Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Escolhas que mudam vidas
Maria Inês Valente · quarta, 1 de fevereiro de 2017 · @@y8Xxv São jovens. Todos eles na flor da idade. Deixaram os seus países e vieram para Portugal estudar em busca de um futuro melhor. A UBI é agora a sua segunda casa. Rapidamente se ambientaram, e há até quem já não pense em voltar… |
Thayna, Pedro e Nivia integram o grupo de estudantes da Universidade da Beira Interior |
21977 visitas É cada vez maior o número de jovens estrangeiros que optam por vir estudar para Portugal. Só nos últimos anos, as universidades portuguesas receberam mais de 30 mil alunos oriundos dos quatro cantos do mundo. Número que, segundo um estudo da Direção-Geral das Estatísticas Ensino Superior e Ciência, aumentou em cerca de 74%, desde o ano letivo de 2009/2010, altura em que existiram apenas 19425 alunos não nacionais a estudar no nosso país. A Universidade da Beira Interior, sediada na conhecida Cidade Neve, a Covilhã, é uma de entre muitas instituições de ensino que acolhe estes jovens estudantes através dos mais diversos programas de mobilidade. Para João Canavilhas, vice-reitor para o ensino, internacionalização e saídas profissionais daquela instituição, a primeira grande vantagem de estes alunos ingressarem na UBI é o facto de, automaticamente, ficarem com um diploma válido para toda a União Europeia. A segunda vantagem tem a ver com as condições da universidade, com laboratórios disponíveis em todas as áreas, e com o facto de ser uma cidade relativamente barata com um "excelente ambiente" que se cria pelo facto de ser uma cidade mais pequena. "Penso que na Covilhã estão reunidas as condições ideais para que os alunos consigam finalizar os cursos dentro dos prazos previstos, que na verdade é o seu objetivo, devido ao ambiente que se cria de grande proximidade entre eles, de grande proximidade à universidade e de grande proximidade aos próprios docentes", explica. Atualmente, o número de alunos estrangeiros matriculados na UBI ronda os 900 e são já 33 as nacionalidades que estão espalhadas pelas suas cinco faculdades. A tabela de nacionalidades é liderada de forma clara pelos brasileiros. Só neste ano letivo estão matriculados 311 alunos desta nacionalidade, acompanhados no podium pelos de nacionalidade angolana (273) e em terceiro lugar pelos alunos de Cabo Verde (65). Thayna Linhares, Pedro da Silva Afonso e Nivia dos Santos Cristóvão são apenas três de entre tantos outros jovens que abandonaram a sua terra-natal e se mudaram "de armas e bagagens" para a Covilhã. Alguns fizeram-no em busca de uma melhor carreira profissional, outros por sonharem com a tranquilidade que o seu país não lhes podia dar, e há ainda quem viesse ter à UBI "por acaso". A mudança pressupõe sempre algumas dificuldades. Mais para uns do que para outros, é certo. No entanto, os três rapidamente se deixaram conquistar pela cidade.
Thayna Linhares, 20 anos, Rio de Janeiro A viver na Covilhã há cerca de dois anos, Thayna soube, desde o momento em que pisou território nacional, que Portugal era, efetivamente, o lugar onde queria viver. "É um lugar tão mais calmo, é uma realidade tão diferente", descreve a jovem, referindo que mal chegou sentiu logo uma empatia enorme pela cidade e pensou «Ok, eu estou bem aqui. Isto é um lugar fixe de estar»". Veio por considerar que a UBI preenchia todos os requisitos para uma boa formação na área do Cinema, curso em que ingressou, e até agora diz de sorriso aberto que está a superar as suas expectativas. Carioca de gema, confessa que a maior dificuldade que encontrou foi mesmo a forma excessivamente rápida que nós, portugueses, tão habituados estamos a falar. "A sorte é que os meus amigos têm muito a mania de falar frases e expressões em inglês e eu já sabendo inglês pegava isso e tentava montar a frase e depois fui-me acostumando ao português", conta. Tirando isso, a adaptação de Thayna à Covilhã e a Portugal foi algo que aconteceu de uma forma muito pacífica e não sente, de todo, que os dias estejam a ser difíceis de passar. Muito pelo contrário! A jovem estudante revela que tinha, de facto, um problema com o lugar onde morava. "O Rio de Janeiro não é mesmo feito para mim. E aqui é o lugar perfeito para eu estar a morar", continua. Para quem está longe a saudade é algo com que, diariamente, se é obrigado a lidar. E Thayna não é exceção! Dói-lhe estar longe de toda a sua família, mas, principalmente, dos pais e das suas "duas cachorras". Os muitos quilómetros que separam o Rio de Portugal não permitem