Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
A cidade escolhida
Márcia Soares · quarta, 9 de agosto de 2017 · @@y8Xxv Desconhecem que há algo que os liga, mas que há, há. Telmo, Ricardo, Arménio vieram estudar para a Universidade da Beira Interior e por aqui ficaram. Trocaram o quentinho dos seus lares pelo frio da serra. |
Universidade da Beira Interior, Covilhã. |
22015 visitas Sardoal, Santa Maria da Feira, Tramagal são as raízes destes jovens aventureiros que cedo decidiram que o litoral não era opção. "Não gosto muito de confusão, queria evitar cidades como Lisboa e Porto", desabafa Telmo. E acrescenta Ricardo "sabia que havia sítios que não queria ir. Vivi muitos anos em Lisboa então tanto Lisboa como Porto estavam fora de opção". No Sudeste da Serra da Estrela, a Covilhã recebe todos os anos milhares de estudantes. Uns por escolha própria, outros na falta de melhores médias. Setembro quebra com as ruas despovoadas e com o silêncio da cidade, é o mês do início de um novo ano escolar. Chegaram sem conhecer a cidade ou as suas gentes, mas com a certeza de que a UBI era, de facto, a primeira opção. Arménio, em 1988, ano em que veio estudar para a cidade, aspirava a um curso ligado à área desportiva, que lhe possibilitasse conjugar a componente das aulas e ao mesmo tempo que lhe fornecesse ferramentas ao nível da gestão. A escolha recaiu em Ciências do Desporto, um curso que "tinha as duas valências o que me permitia reunir uma série de capacidades e conhecimentos para poder intervir tanto na componente do treino, das aulas como da gestão", explica. A contrastar com o ambiente repousado da cidade, Arménio não se acomodou, e cedo começou a deixar a sua marca. Logo após o primeiro ano de faculdade associou-se a vários projetos. Membro da Associação Académica, dirigente da Associação Académica de Ciências do Desporto (FADU), presidente do Núcleo de Ciências do Desporto e jogador da equipa da faculdade. "As pessoas têm tendência a dizer que aqui no interior é tudo muito calmo mas a verdade é que é uma dor de cabeça porque tenho sempre o que fazer, trabalho, trabalho, trabalho", confidencia. Proveniente do litoral, mais precisamente da terra das fogaceiras, Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro, Arménio não esconde o carinho que tem pela Covilhã e pela sua gente, carinho esse que faz com que não sinta vontade de voltar às suas raízes. Para muito contribuíram as oportunidades de emprego que logo lhe chegaram no final do curso "foi terminar e começar a trabalhar", adianta.
A incógnita do futuro Ricardo Relvas não teve a mesma sorte. Estávamos no ano de 2000 quando decidiu licenciar-se em Ciências da Comunicação, um curso na altura com a duração de 4 anos que acabou em 5. Terminados os estudos e sem perspetivas de emprego no horizonte, decidiu voltar para o Tramagal. Tempos difíceis, confidencia. "Acabei o curso e não tinha nada, andei uns tempos a questionar-me "E agora? E agora?". Mas como não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, arregaçou as mangas e foi tirar uma pós graduação em Informática e Multimédia através do ISLA de Santarém num programa para jovens licenciados desempregados. Depois sim, faltava um mês para acabar essa pós graduação quando abriu um concurso de estágios da função pública na Universidade da Beira Interior, dizendo agora num tom mais animado “vim, e deu tudo certo". Ainda que confesse que numa primeira fase tenha sido complicado por ser um estágio de nove meses, na Faculdade de Medicina, em áreas um pouco distintas daquela que tinha sido a sua vertente inicial da licenciatura, "trabalhar na área da informática, audiovisuais e de design". Concluído o estágio, já na sua cabeça pairava a hipótese de poder ficar na Covilhã a trabalhar, hipótese essa já levantada na sua chegada à cidade neve. A verdade é que vir estudar para a Covilhã e depois permanecer por cá a trabalhar não estava, desde o início, fora de coagitação, pelo contrário. "Devo dizer que já tinha pensado em vir para cá estudar e depois ficar cá. Desde que cheguei cá, e acho que acontece a qualquer estudante que chega que a Covilhã não é a primeira opção, muitas das vezes quarta, quinta, última e depois se calhar de cá estarem o primeiro mês ficam a gostar disto e com uma ideia completamente diferente do que a que tinham. Eu quando vim para cá apesar de não conhecer nada também gostei do ambiente, gostei das pessoas. E, como tal, era um objetivo meu poder ficar cá depois de acabar o curso", revela Ricardo.
