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O carisma, a liderança e a política
João Botão dos Santos · quarta, 17 de maio de 2017 · Região O carisma é um tema intimamente ligado com a teoria política. José Sócrates, ex-Primeiro- Ministro, assumiu o papel de descodificador do tema numa aula aberta que encerrou a quarta edição das jornadas de CPRI. |
José Sócrates no início da aula aberta, no auditório das Sessões Solenes |
21979 visitas “Não há carisma sem o extraordinário”. É esta a melhor forma de descrever o tema do carisma, abordado por José Sócrates que o caracterizou, aproximando-o, na perspetiva da teoria política, das características da liderança. O antigo primeiro ministro de Portugal regressou à Covilhã, “sua casa”, a convite do núcleo de estudantes de Ciência Política e Relações Internacionais, para uma aula aberta inserida na quarta edição das jornadas do curso. “Vivi aqui na Covilhã até aos 16 anos, altura em que fui estudar para Coimbra, e depois regressei a esta, que é a minha cidade, a minha terra”, começou por explicar o antigo Secretário-Geral do Partido Socialista e Mestre em Ciência Política, que regressava a casa e ao local, onde para além da vivência estudantil, também viveu toda a sua vida política. “Nunca fui eleito por outro Distrito que não o de Castelo Branco” lembrou José Sócrates, que reencontrou vários amigos que o esperavam à chegada ao auditório das Sessões Solenes da Universidade da Beira Interior. O convidado não hesitou assim que recebeu o desafio do núcleo de estudantes de Ciência Política e Relações Internacionais. “A ligação afetiva à UBI pesou, mas o gosto por discutir a política foi fundamental” para que José Sócrates assumisse o papel de descodificador do tema do carisma, numa aula aberta. “Existe uma ligação afetiva, venho sempre com gosto à Covilhã e com mais gosto à universidade. Tenho aqui muitos amigos, e finalmente venho aqui pelo gosto de discutir política”, adiantou. O ex-primeiro ministro português até andava arredado destas lides, mas confessa que é um “gosto” regressar às reflexões sobre o carisma, tema que aliás está patente no seu último livro, “O Dom Profano”. Para dar início à palestra Sócrates optou por separar de uma forma bem clara a política da teoria política. Para o efeito serviu-se de uma metáfora: “Pensemos naquele teórico dos carros, aquele que gosta de saber como o carro funciona e o outro, aquele que gosta de conduzir o carro, essa é a diferença entre o teórico da política e o político que gosta de assumir o risco”, explicou Sócrates, considerando esta diferença “gigantesca”. Mas para o político, que conta com quase 30 anos de carreira, o mais invulgar é ter oportunidade de contactar com “os teóricos dos carros”, ou seja, com os pensadores políticos, e ao ler as suas palavras perceber a maestria com que descrevem a situação e imaginar que eles poderiam mesmo ter conduzido o carro e vivido no risco. Um desses “teóricos do carros”, como quem diz, pensadores políticos do século XX foi Max Weber, que refletiu sobretudo sobre a sociologia política. Este intelectual acaba mesmo por ser o primeiro a cunhar a palavra carisma na literatura política. E a sua reflexão aproxima este termo do termo dominação, que na época, concebia a divisão entre os que mandavam e os que obedeciam. “O debate de carisma é o debate sobre liderança”, defendeu Sócrates, que não tem dúvidas que o político é aquele que “tem paixão e imparcialidade”. A política para o ex-primeiro ministro é “o reino da opinião, uma competição de pontos de vista” e lidar com “o risco e com a incerteza de nunca saber se o que defende vai ter sucesso, confere uma grande beleza à política”, completou. “A política tem uma irredutível componente de dimensão pessoal e emotiva”, defendeu, relembrando que a esmagadora maioria do público “vota sem ler nenhum programa político de nenhum partido”, coisa que Sócrates até aconselha: “Os programas são enfadonhos, não recomendo a ninguém”. É neste sentido que os cidadãos seguem o discurso dos líderes dos partidos. A ideia de carisma nasce numa espécie de trilogia da dominação. A tradição está à cabeça dessa trilogia, como define Max Weber, “o eterno ontem”: “Obedecemos porque sempre foi assim”, acompanha Sócrates. A segunda dimensão esbarra na legitimidade, nos regulamentos, nas leis, mas é a terceira “razão” para obedecer que faz toda a diferença para o antigo primeiro-ministro: a legitimidade carismática. “Obedeço porque acho que as palavras dele estão certas, obedeço porque acho que o que ele faz ou propõe fazer é realmente o mais adequado”, explicou Sócrates esta terceira dimensão, que na sua ótica é “obscura ou mesmo mágica e foge à dimensão mais racional da política”. Terá sido esta legitimidade carismática que granjeou todo o sucesso de Max Weber na sociologia política, na opinião do mestre em Ciência Política. “O tema carisma é sempre relevante na política e tendo José Sócrates escrito um livro sobre o assunto achámos pertinente a vinda dele à UBI”, adiantou Francisco Ribeiro, coordenador do departamento de comunicação e imagem do núcleo de estudantes de Ciência Política e Relações Internacionais. O estudante acrescentou, também, que é um “orgulho ter um nome sonante, como é o caso de um antigo primeiro-ministro, a participar as jornadas do curso”. “Não há político que não goste da aventura”. De regresso à aula aberta, José Sócrates trouxe para a reflexão os nomes de Alexandre Kojève e Hannah Arendt. “O político não existe para propor que tudo fique na mesma”, defende o político que caracteriza a política como o “reino da ação”. Para Sócrates o político tem um papel a desempenhar e tem de ser aquele que “nos apela a um pouco mais de ambição”. Sócrates serviu-se de Fernando Pessoa para ilustrar esta ideia: “Eu sinto com a imaginação”, citou para defender a ideia de que o político não pode existir para propor que tudo fique na mesma. Para o antigo primeiro-ministro “nunca se alcançaria o possível se não se deitasse a mão ao impossível” e foi isso que a política fez, defendeu, terminando assim a sua intervenção, a que se seguiu espaço para debater a temática com o auditório. “Estas foram provavelmente as jornadas com nomes mais sonantes”, confessou Francisco Ribeiro que considera que esta tenha sido “talvez a edição com maior sucesso que o curso teve”. O estudante acrescentou que o dia com maior adesão foi “claramente o terceiro”, dia em que José Sócrates marcou presença na quarta edição das jornadas do curso de Ciência Política e Relações Internacionais. |
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