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Retrato de uma vida - Entrevista com a poetisa Maria Albertina Amélia
Vera Matias · quarta, 23 de agosto de 2017 · É na já um tanto esquecida aldeia das Minas da Panasqueira, onde em meados de 1886 se iniciou a exploração de volfrâmio, que encontramos a poetisa Maria Albertina Amélia. Nascida a 28 de setembro de 1939, nesta terra do couto mineiro, filha de mãe solteira, gostava de ter prosseguido os estudos e sonhava ser enfermeira, mas as dificuldades económicas da família só lhe permitiram ficar na escola até à terceira classe, e só aos 17 anos conseguiu ter a oportunidade de concluir a quarta classe. Depois da reforma, Albertina dedicou-se mais à poesia e hoje tem um livro editado, lançado em 2005, intitulado “Poemas da Minha Vida”, com textos dedicados à fé, profissões heroicas como a de bombeiro, à família, inspirados na vida mineira e na vida da autora. |
Maria Albertina Amélia com o seu livro "Poemas da Minha Vida" |
22026 visitas Quando começou a escrever e a ter interesse pela poesia? Albertina: Comecei a escrever muito pequena, praticamente desde que fui para a escola e aprendi a escrever. Na altura só tinha um irmão, nove anos mais novo que eu, não tinha irmãs, mas sentia dentro de mim que precisava de falar com alguém, então "vingava-me" no papel, mas só quando me acontecia algo de bom ou de mau. E assim continuei sempre, escrevia texto corrido só que às vezes as coisas calhavam a rimar mas não dava valor. Tinha um caderno sempre na mesa-de-cabeceira e uma esferográfica ou lápis dentro da gaveta, e à noite, quando me deitava, escrevia aquilo que cá tinha dentro e que não queria dizer á minha mãe para ela não ficar magoada, preocupada ou chateada. A poesia só veio depois, quando um dia, um dos meus filhos me veio pedir para lhe escrever um poema para a telescola (correspondente ao 2º ciclo de escolaridade). Ia haver um concurso e queriam que as crianças levassem um poema sobre o que os mineiros usam e o que eles precisam dentro da mina para trabalhar, então eu escrevi-lhe o poema. Na altura o padre Leal fazia o jornal O Mineiro e queria publicar o vencedor do concurso. Acontece que o poema que ganhou foi o que eu escrevi para o meu filho, e acabei por publicá-lo. A partir daí, sempre que havia algum acontecimento ou data especial, pedia-me para escrever um poema. Como surgiu a oportunidade de editar um livro? Albertina: Houve um dia em que o padre Leal, me perguntou se eu só escrevia quando ele me pedia, e eu disse que escrevo quando há algo que me preocupe, ou aconteça algo no trabalho, ou tenha uma alegria qualquer, ou uma tristeza qualquer e como não gosto de contar a minha vida a ninguém, escrevia e lia, se era caso de chorar chorava, depois rasgava e ficava bem. O padre então disse-me "Vamos fazer um acordo, tu não vais rasgar mais poema nenhum, vais guardá-los, porque eu um dia levo-os a uma editora para te fazer um livro", e eu nem queria acreditar. Acabei por fazer o que o senhor padre me pediu, escrevia e depois guardava, só que passado muito tempo o padre Leal morre de repente, sem que se estivesse a prever, e sem que eu lhe fosse entregar os poemas. Então rasguei o braçado de poemas que lá tinha porque já não iam servir para nada. Depois desta expectativa de publicar ter sido perdida, de onde surgiu o seu livro "Poemas da minha vida"? Albertina: Houve uma altura em que fiquei doente, tão doente que cheguei a perder o andar. Ao ver a minha situação agravar-se, ainda sem saber o que tinha, temi pela minha vida e comecei a pensar que não ia acabar de criar os meus filhos. Então peguei no dito caderno e escrevi o poema "A minha biografia", que fiz de propósito para deixar aos meus filhos. Contei a minha vida em verso, para os meus filhos saberem que eu não era aquela mulher sempre sorridente, sempre bem disposta para eles que nunca mostrou dificuldades, forte, que nunca parava, que fazia tudo, que tratava deles, que os educava e da qual eles nunca conheceram as tristezas. E eu pensei, os meus filhos vão saber que eu não era só aquela mãe que eu mostrava ser para eles que era do grande amor que lhes tinha, então vou dixar tudo isso, aqui, no caderno e disse-lhes "só quando eu morrer é que vós abris este caderno e ledes este caderno". Depois acabei por melhorar com os medicamentos e voltei a trabalhar. Mais tarde no verão era a festa de Santa Bárbara a padroeira daqui da Panasqueira e não havia nada de especial para atuar na festa. As senhoras daqui decidiram organizar um rancho para ir dançar no largo. Fui eu que fiz a marcha a partir de uma antiga mas que já ninguém se lembrava da canção completa, e fiz-lhe os versos para a completar. A propósito da inauguração do Clube dos Amigos da Panasqueira, o edifício tinha ardido e foi econstruido, queriam que fizesse uma letra nova para ser cantada pelo rancho na inauguração. Só que quando fiz a letra e o diretor do Lar de Idosos a leu achou que aquilo não era para ser cantado no rancho, mas sim um bonito poema para ser