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Aqui há vontade de fazer coisas
João Botão dos Santos · quarta, 16 de agosto de 2017 · Proatividade, empenho e muita criatividade. Características que assentam como uma luva em Elisa Bogalheiro. Se o “Aqui há beira” junta toda a Beira Interior num aplicativo móvel, Elisa com a sua predisposição natural para “fazer coisas” luta contra a apatia da região |
Elisa Bogalheiro na apresentação oficial da aplicação "Aqui Há Beira" |
22012 visitas “Põe quanto és no mínimo que fazes”, escreveu certo dia o heterónimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis. Elisa Bogalheiro* (foto) confirma as palavras do poeta. A peraboense já percorreu meio mundo e sabe a importância de agarrar as oportunidades. A criatividade, os acasos e a vontade constante de aprender e procurar coisas novas, levaram-na a regressar “à terra onde são feitos os sonhos”, a Beira Interior. A viagem está apenas no início e o objetivo passa por dar destaque cultural real à região. Elisa começou desde muito cedo a demonstrar predisposição natural para “fazer coisas”. Ainda no ensino secundário e na escola Secundária Frei Heitor Pinto, na Covilhã, começou por ingressar num curso tecnológico de Comunicação. Já nesta altura, percebeu a importância da proatividade na evolução/desenvolvimento de um jovem e para além produzir um programa radiofónico para a Rádio Clube Covilhã e de estar ligada ao Jornal da Frei Heitor Pinto, fez também parte da fundação da rádio da sua escola. Esta ligação precoce com a área da comunicação introduziu-a também no mundo do associativismo. “De alguma forma também estive sempre ligada às associações da minha aldeia, Peraboa”, começou por relembrar fazendo o paralelismo com uma zona do país onde não existem muitas alternativas. “Tens de as ajudar a criar, tens de ser parte da solução e não do problema”, admitiu. A comunicação está inteiramente e intimamente ligada com as línguas, uma área, também ela predileta para Elisa. Mas a ligação com esta surge por mero acaso, ou mais especificamente, por falta de informação: “Eu escolhi o curso tecnológico de comunicação porque efetivamente queria comunicação, mas quando cheguei à altura de fazer as disciplinas específicas, elas não davam nem para comunicação nem para jornalismo”, confessou mostrando algum desagrado pela pressão que é colocada cedo demais nos jovens para escolherem a área que pretendem seguir. No meio da indecisão decorrente da “alhada” em que se colocou, Elisa optou por seguir a vertente da linguística. “Optei por ir para Coimbra e depois de três anos de curso decidi fazer Erasmus” - os “bichos-carpinteiros” não deixa(ra)m Elisa mergulhar na estagnação e a ideia era rumar a Berlim, passar por Londres e terminar no Japão: “Como estava a estudar inglês/alemão, queria ir um ano para cada cidade, mas como estava também a iniciar o estudo do japonês e como o governo do Japão tem bolsas ótimas pretendia no terceiro ano viajar para o oriente”, confessou, acrescentando, entre sorrisos, que… não chegou sequer a Londres e acabou por se fixar em Berlim durante oito anos. “Fiz muita coisa, estive sempre ligada à cultura, mas também trabalhei muito em restaurantes e bares. Na Alemanha era muito fácil trabalhar em part-time e pagar os estudos”, relembra, fazendo o paralelismo com a realidade portuguesa que se afasta e muito da alemã. Depois da fase de adaptação começou a trabalhar como produtora e editora de notícias, assim como supervisora de conteúdos, ocasião em que teve a oportunidade de idealizar os primeiros documentários que veio a completar mais tarde e já num novo e inesperado país. Os acasos fazem parte da vida de qualquer pessoa, e Elisa não é exceção, mas mesmo no seio do acaso é preciso agarrar a oportunidade - e foi o que fez. “ Nesta altura, em 2008, eclodiu a grande crise mundial e foi aqui que começámos a reparar que o negócio estava a decair”, começou por explicar, admitindo que notou a dificuldade das televisões em comprar conteúdos. É aqui que surge um convite do governo do Panamá: “Convidaram-nos para irmos fazer uma press trip e decidimos aproveitar a viagem para perceber quais eram as oportunidades”, confessa sem rodeios. Começava aqui a aventura Centro Americana. É nesta fase que Elisa se fixa, de forma mais direta, na vertente dos documentários, mas é também no Panamá que concretiza o primeiro programa de entretenimento para televisão. Estar no seio do mundo do jornalismo e da televisão, deu a Elisa uma visão diferente sobre o meio. E, fazendo uma retrospetiva, e olhando para a atualidade dos media, a agente cultural sente alguma mágoa: “Acho que nunca estivemos tão mal, a influência é mesmo terrível, ou seja, quem não se procura informar um bocadinho e contextualizar, é completamente enganado, é mesmo vergonhoso”. Olhar para o jornalismo na ótica de Elisa, é olhar para o “mundo do engano” e para uma nova realidade envolta em “não notícias”. “É muito mais importante o clickbait do que o que realmente está escrito e eu acho que isso é terrível, nunca tivemos tanto acesso à informação como agora e isso provocou uma onda geral de desinformação”, defende Elisa que não tem rodeios em acrescentar que não deviam ser os leitores a assumir o papel de vigilantes e a confirmar a informação.