O contributo a quem os recebeu Ficar a trabalhar na Covilhã também era um dos objectivos de Telmo Lopes que admite que estudar na cidade durante seis anos faz com que "se vá aprendendo a gostar da Covilhã e da sua gente". Entrou na Universidade da Beira Interior como primeira opção, procurando desde logo um curso que lhe oferecesse garantias a nível profissional. Viu em Tecnologias e Sistemas da Informação uma certeza, ainda que a adaptação aos novos conceitos de estudo não se tenha afigurado fácil, muito por ter optado por uma vertente totalmente diferente da sua área do secundário: Ciências e Tecnologias. Tal não o impossibilitou de concluir a faculdade com êxito, e de ainda ter a oportunidade de fazer Erasmus em Bialystok, Polónia. Experiência enriquecedora do ponto de vista pessoal e profissional, o programa Erasmus pode ser um trunfo no ingresso no mercado de trabalho. "O meu curso tem Estágio Curricular o que é importante para produzir uma noção do mundo do trabalho na área. Foi a única experiência que tive na área mas ajudou-me bastante". Tal bagagem de experiência e conhecimentos proporcionaram-lhe várias entrevistas e até a possibilidade de escolha na hora da decisão: "felizmente na área da informática pude dar-me ao luxo de escolher a proposta na qual me encaixava melhor, e foi mesmo a melhor escolha que poderia ter feito", congratula-se Telmo. Telmo contou com a ajuda de um ex-colega de curso que já trabalhava na empresa e lhe ia passando informações sobre a ReadinessIT. Quando lhe disse que estavam a recrutar recém-licenciados, não hesitou em tentar a sua sorte. A ReadinessIT é uma empresa especializada em Integração de Sistemas no ramo das telecomunicações que conta na sua equipa pessoal com colaboradores com mais de 15 anos de experiências em projetos de alto perfil, o que lhes permite deter um conhecimento profundo acerca dos desafios e problemas que enfrentam constantemente nos novos projetos que surgem. "De início estive como administrador da base de dados para um projeto na Namíbia, onde a equipa era responsável pela migração e extração de dados dos clientes dessa empresa. Recentemente fui colocado noutro projecto, desta vez para o Chile, e sou developer na ferramenta Order Care da Ericsson, sendo que a minha função é desenvolver o catálogo da operadora, ou seja, fazer o sistema para que quando um cliente pede a subscrição de um determinado serviço, fique tudo associado a esse pedido", conta. Namíbia e Chile, países do Continente Africano e Americano, respetivamente, pelo facto de "os projectos da empresa em que estamos envolvidos serem todos internacionais". Ricardo não pode dizer que teve a oportunidade de escolher ofertas de emprego ou ainda que tenha ficado a trabalhar na sua vertente académica. A verdade é que foi a sua pós-graduação que lhe facultou as ferramentas necessárias para assumir funções na Universidade: "Sou técnico superior e apesar de ter tirado Comunicação estou na Faculdade de Medicina na parte de informática, trabalho em Design de Comunicação, em imagem". Mais tarde, decidiu conciliar o trabalho novamente com o estudo. Apostou em alargar os seus conhecimentos e enriquecer o currículo através da obtenção do grau de mestre, e como tal candidatou-se a mestrado em Jornalismo com o tema "Produção, Integração e Aplicação de Conteúdos Audiovisuais no ensino da Medicina", finalizado em 2009. "Como o curso entretanto já tinha sido reformulado resultante do processo de Bolonha, acabei por ter equivalências das cadeiras correspondentes ao primeiro ano de Mestrado". Uma vantagem que fez toda a diferença na hora de escolher a área pois reconhece que as câmaras não são o seu forte, e "o à vontade a falar para um gravador também não". O doutoramento não faz parte dos seus planos. Prefere dividir o seu tempo no trabalho com outro projecto ligado ao desporto, criado em parceria com a AAUBI. O convite surgiu há cinco anos atrás aquando se deparou com a possibilidade de poder ser