite não conseguir desfrutar da sua refeição sempre que tem, ao seu lado, alguém a fumar. A verdade é que é usual encontrarmos jovens a fumar. Basta ir a qualquer bar, café ou discoteca da Covilhã. Os que já tinham o vício – 22% – revelam que fumam muito mais agora do que quando ainda não viviam o ambiente académico. “Eu acho que é normal qualquer pessoa fumar mais enquanto anda na universidade. Há as saídas à noite, os jantares de curso e com os amigos, e também temos aquela liberdade para fazermos o que queremos porque já não vivemos com os nossos pais. Tudo isso ajuda”, explica Luís Mota. A saída da universidade parece ser para muitos uma boa solução para deixar o tabaco, com 52% das respostas a confirmarem isso mesmo. Contudo, houve já alguns jovens que o tentaram fazer, mas sem sucesso. Entre maio de 2016 e abril deste ano, a linha de cessação tabágica registou 2506 chamadas, sendo julho o mês recorde até à data, com 434 telefonemas recebidos. A entrada na universidade significa para muitos a conquista da liberdade por que tanto ansiavam. O “sair debaixo das asas dos pais” revela ser o passaporte para noites de “farra” com os amigos e para novas experiências. Não é só o consumo de álcool que é aliciante para os jovens, o tabaco também é uma das principais tentações. “Dei a minha primeira passa logo no jantar de curso de receção aos caloiros. Cada vez que saía fumava um ou dois cigarros, até que passei a fumar regularmente”, conta Luís. Este é um dos tantos jovens da Universidade da Beira Interior que se iniciaram no mundo do tabagismo. Quando terminarem o ciclo de estudos e regressarem aos seus lares, a difícil tarefa de largar o vício poderá tornar-se mais fácil. |
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