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Vidas Paralelas
Francisco Nascimento e Afonso Canavilhas · quarta, 28 de junho de 2017 · Junto a um microfone, com a bola nos pés ou de apito na boca, há paixões que nos marcam e, na melhor das hipóteses, integram o nosso quotidiano. Hugo Marcelo, Nuno Couto e Carlos Xistra, são três exemplos de vidas geridas a dois tempos, tendo por base a paixão por mais do que uma arte ou profissão. |
Hugo Marcelo, Nuno Couto e Carlos Xistra, movidos pela paixão |
21982 visitas Profissionalmente, Hugo Marcelo divide o seu tempo entre a confeção e a restauração, sem nunca abdicar de uma das suas grandes paixões: a rádio. Nuno Couto, um ícone do futsal português, continua a dividir o seu tempo entre os treinos diários da equipa sénior da Associação Desportiva do Fundão e as aulas de educação física que leciona aos alunos do ensino básico. No caso de Carlos Xistra, a paixão resultou em casamento e, há três anos atrás, abandonou as funções que exercia Hospital da Covilhã para se dedicar única e exclusivamente à arbitragem. São oito horas da manhã. O sinal horário da Rádio Cova da Beira antecede o início de mais uma edição do programa "Companhia da Rádio", conduzido por Hugo Marcelo. É domingo e, na cidade do Fundão, os sinos que chamam a população para a eucaristia ainda não tocaram. O movimento ainda não tomou conta das ruas, mas Hugo já dá voz e música aos seus ouvintes que acabam de acordar. Com uma boa disposição contagiante, o locutor radiofónico vive a atividade pela qual se apaixonou aos 16 anos, quando visitou a Rádio Cova da Beira a convite de um amigo. Ao entrar nas antigas instalações da rádio, na Avenida da Liberdade, confessa que "foi amor à primeira vista", iniciando-se no estúdio. No entanto, obrigações profissionais ditaram um afastamento doloroso – admite que deixou de ouvir rádio - que se prolongou até há três anos, altura em que voltou a fazer aquilo que mais gosta na sua casa de sempre, a Rádio Cova da Beira. O "Entre nós", às quartas-feiras, marcou o regresso de Hugo Marcelo à antena da estação, apresentando "um registo ligeiro com alguns apontamentos", do género do tradicional "Oceano Pacífico" da RFM. Há três anos que o programa permanece na grelha da Rádio Cova da Beira, resistindo às alterações semestrais. Volvidos dois anos, surgiu o convite para um novo programa, emitido nas manhãs de domingo das 8h às 10h, em direto, que implicava levantar-se às 6h da manhã. O "homem dos mil ofícios" aceitou a proposta e confessa que "não se importa de se levantar de madrugada", dado o enorme prazer que a rádio lhe proporciona. Na RCB, Hugo trabalha única e exclusivamente por "amor à camisola", camisola essa que veste mesmo quando está a desempenhar funções que lhe garantem retorno financeiro. De segunda a sexta, de phones nos ouvidos e imune ao ruído que o rodeia, trabalha numa fábrica sediada no concelho do Fundão e idealiza o próximo programa. Aos fins-de-semana, assim que abandona as instalações da Rádio Cova da Beira, dedica-se ao emprego mais relacionado com a sua área de formação, realizando um curto trajeto até Alpedrinha para trabalhar na área da hotelaria e restauração. Dos relvados para as quadras "Quando se fecha uma porta, abre-se uma janela". Nuno Couto que o diga: uma das caras mais conhecidas do futsal nacional, que se viu obrigado a trocar os relvados pelas quadras. A entrada no ensino superior ditou uma alteração na carreira do atual capitão beirão da Desportiva do Fundão, que continua a desdobrar-se entre o desporto de alta competição e as aulas de Educação Física que leciona a alunos do Ensino Básico. No caso de Nuno, as duas atividades não decorrem em linhas paralelas, tendo em conta que as duas se inserem na mesma área, o desporto. Após quatro anos de constantes viagens entre Castelo Branco (onde estudou) e Fundão para treinar ao final do dia, Nuno Couto começou a exercer na cidade de onde é natural. Aos 32 anos, defende as cores da Desportiva há 11 e participou em todo o processo evolutivo do clube, desde a subida ao escalão máximo do futsal português até ao vice-campeonato, com a conquista da Taça de Portugal por parte da equipa da terra da cereja a situar-se no topo do "bolo". É o único jogador do plantel nestas condições, uma vez que os demais não têm outra função profissional