treinador da equipa de juniores. Não vacilou. A posteriori foi ainda convidado para integrar a direção da colectividade, da qual faz parte até hoje. “Juntamente com três elementos da AAUBI, há três anos decidimos iniciar o projecto do GD Mata/AAUBI. Integrei o conselho de coordenação do clube, ficando ligado à parte da comunicação (cartazes, comunicados, vídeos) e sou director das equipas dos vários escalões”. Ricardo, director, Arménio, treinador e técnico de formação do GD Mata/AAUBI. Mas como o seu objetivo era estar ligado ao desporto e à gestão, ambicionava mais. O esperado chegou há sete anos atrás quando surgiu a oportunidade de trabalhar nas Aldeias Históricas de Portugal, associação de desenvolvimento turístico cujo objectivo é promover o desenvolvimento turístico da Rede "Aldeias Históricas de Portugal" da qual fazem parte Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso. O conhecimento que já possuía adquirido pelas experiências após o término do curso permitiram-lhe abraçar esta causa. "As aldeias históricas apareceram-me de uma experiência que eu tive já depois de acabar o curso, dentro da componente da organização estive a trabalhar numa associação de desenvolvimento local, a trabalhar directamente com fundos comunitários", revela. Considerando assim que foi essa experiência que lhe permitiu estar a trabalhar no âmbito do desenvolvimento local e da intervenção regional direcionada para as melhorias de todas as condições à volta das aldeias. Os conhecimentos ao nível do associativismo possibilitam-no hoje intervir a este nível. Ainda que reconheça que o tempo restante não é muito, tenta fazer os possíveis de forma a seguir o seu lema de que "é preciso fazer pela vida!". Desengane-se quem pensar que nesta cidade não é preciso suar para alcançar. "São meios mais pequenos mas muito exigentes e competentes”, e para aqueles que acham que o litoral é sinónimo de um variado leque de oportunidades em contraste com o interior, Arménio responde que "aqui temos certas oportunidades que não temos lá, e as pessoas têm mais é de olhar a isso porque a verdade é que cá é possível fazer coisas maravilhosas".
Vida na Beira? Por agora, a ideia de regressar ao litoral está posta de lado. A realização profissional, a esposa que trabalha na Covilhã, os dois filhos que já nasceram cá e os laços já criados alimentam a vontade de ficar. Vontade igualmente partilhada por Telmo e Ricardo. Este último vê a Covilhã como "uma das poucas cidades que oferece qualidade de vida", aspeto esse que no seu ponto de vista é o que a diferencia. Em jeito de curiosidade conta que há situações que presencia que o deixam a refletir do quanto é diferente viver na tranquilidade da cidade neve: "Faz-me um bocado de confusão muitas pessoas de cá quando por exemplo estão na rotunda da Anil com uma fila de dois ou três carros e já começam a buzinar e stressar", ri-se. Mas termina com a certeza de que "É muito bom trabalhar na Covilhã, faço aquilo que gosto e sinceramente não me posso queixar!". Da Covilhã para o Fundão, Telmo descreve a capital da cereja como "uma cidade pacata e em grande crescimento empresarial". Sente-se a trabalhar num ambiente familiar, à medida que vai conhecendo os fundanenses. No futuro que se avizinha projeta evoluir ainda mais na carreira: "Todos os dias se aprende algo de novo e vai-se consolidando as bases. "Posso dizer que já cresci muito quer profissionalmente quer como pessoa". A viver uma experiência muito positiva "proporcionada pelo ambiente fantástico de trabalho", só espera continuar na Beira Interior por "largos e bons anos", atira. E, ainda que o Fundão seja a sua residência profissional, no final do dia volta sempre à terra que o viu formar-se. Não são casos únicos e apontam para outros colegas que também ficaram a trabalhar na região. Ao que parece, para alguns, na cidade em plena serra sobrepõe-se o calor no peito ao frio das mãos. |
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