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O comércio tradicional está em voga
Adriana Gonçalves e Leandra Lícia · quarta, 11 de outubro de 2017 · São poucas as portas que se mantêm abertas no centro da Covilhã. Os tempos mudaram: a cidade industrial por excelência viu ruir as suas fábricas e ficaram apenas os rostos antigos de um passado próspero. |
Na mercearia de Guiomar não falta boa disposição |
22006 visitas É numa das muitas ruelas da cidade neve que encontramos Guiomar Teixeira, um dos rostos desse passado, que agora tem expressão naquilo a que vulgarmente gosta de chamar a sua lojinha de bairro. Aos 64 anos, sentada ao balcão da mercearia, conta como era cheia de brilho a vida antiga em Lisboa, as suas andanças enquanto bailarina, barman e gerente de uma casa de fados. Com metade da sua vida passada na Covilhã diz “não trocar isto por nada”. Veio aqui parar depois de uma operação de recuperação difícil que a obrigou a deixar de usar tacões, de dançar e de se deslocar de um lado para o outro. Há cerca de três anos decidiu dar uma nova vida ao depósito de pão ao lado de sua casa, fundado no ano de 1919. Transformou-o numa mercearia de bairro com pouco mais de dois metros quadrados, que passa despercebida aos olhos de quem passa, mas não aos olhos de quem vive nas proximidades, que aqui encontra um ambiente singular e familiar. Na mercearia vendem-se bens essenciais: pão, leite, arroz, massa e alguns produtos de higiene, e os clientes, todos na casa dos 80 ou 90 anos, são assíduos. Por vezes, vêm apenas para tomar um café, ou para uns minutos de conversa, reconhece Guiomar sempre com um sorriso na cara, e por isso o negócio não rende muito, “ganha-se um cêntimo em cada pão, vende-se um quilo de arroz por mês”. Hoje, ao final de 32 anos passados na Covilhã diz não trocar os seus “velhinhos” por nada, pois vê neles a sua família. Não se trata de vender, mas sim de ajudar os que mais precisam: “vou-lhes levar o pãozinho à porta, arranjo-lhes os pezinhos, corto-lhes as unhas e se tiver fungos vou comprar-lhes pomada”. Guiomar reinventa assim o comércio de proximidade, fazendo com que todos se sintam em casa. É na Rua Marquês D’Ávila e Bolama, uma das avenidas principais da cidade, que encontramos uma pequena barbearia onde também não falta simpatia, com clientes fiéis que desde muito novos vão ali cortar o cabelo. Jorge Berrincha, hoje com 56 anos, conta como com apenas 10 anos começou a aprender o ofício do corte com o seu pai, um negócio que está na sua família há mais de sete décadas. Com a porta sempre entreaberta, Jorge gosta do que faz e não sentiu o impacto da crise neste negócio. Alguns dos seus clientes admitem até fazer mais de 30 km só para irem ali cortar o cabelo. Por vezes, juntam-se três gerações, avô, pai e filho, naquele minúsculo espaço, tudo porque a qualidade do serviço e a boa disposição falam mais alto. Apesar de se esforçar por manter a decoração do local o mais tradicional possível, preservando as cadeiras e os espelhos desde a época do seu pai, Jorge está constantemente a atualizar os penteados e mantém-se a par das tendências do momento, conta. Sentado a um canto da barbearia está Mário Cruz, ajudante de Jorge. Trabalha desde os 14 anos: “Ao sair da fábrica, ao final do dia, vinha aprender para a barbearia”, relata com alguma nostalgia no olhar. Há uns anos teve de fechar a sua própria barbearia, uma das mais antigas da Covilhã, por ter sido submetido a uma cirurgia difícil que o obrigou a deixar de lado o que mais gostava de fazer. Tanto ele como Jorge têm filhos, mas nem os de um, nem os de outro quiseram seguir o ramo dos pais. No ponto de vista de Mário a profissão está a perder-se e sente pena que esta arte possa vir a acabar um dia. Paulo Lopes também seguiu uma profissão que, nas suas palavras, já caiu em desuso. Natural da Covilhã e já na casa dos 40, Paulo é sapateiro nas horas vagas, porque o rendimento não lhe permite viver somente deste ofício. Apesar de tudo, gosta desta profissão, que começou a aprender desde cedo, com apenas 15 anos. Os clientes que o procuram são os de sempre, mas Paulo tenta ser criativo nos arranjos que faz, conquistando novos clientes. A sua maior inquietação é a falta de apoio e incentivos do governo para o comércio tradicional, que o impede de exercer esta profissão a tempo inteiro. Subimos mais uma rua, daquelas que nos deixam sem ar, normal nesta cidade serrana, para encontrarmos uma drogaria bem antiga, mas que se conseguiu adaptar bem aos novos tempos. João Paulo Pereira é natural da Covilhã e, tal como Jorge, também ele começou a trabalhar com o pai, que fundou a loja em 1950. Na altura, faziam-se produtos manipulados compostos por diversos químicos que se vendiam avulso. Agora isso já não é praticado. Com a passagem do negócio para João, este tentou manter mais ou menos tudo, os produtos químicos, de higiene pessoal e utilidades. “Tenho vindo a introduzir outros produtos, por exemplo, produtos para a confeção de sabonetes ou velas que estão muito na moda”, afirma orgulhoso. À semelhança da mercearia da dona Guiomar e da barbearia do senhor Jorge, a clientela do senhor João também é de uma faixa etária mais alta, mas com o tempo tem conquistado os mais jovens. As pessoas que entram na sua loja não pedem uma coisa específica, entram “com um problema, e à procura de um produto para o resolver”, conta João, muito seguro dos bons resultados que consegue alcançar na maioria das vezes. Estes são alcançados não só pela existência de produtos exclusivos, que não há noutros locais porque as próprias marcas não querem entrar no grande mercado, como pela proximidade de João com os seus clientes. “Sou da opinião de que as pessoas vão voltar a procurar o comércio de proximidade por uma questão de personalização da forma como se atendem os clientes”, destaca João. No sentido de dar uma nova vida a produtos antigos, Catarina Portas, jornalista lisboeta, lançou a marca “A Vida Portuguesa (Desde Sempre)” em 2007. Esta nasceu “de uma investigação sobre os produtos antigos portugueses: aqueles que conhecemos há várias décadas, aqueles que mantiveram as suas embalagens originais ou ainda se inspiram nelas, aqueles que ainda se fabricam com uma dose importante de manufatura” e que João ainda mantém na sua loja. A imagem de marca deste projeto são os espaços comerciais centenários e integralmente preservados, onde Catarina expõe produtos que já conquistaram um variado leque de clientes, que se admiram por ver retratado o comércio tradicional de uma forma tão moderna. O negócio conta com diversas marcas antigas portuguesas como parceiras na criação de produtos exclusivos, entre as quais Bordalo Pinheiro, Viarco, Emílio Braga e Serrote. Catarina acredita que os produtos antigos portugueses têm futuro, e as inúmeras lojas que hoje, por todo o país, se inspiram no mesmo conceito e redescobrem as marcas antigas portuguesas são prova disso. A Drogaria Moderna do senhor João é também exemplo disso. Atualmente, tem uma loja online que já representa dois meses de faturação, onde também vendem produtos de marcas antigas. A ideia é crescer mais ainda: “O comércio tradicional está em baixo e a ideia de criar uma loja online surgiu no sentido de combater esse decaimento do comércio tradicional”. |
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