fora do futsal. É o caso de Rafael Abdul, David Gomes, Bruno Serôdio e Fábio Mota, que são estudantes na Universidade da Beira Interior. A conversa decorre ao final da tarde, no Fundão. Até meados de agosto, Nuno Couto terá disponibilidade neste horário, uma vez que a época terminou no último dia de maio, com a derrota frente ao SC Braga/AAUM nos quartos-de-final do "play-off" da Liga SportZone. O plantel principal da Associação Desportiva do Fundão treina diariamente ao final da tarde, cinco dias por semana e Nuno Couto dirige-se para o Pavilhão Municipal do Fundão depois de terminar de lecionar as suas aulas. O seu horário letivo, maioritariamente na parte da tarde, permite-lhe participar nos treinos de ginásio durante o período da manhã, antes de regressar ao pavilhão para a sessão vespertina. A nível demográfico, as perspetivas de futuro para o Interior não são animadoras e Nuno Couto fala numa "redução do número de crianças, no aumento do número de escolas encerradas e, consequentemente, na redução de carga horária" que tem sofrido. A acumular as duas funções há mais de uma década, revela que "o futsal, mesmo na primeira divisão, não dá uma garantia suficiente de modo a poder abdicar de dar aulas". Outrora camisola 20, o jogador cujas qualidades motivaram a criação de um cântico por parte dos adeptos – "ele é o número 20, finta sempre em sprint, é melhor que o Falcão, é o Couto do Fundão" – atualmente exibe o 7 nas costas e é um dos jogadores mais experientes da equipa. Sem abordar a possibilidade de pôr termo ao seu percurso no futsal, revela que, com o passar do tempo e o acumular das duas funções, pode chegar ao "final da semana com algum desgaste acumulado". Privilégio à paixão Cresceu no "velhinho" estádio Santos Pinto, outrora a fortaleza do Sporting Clube da Covilhã. A paixão pelo futebol desde cedo ficou enraizada e Carlos Xistra nunca mais se conseguiu dissociar dela. Não enveredou pelo caminho mais lógico, o de jogador ou treinador, optando por uma vertente que está constantemente "debaixo de fogo": a da arbitragem. Há três anos, beneficiou com a profissionalização da arbitragem em Portugal, passando a dedicar-se exclusivamente a esta atividade. Nem sempre foi assim. Durante 14 anos, dividiu o seu tempo entre os 22 artistas e o seu gabinete no Centro Hospitalar Cova da Beira, na Covilhã, exercendo as funções de administrativo. O trabalho no hospital em nada tinha a ver com a arbitragem, a não ser na altura em que assumia o papel de júri, por ocasião da realização de concursos no hospital, transpondo a "imparcialidade obrigatória" dos relvados para a sua principal atividade profissional. Xistra trabalhava sete horas diárias como administrativo durante a semana, fazendo mais duas de treino todos os dias, situação "extremamente desgastante a nível físico e mental". Chegava tarde a casa, e por vezes com pouco tempo para a família. Carlos Xistra percebeu que era cada vez mais difícil conjugar os dois empregos, não estando "com a cabeça na arbitragem, nem nos assuntos do hospital". A solução foi pedir uma licença sem vencimento ao centro hospitalar, optando pela sua grande paixão. Quando terminou o curso de árbitro e começou a ajuizar jogos em 1992, nunca pensou alcançar o patamar atual. Chegou à terceira divisão "sem nunca ter pensado que tal fosse possível". "Olhava para a segunda e no início achava a sua subida improvável", contudo, como chegou a este nível "muito cedo", sabia que devido à larga margem de progressão tinha todas as condições para ser árbitro de primeira categoria, o que ocorreu em 2000, e posteriormente juiz internacional. Faltando duas épocas para o seu contrato terminar, pois os regulamentos determinam que os árbitros devem exercer até aos 45 anos, podendo prolongar a carreira até aos 48 mediante convite, Xistra não sabe se terá oportunidade de renovar. No entanto, não se mostra preocupado com essa questão. Uma coisa garante: vai continuar ligado ao futebol, seja como um dos juízes responsáveis pelo moderno "vídeo-árbitro", ou quem sabe, como comentador num meio de comunicação social, "sempre no sentido positivo de mostrar o que de melhor há na arbitragem". Para estes três beirões, a paixão fala mais alto, mesmo que isso implique conjugar "vidas paralelas". |
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