Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
"O Cinema é uma história tão bonita que, se queres fazer parte dela, tens de provar que estás à altura"
Rafael Mangana · quarta, 8 de fevereiro de 2017 · @@y8Xxv Selecionado para participar na edição deste ano do Berlinale Talents, um dos mais importantes eventos dentro do prestigiado Festival de Cinema de Berlim, Luís Campos conta já com um percurso assinalável na sua área. Pertence à primeira geração do curso de Cinema na UBI e, num caminho com altos e baixos, tem passado por vários países em busca do sonho que persegue desde criança. |
Luís Campos |
22005 visitas Urbi et Orbi: Como nasceu a paixão pelo Cinema? Luís Campos: Desde pequeno sempre fui muito incentivado pelos meus pais e irmãos a ver filmes, e com seis anos já passava as tardes no clube de vídeo da rua à procura de filmes. Via dois a três filmes por tarde até aos meus 10/11 anos, e via um pouco de tudo. Depois comecei a jogar futebol e a viver mais na rua, mas o Cinema sempre esteve presente (e cada vez mais).
U@O: Sendo natural da Covilhã, podemos dizer que a sua geração ter coincidido com o arranque do curso de Cinema na UBI foi uma feliz coincidência? LC: Sim. Foi a minha primeira opção, apesar de eu estar a viver em Portimão nessa altura. Mas a curiosidade (e gosto) por aprender Cinema e o facto de isso me poder fazer voltar à minha cidade-natal teve preponderância na escolha.
U@O: Finalizado o curso, valeu a pena a escolha? LC: Sim, não tenho razões para pensar o contrário. Talvez gostasse de ter sido um pouco mais estimulado durante a experiência do curso. Acho que o tipo de ensino não primava pela motivação que incutia aos alunos e sou da opinião que o verdadeiro ensino de Cinema faz-se pelo estímulo à curiosidade e à vontade de ver e fazer Cinema. Fomos um pouco cobaias por termos sido os primeiros alunos do curso de cinema da UBI e os três primeiros anos do curso ainda estavam pouco definidos em relação ao estilo de curso e tipo de ensino proposto. As disciplinas do curso coincidiam muito com o currículo de “cursos-primos” do Departamento, como Comunicação e Filosofia e não estava tão canalizado para o ensino de Cinema como se desejaria. Mas os dois últimos anos (último de Licenciatura e ano de Mestrado) acabaram por resolver várias das carências que tínhamos nessa altura, porque teria havido espaço para incutir mais motivação e curiosidade aos alunos. Acho que o cinema não tem uma forma específica de ensino, tem várias e todas elas são mais ou menos válidas. Mas o essencial é conseguir incutir motivação e curiosidade aos alunos, saber transmitir o amor pelo Cinema é fundamental. Agora, quem estuda (ou tenta fazer vida de) Cinema tem de estar acima de tudo preparado para lidar com elevados níveis de frustração. Quem pretenda aprender técnicas de criação ou execução audiovisual para seguir uma carreira como técnico audiovisual, não precisa necessariamente de fazer Ensino Superior em Cinema, que é destinado acima de tudo a quem pretenda aprender a pensar e a criar Cinema, e isso é relativamente difícil de incutir a quem chega com 18 anos e com uma experiência escolar muito desfasada do que é o tipo de ensino universitário / científico / académico. Daí que a motivação transmitida seja fundamental, na minha perspetiva.
U@O: Tem acompanhado a evolução do curso? O que lhe parece, passados 14 anos da primeira geração? LC: Tenho acompanhado de forma muito pontual. Fui convidado no ano passado e este ano para acompanhar e coordenar projetos de alunos e, se não é anormal que os níveis de conhecimento cinematográfico dos alunos tivessem margem para ser mais amplos (a história do Cinema tem mais de 120 anos e há muito por ver e descobrir de forma contínua ao longo da vida), por outro lado, considero que os níveis de motivação e curiosidade que eles revelam são, sim, pouco normais nesta altura. Sinto que há muita margem para trabalhar esse aspecto, porque ninguém quer mais estar motivado do que os próprios alunos, porque tentar fazer Cinema (ou vida do Cinema) é muito difícil, não só em Portugal. Temos de estar sobretudo preparados para lidar com esses elevados níveis de frustração, porque é uma jornada feita à base de ilusões e de sequências de negações. Se não vivermos numa lógica de encantamento e de amor pelo Cinema (e pela possibilidade de criação cinematográfica), é muito difícil ter forças, condições e motivação para que as coisas façam sentido. É uma luta contínua, ininterrupta, e quando pensamos que estamos mais próximo das coisas darem certo, novas barreiras e obstáculos se levantam e a única forma que o ensino de Cinema tem de te preparar para isso é através dessa transmissão de amor pelo Cinema, pelo valor da criação cinematográfica e pela importância da história do Cinema. É uma causa maior e tem de ser esse o combustível.
U@O: O estrangeiro poderá abrir outras portas? LC: Só posso falar pelo meu caso pessoal, e pelos meus objetivos, que são essencialmente de poder conseguir fazer os meus próprios filmes. Nesse aspeto, não vejo porque razão poderá ser mais fácil o estrangeiro. Talvez pelo fator económico de outros países ser mais saudável, mas acho que, sendo portugueses, estaremos sempre mais próximos de conseguir fazer filmes na nossa terra, na nossa língua, na nossa cultura. Para quem quer fazer os seus próprios filmes, acho que é um bocado mito essa ideia de "lá fora se calhar é mais fácil".
U@O: O seu percurso tem passado, essencialmente, pelo estrangeiro. Foi uma coincidência ou procurou esse caminho?
