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"Mais trabalhador que estudante"
J. Machado dos Santos · quarta, 9 de agosto de 2017 · @@y8Xxv Hugo Lopes, de 27 anos, originário da Guarda, está no segundo ano de Design Industrial na Universidade da Beira Interior. No dia 20 de maio recebeu das mãos do vice-reitor da universidade o prémio da bolsa de mérito, atribuído ao estudante com a melhor média do curso, relativo ao seu primeiro ano em 2015/2016. Hugo passa também entre 38 e 39 horas por semana a trabalhar no McDrive da Covilhã. No dia desta entrevista, entre a apresentação de um projeto académico que terminou às 18h e a sua hora de entrada no emprego, às 19h, o trabalhador estudante ainda conseguiu tempo para falar connosco. |
Hugo Lopes |
21999 visitas URBI: Com 27 anos, no segundo ano de licenciatura, tem feito um percurso pouco usual. Hugo Lopes: Sim, eu comecei no curso de Química Industrial. Mas depois de um ano passei para o de Eletromecânica que era o que eu queria inicialmente. Passado dois anos vi que afinal não era bem aquilo que eu queria. Havia duas disciplinas que não conseguia fazer porque não me puxavam, não me davam vontade, então acabei por trocar. Ainda estive um ano na Guarda onde tirei um curso de autoCAD, mais propriamente desenho técnico. Depois entrei para Design Industrial. U: Teve direito a bolsa durante esses anos? HL: Tive bolsa no primeiro ano em Química Industrial e depois os três em Eletromecânica. Depois, como há uma regra de que só podem dar bolsa 3 anos, mais um se fizer transferência de curso, a partir daí já não tive mais bolsa. E isso aplica-se a mais coisas, se tiveres mais de quatro anos na universidade não tens direitos a certas ajudas. U: Quando entrou em Design Industrial, já não tinha bolsa. Começou logo a trabalhar? HL: Comecei a trabalhar no verão, a juntar dinheiro. E o curso que tirei no ano que estive parado também era pago, então juntei algum dinheiro. No primeiro ano, sobre o qual ganhei a bolsa de mérito, não trabalhei durante o período escolar. U: E a bolsa de mérito, foi um bom incentivo de recompensa pelos estudos? Foi resultado de estar no curso certo também? HL: Foi, foi porque eu quando comecei em Design Industrial estava-me a sentir como um peixe dentro de água. Tanto a estudar como a fazer os projetos, sinto-me bastante à vontade. E talvez porque seja isso que eu quero fazer. E também foi pelo motivo de não ter dinheiro nem bolsa, e portanto precisar de alguma forma de me sustentar. Então vi que havia bolsas e prémios de mérito apontei para isso. U: A bolsa de mérito era um objetivo logo de início? HL: Sim, no fundo sim, mas também me esforcei ainda mais para ter boas notas porque as coisas começaram a correr bem. Eu então querendo continuar a onda de boas notas, esforçava-me ainda mais. U: O trabalho no Mc Donald’s, ocupa muito do seu tempo? HL: É em regime de part-time, mas como preciso, disse que não me importava de fazer umas valentes horas. Faço entre 38 e 39 horas por semana, quase full-time. U: Tem estatuto de trabalhador estudante? HL: Tenho. U: E consegue conciliar as duas coisas? Ou está a afetar os estudos? HL: Está a afetar um pouco, os horários que eu tenho são praticamente só à noite, então muitas vezes saio por volta da 1h ou 2h da manhã. E entro à tarde, por isso é logo a tarde completamente perdida. E chego a casa cansado, não tenho tempo para estudar. De certa forma está a afetar um bocado os estudos. U: E isso acaba por o fazer faltar a aulas? HL: Sim, muitas vezes falto às aulas. U: Como concilia os estudos e o trabalho na prática? HL: Para conciliar o trabalho com a universidade pedi para que os meus dias de folga coincidissem com os dias em que tenho mais aulas na universidade, ou seja, não tenho nem férias, nem propriamente fim de semana ou folgas. Quando não estou a estudar estou a trabalhar, quando não estou a trabalhar, estou a estudar. Por isso, descanso é impossível. U: Então fazer trabalhos ou estudar tem que ser tudo feito nos dias das folgas do