O Regresso inesperado “Tudo o que chega, chega por uma razão”, diria uma vez mais Fernando Pessoa e Elisa seria obrigada a concordar com o poeta. Dizem que a vida acontece quando estamos ocupados a fazer outros planos, e a profecia também se concretizou, de forma poética, na vida de Elisa: “Eu achei honestamente que nunca ia regressar, vivi tanto tempo fora que nunca me senti ligada a esta zona e realidade”, assume, com sinceridade e com um sorriso na cara a pensar nas voltas que a vida, literalmente, dá. “Não vim de propósito, foi mesmo um mero acaso”. Elisa explica que a sua ideia de futuro passava por regressar e passar algum tempo com a sua família e outra temporada com a família do seu marido, o espanhol Ramón de los Santos. A primeira paragem passou por Portugal e por Peraboa, isto porque a intenção da agente cultural era começar de fora e “experimentar” a cidade de Barcelona, onde Ramón tinha estudado e onde tinham um grupo de amigos que trabalhavam na sua área. “Era uma cidade que nos apetecia, queríamos viver lá”, mas de facto, Espanha estava igual ou pior que Portugal no que respeitava à crise que assolou o ocidente da Europa. A verdade é que o contacto com os ares da Beira fez Elisa mudar de ideias e imaginar um futuro, onde tudo tinha começado. Regressar a casa pode representar um binómio de sentimentos - uma carga afetiva que nos retesa e/ou uma alavanca de mais-valias e ferramentas que nos permitem contornar obstáculos com maior avidez e determinação. “Achei que esta zona tinha uma série de coisas para oferecer e muito potencial. Tem talvez uma falta de coesão muito grande que acaba por atrapalhar e dificultar a realização de muitos projetos, mas está muita coisa por fazer aqui e eu gostei dessa possibilidade”. Esta novidade aliada a um conjunto de gente “interessante e dinâmica”, foram o ponto de partida para que Elisa começasse a “cozinhar” o seu futuro, com o Interior como ingrediente principal do prato. Estava definido o caminho a seguir, faltava agora a parte mais interessante: colocar “mãos à obra” e começar a “fazer coisas”. E a primeira “coisa” foi a plataforma “Maria Zimbro”. “Quando regressei, basicamente aquilo que eu comecei a notar é que havia uma série de gente interessante a produzir e a fazer projetos giros”, nesta senda instituíram uma loja na Covilhã que servia de base para que os artistas pudessem vender os seus produtos e os seus artigos, no fundo um laboratório criativo. “A ideia era realmente criar um ecossistema que permitisse às pessoas terem uma plataforma para poderem vender os seus produtos e os seus artigos”. Apesar do ditado espanhol dizer que “a confiança dá asco”, significando, no fundo, que a proximidade afetiva no trabalho dá aso a não separar as águas, Elisa defende o contrário e gosta de trabalhar com as pessoas com quem tem grande afinidade. Uma dessas pessoas é precisamente a sua irmã, Ana Bogalheiro que a acompanhou em todas as aventuras, tendo, inclusive, vivido e trabalhado juntas em Berlim. Quando Elisa decidiu viajar para o Panamá, os seus caminhos separaram-se, mas não por muito tempo, pois as curvas e contracurvas da vida voltaram a cruzar os caminhos das irmãs Bogalheiro e juntas criam a plataforma “Maria Zimbro”. “Foi um projeto muito giro, ainda hoje tenho muita pena que ele não tenha funcionado”, confessa Elisa, que não tem dúvidas que a desinformação está ligada com a pouca preocupação que as pessoas mostram com a origem dos produtos. “Desde que as coisas apareçam à frente das pessoas é o importante”, corrobora Ana, que assim como a irmã, sente uma grande mágoa pela não continuidade do projeto. Bruno Santos é um jovem residente na Covilhã que se recorda vagamente da loja Maria Zimbro e apesar de não ser consumidor assíduo no comércio tradicional, gostava que esta área tivesse estrutura para aguentar o futuro e a pressão das grandes superfícies. “Confesso que não visito muitas lojas de comércio tradicional, mas é uma área que não podemos esquecer”, afirmou convictamente, acrescentando que o turismo é um dos alicerces da economia portuguesa. “O investimento no comércio aliado com a aposta nos produtos tradicionais é fundamental para a manutenção das microeconomias locais”, concluiu o jovem.
