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Belmonte Medieval: Maria Gil Cabral protagonista no regresso à idade média
João Botão dos Santos · quarta, 23 de agosto de 2017 · As recriações históricas em torno da antecessora de Pedro Álvares Cabral marcaram a décima-quarta edição da Feira Medieval de Belmonte que terá contado com um menor número de visitantes. |
Duelo entre os homens de Martim Vasques da Cunha e os homens de Cabral |
22035 visitas A organização conjunta entre a Câmara Municipal de Belmonte e a Empresa Municipal de Promoção e Desenvolvimento (EMPDS) decidiu ser ousada e criou uma narrativa histórica ficcionada. Para o efeito serviu-se da história de Maria Gil Cabral – filha ilegítima do bispo da Guarda, D. Gil Cabral – que terá sido a primeira da linhagem Cabral. A abertura do certame contou com a presença de D. Gil, Bispo da Guarda, uma personagem interpretada por Nuno da Câmara Pereira que em declarações à Rádio Caria relembrou que “à época os bispos podia constituir família e D. Gil tinha a pretensão de vincular às suas terras de Belmonte o seu apelido Cabral”. D. Gil Cabral terá redigido o seu testamento a 30 de maio de 1362 (dias antes da sua morte), documento esse lido em plena varanda da autarquia Belmontense. O Bispo da Guarda deixava assim a Maria Gil Cabral, sua filha ilegítima, o usufruto de todos os bens que possuía antes de ser Bispo, ficando esta obrigada a vincular esses bens a uma Capela na Igreja de Santiago de Belmonte e de constituir um morgado vinculado à mesma. O fadista, que se sente como um “verdadeiro belmontense”, dava assim início ao cortejo de abertura do Belmonte Medieval 2017. Neste primeiro dia houve também lugar à recriação de uma ceia medieval onde toda a população e visitantes poderiam participar, caso se tivesse inscrito com antecedência junto da organização que antecedeu o momento alto da noite: o (primeiro) assalto ao castelo e o “ritual de Sacrifício”. Voltando ao contexto histórico, a decisão do já falecido Bispo da Guarda não agradou de todo a Martim Vasques da Cunha, que não aceitava que uma mulher fosse ocupar o “seu” lugar. Assim, o homem que estava a ser atirado para a sombra decidiu ocupar o mítico castelo de Belmonte, algo que fez a família Cabral ir em busca do seu património. Entre a sátira e o humor presentes na personagem do Sentinela “atento” de Martim e os problemas com o som e um pequeno foco de incêndio (rápida atuação de um bombeiro da corporação de Belmonte estancou as chamas), deram tons homéricos à batalha que saiu favorável à família Cabral, gritava-se, alto e bom som, “viva Belmonte!”. Martim Vasques abandonava assim o morgadio de Belmonte, mas havia de regressar. “O Belmonte Medieval foi feito essencialmente para a nossa população, vai na 14ª edição, e é claro que cada vez temos mais visitantes, o que muito nos orgulha e enche de prazer, o objetivo passa por “ultrapassar os 40 mil visitantes que calculámos no ano passado”, afirmava à Radio Caria António Dias Rocha, edil belmontense. Expectativas estas corroboradas por Joaquim Costa, presidente a EMPDS, que ao mesmo órgão falou do estatuto do certame a nível nacional. “Belmonte está nas quatro melhores feiras a nível nacional, isso é sempre um orgulho para nós. Posso dizer que temos em Belmonte, os melhores grupos de feiras medievais”, defendeu. De regresso ao certame, o segundo dia ficou marcado pelo espetáculo equestre “Os desígnios de Maria Gil Cabral”, a matriarca tinha de preservar a paz e a tolerância entre cristãos e judeus, mas acima de tudo, manter os nobres ocupados para evitar as traições de Martim Vasques, que não concebia que uma mulher estivesse à frente dos destinos de Belmonte. Por entre as ruas do certame encontramos Joaquim Pica, ou “Quim-Zé”, como é carinhosamente conhecido pelos belmontenses, a puxar o seu carrinho de mão artesanal (construído pelo próprio) carregado de “sangue de cristo”, a sua sangria, que modéstia à parte e, entre sorrisos, afirma ser a melhor da feira e aquela que “purifica todos os irmãos”. Conhecido por todos, caminha pela feira, onde para além de ser comerciante faz também um pouco da animação do certame, onde interpreta a personagem de um Frade, e por entre as barracas lá se vai ouvindo o chocalho que o acompanha. “Eu trabalhei sete anos na câmara municipal e ajudei a montar a primeira edição desta feira”, defendeu orgulhosamente, Quim-Zé, que desde então não falhou nenhuma das 13 edições seguintes. Neste momento a residir em Leiria não se coíbe de regressar, despropósito, à terra que o viu nascer sempre na altura da feira medieval, que considera um espetáculo fabuloso. Mas não deixa de apontar o dedo à organização: “Este ano esteve menos gente, a organização penso que apostou pouco na divulgação do certame, foi muito fraca e de um ano para o outro nota-se essa diferença, no futuro esta feira precisa de ser bem divulgada”, defende, acrescentado que para além da divulgação a feira precisa, também, de ser renovada. “Sou belmontense e gosto muito desta terra”, confessou, dando o crédito da ideia do seu carrinho de mão produzido com madeira reciclável à sua mulher. No penúltimo dia do certame a demanda por um herdeiro ganhou contornos de batalha. A recriação histórica reportava ao ano de 1385, data da Guerra de Trancoso, uma guerra penosa para o morgadio de Belmonte que vivia a crise dessa batalha. Maria Gil Cabral, que entregara a sua vida ao senhorio da terra, já com poucas forças depositava todas as esperanças no seu sobrinho, Luís Álvares Cabral. Escreveu assim o seu testamento, tornando-o seu herdeiro, uma notícia que deixou Martim Vasques da Cunha irritado e o levou a invadir o castelo de Belmonte. Uma invasão “demorada” que fez o público perder a paciência e mostrar a sua insatisfação com vários assobios. Mas depois de mais de 40 minutos de atraso lá chegavam os homens de Martim. Godofredo, homem da confiança de Maria Gil Cabral defendeu as muralhas com a ajuda do povo e, apesar da persistência dos problemas com o som, lá se voltou a gritar “viva Belmonte, viva os Cabrais!”. Luís Álvares Cabral assumia assim os destinos do Senhorio de Belmonte e Maria Gil Cabral anunciava o tempo de festa, Belmonte era para sempre dos Cabrais. A décima-quarta edição da Feira Medieval terminava, à semelhança do último ano, com um espetáculo multimédia, desta feita, com a incidência sobre a herança deixada por Maria Gil Cabral, onde as personagens principais foram as mulheres de Belmonte, assim como outros populares da vila. Era tempo de festa, para o ano haverá mais. |
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