declamado, então ficou um poema, e fiz outras cantigas para o rancho. Declamei o poema na inauguração e todos gostaram . Ficou decidido que me iam fazer o livro, e pediram-me todos os poemas que tinha. Fiquei muito feliz, a Câmara Municipal da Covilhã e a Junta de Freguesia de São Jorge da Beira encarregaram-se de tratar da edição do livro. O lançamento foi a 23 de abril de 2005 no Clube dos Amigos da Panasqueira. Ainda continua a escrever poemas? Gostaria de publicar outro livro? Albertina: Sim, nunca parei de escrever, e gostava de publicar outro livro, até porque tenho poemas suficientes para isso e também porque tenho o desejo de publicar outro livro ainda em vida. Em relação à sua experiência de vida, como define o seu percurso? Albertina: No meu percurso de vida passei por grandes desgostos, mas o maior foi ser mãe de cinco filhos e perder dois deles, um ainda muito pequenino com 15 dias de vida, e outro com 23 anos num acidente dentro da mina; e perder também a minha mãe. Cuidei dela sempre e ela faleceu junto a mim com 97 anos. Apesar das adversidades consegui criar os meus filhos e hoje já são homens feitos que constituíram família e já me deram netos. Hoje gostava de ter mais saúde, mas ainda assim tento manter-me ativa e independente, vivo na minha casinha recebendo assistência domiciliária, vou a atividades do Lar de Idosos, faço parte do Coro Sénior da Santa Casa da Misericórdia do Fundão. Mas apesar das muitas dificuldades que passei consegui tudo superar e ser feliz. Há alguma coisa da qual se arrepende ou tem pena de não ter feito? Albertina: Tenho pena de não ter continuado os estudos, mas a minha família não tinha posses, estudei até à terceira classe mas depois nasceu o meu irmão e tive de ficar em casa a tomar conta dele, para a minha mãe poder trabalhar. Aos 17 anos, trabalhava eu ainda como servente de limpeza da Empresa (Beralt Tin & Wolfram), quando promoveram a alfabetização dos empregados através de escola em horário pós laboral. Tinha aulas à noite, e assim pude concluir a quarta classe. O meu sonho era ter sido uma boa enfermeira. Foi nascida e criada nas Minas da Panasqueira, vivenciou o que foi a exploração mineira do volfrâmio. Consegue fazer um retrato do que já foi esta aldeia? Albertina: Os únicos trabalhos que havia eram relacionados com a mina, quer na limpeza dos edifícios da empresa, no apoio à mina onde se trabalhava nas lavarias onde lavavam o minério, na manutenção e serviços. Esta terra girava toda em volta da empresa, que era basicamente dona de tudo para além das minas. Os empregados viviam em casas cedidas pela empresa, os edifícios e infraestruturas como a casa do Cinema o Clube dos Amigos da Panasqueira, a piscina. Na altura tínhamos comércio e serviços como posto médico e de polícia, lojas, escolas. Chegaram a cá viver à volta de 2000 pessoas, mas a vida de mineiro era difícil, não havia nem metade da maquinaria que existe hoje em dia. Os mineiros quando saíam do turno nem se conheciam uns aos outros de tão sujos e cansados que estavam. Era uma vida perigosa, e o número de acidentes muito maior que hoje em dia, a mina deixou muitas mulheres viúvas e muitas crianças órfãs. No entanto era também a mina que dava vida a esta terra… Viu exploração o cessar na Panasqueira e "deslocar-se" para a aldeia vizinha, Barroca Grande. Como ocorreu a transição, o que mudou? Albertina: Quando as bocas da mina fecharam, só ficaram as equipas de manutenção a selar as entradas e a terminar os trabalhos. Despediram muita gente e deram-lhes a escolher entre ficarem com a casa que lhes tinha sido cedida ou uma quantia de dinheiro. Muitos foram embora, alguns ficaram nas casas, outros foram trabalhar para a Barroca Grande onde iam abrir a nova frente da mina para explorar novos filões de volfrâmio, exploração que até hoje lá continua, e ainda emprega muita gente, agora com as novas máquinas e tecnologias os acidentes são raros. Aqui na Panasqueira dos que ficaram foram-se indo embora deixando a terra cada vez mais despida de gente, deixámos de ter posto médico, e ao longo dos anos as coisas foram-se degradando cada vez mais, o cinema, a piscina, as casas não habitadas, até o coreto, só o Clube e a Capela de Santa Bárbara é que ainda estão conservados, os comércios fecharam todos a escola primária também. Agora que tudo está alterado, quais as perspetivas do que pode ser o futuro desta aldeia? Albertina: O futuro que a espera é o mesmo de muitas terras pequenas por esse país fora, não há cá trabalho sem ser nas minas na Barroca. Os jovens que cá estavam mudaram-se para perto das cidades ou emigraram. Os que cá vão nascendo, cada vez em menor número, igual destino os espera. Ficaram as pessoas mais velhas que vão morrendo, aos poucos isto vai desaparecendo até só sobrarem as casas. É a realidade que vivemos, é infelizmente o que muitas terras isoladas têm como futuro, que mais parece um regresso ao passado mais antigo, que era o de quando ainda não existia cá nada. |
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