trabalho? HL: Sim. Ou então reduzir algumas horas de sono. Ou passar alguns dias sem dormir. U: Passar dias sem dormir? HL: Sim, algumas vezes, quando tenho trabalhos para fazer. O meu curso é mais prático, tenho muita coisa manual para fazer. U: E vai trabalhar sem dormir, ou vai para as aulas sem dormir? HL: Já fui para o trabalho sem dormir e já fui para as aulas sem dormir, já aconteceram as duas coisas. U: Trabalha até que horas? HL: Depende dos dias, muitas das vezes o meu horário é entrar à tarde e sair à 00h ou 1h da manhã, e ao fim de semana costuma ser trabalhar ao almoço e à noite, saindo umas vezes às 21h outras vezes às 22h. Depois ainda ir para casa a pé, é mais uma hora. U: E depois disso ainda vai a pé para casa? HL: Sim. Ir para o trabalho vou sempre a pé. É cerca de uma hora de distância quando não tenho boleia. Optei por isto porque os autocarros são um bocado caros e mesmo com passe, estar a dar cerca de 35€ por mês também não ajuda muito. Então é mais um sacrifício que faço. Às vezes complica os horários. Por exemplo num dia em que tenho aulas até às 17h, e entro no trabalho às 17h30, peço à professora para sair meia hora mais cedo, e então vou a pé diretamente da escola para o trabalho, já levo a farda pronta e tudo. U: Como foi o dia hoje por exemplo? Trabalhou ontem à noite? Acordou a que horas? HL: Ontem trabalhei. Até à meia-noite. Hoje acordei por volta das 9h, tinha aulas às 10h. Tive que almoçar na cantina porque não tenho tempo de ir a casa que fica um bocadinho longe da universidade, cerca de 20 minutos, e fui diretamente para as aulas da tarde. Saí às 17h, mas como ainda tive que apresentar um trabalho a outra professora eram cerca de 18h quando saí. Vou trabalhar agora às 19h, até à 1h. U: Um dia preenchido. (risos) HL: Anteontem não dormi sequer, tinha que apresentar um trabalho. Tive aulas e trabalhei das 19h à meia-noite também no dia anterior. Fui para casa a pé, tomei banho e fui diretamente para a biblioteca, onde cheguei por volta das 2h. Estive lá até às 9h da manhã, hora da aula. Depois dormi um bocadinho até às 13h e voltei para as aulas da parte da tarde. U: Como é que não adormece nas aulas? HL: Já houve casos em que… quase que me deu sono. U: Quase? (risos) HL: Sim, eu não sei como não me dá sono. Não sei se é do hábito, se é muito café, muita Coca-Cola, muita coisa… U: Há tempo para hobbies ou vida social? HL: Neste momento não, não tenho. Tentei fazer um pouco de ginásio para aliviar o stress, mas tive que parar por enquanto porque não tinha mesmo tempo. E quando tinha, era no tempo de pausa de algumas horas que tenho no trabalho, quando entro de manhã, aproveitava para ir ao ginásio e depois voltava para o trabalho. Mas isso é raro acontecer. U: Como arranja motivação para sustentar um horário tão apertado? É o gosto pelo curso? HL: É o gosto pelo curso U: E vale a pena o sacrifício? HL: Vale, vale. Senão não teria como pagar o curso, nem as minhas contas. U: Para bolsa de mérito correspondente a este ano, planeia repetir a façanha? HL: Não. Porque as notas baixaram por causa do trabalho. U: Se a bolsa de mérito que venceu, de 2015/2016, tivesse sido atribuída logo no final do ano correspondente, teria mudado alguma coisa? HL: Sim, talvez eu conseguisse reduzir as horas de trabalho e ter mais tempo para estudar. Porque eu não reduzi para ter o dinheiro suficiente para pagar tudo, que fazendo as contas é praticamente o ordenado que eu recebo por mês. Vai tudo à vida nos estudos, nas propinas, na renda, nas contas, na comida, etc. U: Para o próximo ano, o plano é continuar a trabalhar as mesmas horas e estudar? HL: Sim, o plano é continuar. U: E no futuro, é nesta área que quer trabalhar? Em que trabalho se imagina neste campo? HL: Eu digo sempre que gostava de ser um designer de brinquedos, eu gosto de mexer com brinquedos. Além de ser uma indústria bilionária, acho que tenho mais saída por aí. Senão qualquer coisa relacionada com design também é bom. |
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