U@O: Então, como tem conseguido vingar nesta área? LC: Na verdade, continuo numa luta incrível. Abri a minha própria empresa, onde ainda não consigo ser um funcionário remunerado e onde ainda nunca consegui fazer filmes com dinheiro que correspondam ao orçamento real dos mesmos e ainda nunca consegui ser pago para fazer Cinema. Por isso, não posso dizer que tenha vingado, vou tentando vingar, isso sim, com muita vontade e empenho (e muita resistência). Vou-me desdobrando entre as aulas que dou de Cinema em Amesterdão para pagar as contas da empresa que abri em Portugal. Ter sido selecionado para o Festival de Berlim é, sim, um indicador de sucesso, como outros que fui tendo no percurso. Enquanto não estiver a fazer os meus próprios filmes e a fazer vida disso, não posso considerar que tenha vingado. Acho que é importante termos essa chamada de atenção, especialmente no que toca à criação do próprio negócio, porque é muito difícil criar e manter uma empresa, especialmente para quem o pretenda fazer na área do Cinema. Por vezes é passada a ideia do empreendedorismo, mas as coisas não são assim tão fáceis como aparentam e pode haver o perigo de até se tornar uma "moda" ou encarado como tal. Esta chamada de atenção é dirigida aos alunos de Cinema que possam ter esse sonho ou ideia.
U@O: Já foi revelando um pouco do que tem feito. Como tem sido, então, o seu percurso desde que saiu da UBI? LC: Terminei o mestrado em 2008. Fui para Barcelona tentar a sorte no ano em que bateu o ponto alto da crise económica, não consegui trabalho em lado nenhum e tentei de tudo. A única proposta que tive foi de um restaurante cujo anúncio dizia que o salário era de 1000 euros, quando me telefonaram a chamar para entrevista já eram 800 e quando fui à entrevista já eram 600 afinal. Quando estávamos já de malas feitas para regressar a Portugal (porque este percurso tem sido conjunto, sempre com a minha companheira, que também tirou Cinema na UBI), recebemos a notícia de que tínhamos ambos sido selecionados para o Inov'Art, que nos fez estar mais 9 meses em Barcelona em representação da Lobby Productions. Durante este período acabei por escrever o guião de “Um Funeral à Chuva”, que foi feito pela mesma empresa e chegou a várias salas e pessoas do país, tendo sido considerado o melhor filme do ano em 2010 no Festival Caminhos do Cinema Português Depois de Barcelona voltámos a Portugal, fiz alguns trabalhos no audiovisual para juntar uns trocos, incluindo campanhas partidárias, e decidimos seguir para Londres, onde estivemos um ano a trabalhar em restaurantes, muitas horas por semana. As únicas experiências de trabalho que consegui na área não foram remuneradas, por isso cansámo-nos da experiência de Londres, e regressámos a Portugal. Tentámos fixar-nos no Algarve - aliciados por um plano de desenvolvimento de Cinema que curiosamente está agora nos tribunais, com vários arguidos indiciados -, mas a única possibilidade de trabalho que surgiu foi para vigilância numa piscina (durante os meses de verão). Sentimos novamente o impulso para uma nova experiência internacional, e o destino dessa vez foi Amesterdão. Comecei por trabalhar em call-center, para a Nike e depois para outra empresa americana e aos poucos fui começando a ser convidado para dar aulas de Cinema. Ainda hoje é um dos meus principais rendimentos, mas o tempo livre que as aulas de Cinema me permitiram deu para investir no desenvolvimento da ideia da empresa. Este projeto levou-me três meses à Bélgica para o Erasmus para Jovens Empreendedores numa empresa que foi nomeada ao Óscar, dois meses ao Brasil para o EU Brazil Connect numa outra produtora de muito sucesso, fiz o Passaporte para o Empreendedorismo em Portugal, que me permitiu desenvolver bem a ideia de negócio e implementar o plano de parcerias e atividades, e criei a empresa em 2014. Desde então tenho andado dividido entre Amesterdão e Portugal, com as atividades da empresa (filmes e eventos relacionados com a escrita de guião, como o GUIÕES e o PLOT, atividades de formação, entre outras) e as aulas de cinema aqui na Holanda.
U@O: Depois de todas essas experiências acumuladas, que conselhos pode deixar a um aluno que neste momento esteja a frequentar o curso de Cinema na UBI? LC: Se têm uma vontade imensa de fazer os vossos filmes e de contribuir para o Cinema, não se deixem abater com os “nãos” e as desilusões que vão encontrar pelo caminho (que serão muitos mais do que imaginam). Não virem a cara à luta e não deixem de acreditar em vocês próprios. Mas, acima de tudo, continuem a gostar muito de Cinema, de todo o tipo de Cinema. É uma história tão bonita que, de certa forma, não poderia ser de outra maneira. Se queres ou ambicionas vir a fazer parte dela, tens de provar que estás à altura. Eu continuo a tentar.
Perfil: Nome: Luís Campos Naturalidade: Covilhã Curso: Cinema Ano de Entrada na UBI: 2003 Livro preferido: Não tenho um específico, mas sou um grande fã da literatura clássica norte-americana, nomeadamente de Steinbeck, Twain, Faulkner ou, mais recentemente, Philipp Meyer. Filme preferido: É muito injusto nomear apenas 1 ou 10, mas tenho alguns heróis cuja obra admiro imenso: Chaplin, Murnau, Capra, Hitchcock, Scorsese, Coppola, Spielberg, Kurosawa, PT Anderson, Bresson ou Fincher, Sergio Leone, entre outros. Hobbies: Cinema, futebol, viajar, experimentar novas comidas e música. |
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