Um barómetro que inspirou Fechou-se uma porta, mas abriu-se outra. Do outro lado da porta aberta estava a vila de Belmonte. Elisa nunca deixou de trabalhar diretamente também com o seu marido, mas findo o projeto Maria Zimbro, era tempo de assentar ideias e pensar num novo projeto. Barómetro d’inspiração é o resultado de acasos unidos em sintonia, tendo até o nome um je ne sais quoi de contratempo e simbolismo, revelando-se um nome “até adequado”, confirma Elisa, entre sorrisos. Começava aqui a aventura por terras de Cabral e pelas lides da organização de eventos culturais, sem descurar, claro está, o comércio tradicional. “Eu sempre gostei de organizar coisas. A loja de alguma forma foi a pequena salvaguarda que se conseguiu da Maria Zimbro e aqui em Belmonte acaba por funcionar muito melhor porque de facto existe uma maior predisposição para as pessoas caminharem pelo centro histórico da vila”. A agente cultural não tem dúvidas que Belmonte é uma localidade naturalmente turismo-centrada e com uma habilidade especial para ser íman de turistas, também graças à proximidade entre os habitantes da vila e os estrangeiros. Coisa que deveria acontecer, na opinião de Elisa, mas falta estratégia: “Os museus estão cá, fantástico, mas Belmonte não é Lisboa e no Interior podemos oferecer muito mais”, defendendo que existe outro “produto”, real e único no país. Ao estabelecer-se em Belmonte, Elisa questionou-se: “Olhando para o panorama da região, o que é que podemos fazer e oferecer dentro dessa área?”. A resposta passou pela organização e criação de eventos culturais que permitissem a criação de dinâmicas que pudessem contribuir para a coesão territorial. “Em vez de existirem trezentas feirinhas disto ou daquilo, era muito mais interessante que acontecesse um evento em toda a região ao mesmo tempo”, defende Elisa, algo que efetivamente já acontece noutras regiões. Nesta resposta surgem, entre outros, o Festival do Caneco, primeiro festival de cerveja artesanal da Beira Interior realizado em Belmonte, e o Festival de Outono, em Manteigas. “O Festival do Caneco foi uma primeira experiência também para nós, estávamos muito verdes no que toca aquilo que era a cerveja, nós e o país”, defende a agente cultural, relembrando que na altura existiam apenas 20/30 produtores de cerveja, em contraposição com a atualidade onde existem cerca de 200. Um “boom” a que o Barómetro se juntou e procurou inovar, tendo o projeto culminado na cerveja Cabralina, a primeira cerveja com certificação kosher no país. “Tem sido essa a nossa identidade, a nossa marca diferenciadora”, defendeu Elisa, completando que, para além da Cabralina, todas as cervejas produzidas pela empresa têm algo que as distingue de todas as outras. No caso da Cabralina, os principais ingredientes tradicionais e regionais utilizados foram o mel e o zimbro, sendo que é a primeira vez que este último produto é utilizado na produção de uma cerveja. A configuração desta Cabralina acaba por apelar ao turista, e, apesar da empresa ainda não ter possibilidade de ter uma produção e armazenamento em larga escala, os turistas têm aderido ao néctar com sabor à região. “A aceitação está a ser fantástica, tanto pelos turistas nacionais, como pelos estrangeiros”, adianta Elisa que, com um sorriso na cara, lá elogia a Cabralina: “A cerveja é boa, não ia dizer o contrário, logicamente”. “Sempre fui política, aliás, acho que todos nós somos políticos”, parece curiosa, e até caricata, a ideia defendida por Elisa, mas tem a sua razão de ser. “Sempre que nós definimos uma estratégia e somos coerentes com essa estratégia e com os nossos objetivos estamos a ser políticos”, reitera. Esta foi a primeira vez que a peraboense teve a ousadia de se ligar publicamente a um partido político, que na sua opinião tinha uma base democrática muito grande, até porque todos os membros do partido, poderiam ser candidatos. O partido Livre, do qual Elisa e a sua irmã Ana fizeram parte desde a sua fundação, tornou-se uma experiência enriquecedora para as “manas”. “Não nos podemos queixar se não tivermos uma parte a dizer, não podemos sacudir a água do capote e dizer aos outros que façam”, defende Ana que acaba por estar sempre ao lado da sua irmã em todos os projetos. Apesar do Livre não ter eleito qualquer deputado nas eleições europeias de 2014, pedia uma união da esquerda política, coisa que acabou por acontecer.
