Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Uma nova vida depois dos 60
João Nave · quarta, 30 de agosto de 2017 · São quase 15 horas na Praça do Município da Covilhã, zona histórica, que com a concentração dos grandes serviços e escolas na parte nova da cidade tem vindo a perder importância e fluxo de pessoas. Longe vão os tempos em que o “Pelourinho”, como é conhecida esta zona na Covilhã, era o motor da cidade. No entanto nota-se algo de diferente, e nem o muito calor que se faz sentir, bem característico desta altura do ano, impede dezenas de idosos de saírem à rua e procurarem uma tarde diferente e repleta de atividades. |
A dança é uma das muitas atividades desenvolvidas no Centro de Ativ´Idades |
21988 visitas O destino é o piso -2 do Centro Comercial do Sporting, estabelecimento situado perto da Praça do Município, onde discretamente se encontra o Centro de Ativ´idades, espaço dedicado à população sénior com mais de 60 anos, com uma variada oferta de aulas, palestras e atividades, que procuram proporcionar momentos de descontração e lazer aos mais idosos, de forma gratuita. Hoje, quinta-feira, o dia é dedicado à cultura e a atividade da tarde será uma palestra relativa à nutrição. Maria Otília, uma das utentes habituais e mais acarinhadas do Centro, é a primeira a chegar. “O almoço já ficou para trás, está na hora de pôr os neurónios a trabalhar”, afirma com satisfação esta utilizadora. A palestra que decorreu no salão principal teve duração aproximada de 2 horas. Alimentação e até ansiedade foram os temas debatidos, numa sessão que contou apenas com cerca de 10 participantes, o número habitual tendo em conta que este é o dia em que vem menos gente, no entanto todos eles interventivos e sem receio de participar colocando variadas dúvidas, afinal de contas nestas idades todo o cuidado é pouco e muitas são as preocupações. A palestra terminou, mas grande parte dos utentes permanece no estabelecimento. Os corredores são agora o palco da ação: é pois hora de pôr a conversa em dia e também debater sobre o que se aprendeu, ou não fosse este grupo quase como uma família, tendo em conta o número de horas que passam juntos.
Recuperação de uma zona “morta” Mas estes corredores nem sempre tiveram toda esta agitação e vivacidade. Este piso outrora foi uma zona comercial, e onde hoje temos o salão principal, de onde é possível observar todas as outras salas do Centro, já existiu uma “loja dos chineses”, idêntica às que hoje vemos um pouco por todo o lado. A verdade é que o principal estabelecimento comercial na área da Praça do Município era cada vez mais uma “zona fantasma”, e poucos eram os que visitavam este piso, pelo que "a Câmara Municipal da Covilhã decidiu intervir". A 24 de Outubro de 2014 foi inaugurado o Centro de Ativ´idades, que conta nos dias de hoje com mais de 700 utentes inscritos. O estabelecimento trouxe uma nova vida a esta zona mais antiga da cidade serrana, onde se concentra a maior parte da população idosa. Margarida Ribeiro, coordenadora do Centro de Ativ´idades desde o seu início, admitiu que o desafio “não foi nada fácil porque ao início apenas existia um acordo com o departamento de Engenharia Informática, da Universidade da Beira Interior, que colaborava dando algumas aulas. Tínhamos também em funcionamento as aulas de bordado e o baile de quarta-feira. Tudo o resto foi surgindo fruto de muito trabalho.” A verdade é que nos dias de hoje, o Centro de Ativ´idades conta com um vasto leque de atividades, que vão desde aulas a palestras, e todas lecionadas a custo zero, à base do voluntariado, naquele que é um claro entrave, uma vez que, dada a dureza dos tempos que correm, poucos são aqueles que aceitam trabalhar apenas em troca de um certificado. Mas ainda existe quem tenha humildade para tal, e a Universidade da Beira Interior assume-se como o maior parceiro do Centro. O MEDUBI faz colaborações mensais e assegura ainda rastreios de saúde gratuitos uma vez por ano. O mesmo sucede com o departamento de Psicologia, que através de dois docentes, assegura consultas de psicologia todas as segundas-feiras. Alunos de Jornalismo e Engenharia Informática são também colaboradores assíduos.