Toda a beira numa aplicação “Esta aplicação surge de um brainstorm de ideias que não foi assim tão storm”, é assim que Elisa começa por caracterizar o mais recente projeto da empresa Barómetro d´Inspiração. Olhar para o mapa da Beira Interior, é olhar para uma riqueza cultural invulgar e a empresa sediada em Belmonte constatou que a informação de toda a produção cultural na região não chegava até à grande maioria da população. Era preciso mudar o paradigma e encontrar uma plataforma que acabasse por unir a cultura com a população, uma proximidade importante e que não existia até que no meio da vontade de “fazer coisas” surge a aplicação “Aqui há Beira”. “Os eventos acabam por ter de gastar muito em promoção para realmente existir uma difusão regional, algo que se configura como um grande handicap para as organizações”, defende Elisa. Dinis Lucas é um jovem natural da aldeia de Maçainhas, no concelho de Belmonte que decidiu seguir o seu futuro em Lisboa, onde se encontra no terceiro ano do curso de Medicina. Acabou por descobrir este aplicativo na busca por outra aplicação e a curiosidade pelo nome sugestivo que o fez relembrar saudosamente a (também) sua Beira e com que ficasse à distância de um clique de saber toda a atividade cultural produzida na sua região. “A aplicação funciona bem e tem uma interface responsiva. Falta ainda ter mais conteúdo informativo, o que provavelmente se conseguirá com o tempo”, acaba por concluir Dinis, que apesar de não ser fã acérrimo das novas tecnologias tem a noção que estas aplicações são fundamentais para o crescimento futuro da região. “Este foi um projeto que se foi maturando e ainda está nessa fase”, a tempestade de ideias teima em não parar e a agente cultural tem a certeza que ainda “faltam dar mil passos” para atingir o objetivo a que se propuseram. “No futuro pretendemos que as pessoas fiquem, desde logo, com uma visão do que gostaram, viram e podem vir a querer, no fundo uma espécie de base de dados guardada no telemóvel, algo com uma cloud pessoal”, avança Elisa, que coloca a fasquia alta no futuro deste aplicativo que junta toda a Beira à distância de um clique. Neste momento a aplicação conta com a parceria direta de 22 municípios. “Não nos podemos esquecer das pessoas”, afirma convictamente. Para Elisa, o património da Beira Interior são também as pessoas e apesar do futuro do turismo e da cultura passar pelas novas tecnologias e pelas aplicações, não se pode descurar “a maior riqueza que temos”. Elisa considera que a proximidade das gentes de Belmonte com os turistas é essencial e é um “produto” que pode vir a diferenciar a forma como o turismo é trabalhado. “Acho que tanto o turismo como a cultura cresceram muito na região nos últimos dois anos, mas ainda não é suficiente”, Elisa tem a certeza que é preciso que “as coisas” sejam feitas com perspetiva, com planeamento e com estratégia. Isto para que não se corra o risco de “casa de pedra ser um espaço de turismo local que se ocupa sazonalmente e que depois começa a cair no abandono”. “Os museus estão cá, fantástico, mas Belmonte não é Lisboa”. Apesar de assumir que o paradigma mudou e muito em Belmonte, Elisa não se contenta e defende que é preciso fazer mais e melhor, é “preciso estratégia, alta estratégia”. A agente cultural não tem dúvidas que o que pode diferenciar o Interior do resto das regiões do país é precisamente aquilo que este tem para oferecer: “As pessoas podem comprar produtos no comércio local, podem falar com os locais e conhecerem as histórias”. Elisa não tem dúvidas que este é um produto com mercado e que acaba por ser um outro “museu, talvez mais interessante por ser um museu vivo”. A hiperatividade não permite que Elisa pare e muitos são os projetos na imaginação incubadora e empreendedora de Elisa, prestes a eclodirem a qualquer momento para o mundo real. “Eu acredito que as energias têm de ficar concentradas para que depois possam explodir, por isso nunca falo de projetos que estão para acontecer”. Mas algo que pode confirmar com muita certeza é que nunca diz que não a um bom projeto. “Quero realmente conseguir que esta zona tenha e seja um destaque cultural no país e isso é possível, será algo moroso, mas pode fazer-se”. Elisa não recusa uma boa luta e vai continuar a “fazer coisas” que enfrentem a queda no marasmo e na apatia. É a prova viva de que, podemos (e devemos) ser mais do que “cadáveres adiados que procriam”, pois a busca pelo Quinto Império faz-se na permanente procura e demanda na construção e transformação de uma utopia em realidade. O crescimento e a concretização não serão, de facto, mais do que utopias quais teias de aranha ociosas, se não existirem almas sonhadoras, empreendedoras, que arrisquem na hora d’O Adamastor, na hora da Verdade. |
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