Uma aluna que é professora E é precisamente uma aluna de mestrado em Jornalismo que todas as sextas-feiras vai até ao Centro ensinar italiano aos mais idosos. O seu nome é Laura Gomes, estudante brasileira que aprendeu a falar italiano fruto de aulas particulares e graças a um período de Erasmus em Itália, que segundo a mesma a “deixou apaixonada pelo país." Laura, que está a fazer o mestrado na Covilhã, descobriu o Centro de Ativ´idades no âmbito de um trabalho para uma unidade curricular da Universidade, tendo sido abordada pela coordenadora para, se estivesse disposta, dar algumas aulas. Assim aconteceu, durante cerca de meio ano, e sexta-feira, dia 2 de Junho, Laura dava a sua última aula. Apenas 4 afincados alunos estiveram presentes, número algo reduzido tendo em conta que já chegaram a ser mais de 10, mas "nesta altura do ano há sempre uma quebra no número de participantes". A aula decorre a um bom ritmo e todos mostram uma vontade enorme de participar e aprender novas palavras, bem como pronunciá-las. No final da aula, é notória uma forte ligação dos utentes a Laura, havendo uma preocupação geral em relação ao seu futuro, e se no próximo ano voltará a dar aulas no Centro, algo que a estudante não consegue ainda confirmar. Esta forte ligação entre utentes e professores é fácil de explicar na ótica da coordenadora, Margarida Ribeiro, que rodeada pelos livros e enciclopédias, que dão vida à biblioteca do Centro, afirma que “Os idosos são como crianças com defeitos semelhantes. Eles têm o dom da palavra e têm sempre razão, mesmo que não tenham, mas também precisam de muito carinho e afeto, e aqui muitas vezes encontram aquilo que não têm em casa, e isto acaba por ser uma segunda casa para eles”. Poder ajudar estas pessoas e ver o seu progresso é para Margarida Ribeiro “a grande motivação para continuar este projeto, e é reconfortante deitarmo-nos à noite e sabermos que fizemos algo por eles, vendo o progresso que registam nas mais variadas atividades traz-nos uma enorme satisfação.”
Nunca é tarde para ser artista Quando se fala em progresso é impossível não mencionar o Atelier de Artes, um dos mais antigos do centro, que tem descoberto bastantes “Picassos”. Numa das mais pequenas salas do espaço, três utentes, acompanhados pela professora Otília, dão asas à sua criatividade e vão colorindo telas de forma descontraída. Um pincelada aqui, outra ali, e o quadro vai ganhando forma, sempre sobre o olhar atento da professora que à mínima dúvida está pronta a auxiliar. O resultado final é muito satisfatório, e a alegria estampada no rosto do senhor Paulo diz bem da importância deste tipo de atividades. Este aspeto é relevado por Otília, que salienta “muitos dos nossos utentes ficam muito contentes com os resultados, e pelo facto de poderem dizer que os seus filhos têm um quadro deles em casa.” A docente está há cerca de 1 ano e meio no Centro, e tal como muitos dos utentes é também já reformada pelo que esta colaboração acaba por ser uma espécie de trabalho para ajudar a ocupar o tempo, e também ajudar a “colocar um sorriso na cara das pessoas, tirar problemas da cabeça de muita gente, que enquanto está a pintar não está a pensar em outras coisas.” Mesmo em frente à sala onde decorre habitualmente o atelier está a galeria, onde entram as melhores obras dos utentes que não queiram levar os seus quadros para casa. Num espaço pequeno estão aproximadamente duas dezenas de quadros, todos eles diferentes e variados, mas com a particularidade de estarem todos eles bastante conseguidos, e de transmitirem uma sensação de vivacidade, com cores fortes e apelativas. Otília destaca o facto de muitos destes quadros “terem sido pintados por pessoas que nunca tinham pegado num pincel”, embora admita que de vez em quando é necessário dar uma ajuda, “o que é normal.” Para além de todo este conjunto de atividades que são desenvolvidas no Centro de Ativ´idades, há ainda passeios, com um custo muito reduzido, e que enchem numa questão de horas, “não sendo muitas vezes possível levar todos os interessados”, como realça a coordenadora do Centro, Margarida Ribeiro. Lisboa, Nazaré e Viana do Castelo, foram alguns dos pitorescos destinos até agora, sendo que na semana de 5 a 8 de Junho decorreu a mais recente viagem, até ao Algarve, na zona de Monte Gordo. O preço acessível, e a possibilidade de viajar com os amigos do Centro até à praia são aliciantes mais que suficientes, que fizeram com que cerca de 50 inscritos se aventurassem, em busca de novas histórias para viver e contar.
Que futuro? Novas histórias e atividades que apenas poderão continuar a acontecer caso o Centro se mantenha em atividade. As eleições autárquicas do próximo dia 1 de Outubro são vistas com apreensão, uma vez que o espaço pertence à autarquia local, e nesse sentido está sempre dependente dos planos por parte dos autarcas em exercício. O que é certo é que os idosos da Covilhã encontraram aqui um espaço onde podem passar tempo, desanuviar o stress, aprender coisas novas e onde encontraram também uma nova família, num espaço que passa despercebido aos mais distraídos, mas que tem certamente dado uma nova vida e alma à zona da Praça do Município da Covilhã. |
Palavras-chave/Tags:
GeoURBI:
|