que viaje sempre que quer. Antes ia a casa com mais frequência. Agora, confessa já não ir há quase um ano… e foram os pais que viajaram ao seu encontro, para passarem juntos aquela que é considerada a época mais especial do ano: o Natal! A ansiedade é inevitável para quem já não vê os pais desde março, e o nervosismo também. "É uma bola de sentimentos. Eu estou desejosa de estar com eles. Mas ao mesmo tempo eu tenho medo de eles não me reconhecerem, de eu ter mudado tanto que eles pensem «Óh meu deus quem é você? O que você fez com a minha filha?»". E todos estes receios estão presentes por ter consciência do tanto que mudou desde que saiu, passe a expressão, "debaixo da asa dos pais". "Eu sinto que me tornei muito mais independente na minha própria personalidade desde que estou aqui", afirma a estudante de cinema, esclarecendo que antes vivia muito da influência dos pais e a influência externa que agora recebe a estão a ajudar bastante no seu desenvolvimento. Contudo, a ansiedade não era só de Thayna. Também os seus pais estavam ansiosos por estarem com ela. O facto de ser filha única e a boa relação que desde sempre tiveram fizeram com que a saída da jovem de casa fosse ainda mais difícil. Contudo, Tuxaua Quintella de Linhares e Lucília Linhares só querem o melhor para a filha e partilham os dois da mesma opinião: "Se ela estiver bem, nós também estamos bem". E não há duvida de que Thayna está, de facto, bem em Portugal. Os amigos que arranjou cá são agora a sua segunda família e o namorado, com quem está há mais de um ano, ocupa também um papel fundamental na sua vida. "Tem amigos que eu fiz cá que eu posso dizer que vieram e foram, mas tem amizades que eu tenho a certeza que vão ficar até ao fim da minha vida. Aquelas pessoas que vão ser os tios não relacionados dos meus filhos. São amizades incríveis". A jovem de apenas 20 anos já não pensa sequer em voltar a viver no Rio de Janeiro e confessa desejar ficar em território nacional ainda durante algum tempo. "No futuro não sei se vou ficar por aqui, Covilhã, se vou procurar outro lugar, não sei. Mas para o Rio eu não volto", afirma.
Pedro da Silva Afonso, 20 anos, Luanda Com Pedro já não acontece o mesmo. O jovem veio para Portugal para licenciar-se em biotecnologia na UBI, mas o regresso a Luanda, cidade de onde é natural, é algo que não está, de todo, fora dos seus planos. "Tudo depende de muitos fatores. A ver vamos…", diz. Está cá há pouco mais de um ano. Tem 20 anos como Thayna. Mas, ao contrário dela, não viajou sozinho. Veio acompanhado por um grupo de jovens angolanos que também ingressou na mesma universidade. Já habituado a estar longe do seio familiar, por, já no seu país, ter ficado fora de casa durante cerca de três anos, não sentiu tanto o peso da mudança. As condições climatéricas, claro, são bastante diferentes daquelas a que estava acostumado e, inicialmente, também estranhou um pouco a alimentação. Contudo, a sua maior dificuldade na fase de adaptação foi a universidade, devido ao forte contraste, a nível de ensino, que existe entre Portugal e Angola. Apesar disso, diz ter-se aculturado muito facilmente à cidade. "É uma cidade boa, calma e que tem todos os serviços próximos de nós". Sabe que o sonho de grande parte dos rapazes angolanos que terminam o secundário é continuar os seus estudos no exterior. "Não porque é uma questão de ir para o exterior, mas é uma questão de grande oportunidade nas suas carreiras futuras", explica. Pedro continua e diz que não só gosta de estar na Covilhã como se sente privilegiado por estar em Portugal e "estudar numa universidade com o prestígio que a da Beira Interior tem". A mudança não ocorreu apenas a nível de continente, casa e afins. Também ele mudou em muito a sua forma de ser desde que veio para cá. "Eu acho que agora sou uma pessoa muito mais madura em termos de convivência social e em termos de responsabilidades académicas também", diz. O jovem estudante apercebe-se agora do quanto cresceu. A família sabia que isso iria acontecer e por isso sempre o apoiou na sua vinda para Portugal. "A minha mãe vê que é uma grande oportunidade para mim e dá-me apoio para continuar e os meus irmãos também dizem o mesmo". As redes sociais tornaram-se, agora, a forma mais fácil de Pedro estar perto de todos aqueles que lhe são queridos. Contactam através do messenger, do skype e também do viber. As chamadas, como todos sabem, têm ainda um custo um pouco acrescido. Mas, de uma forma ou de outra, lá vai conseguindo matar as saudades... e quando se sente mais em baixo, a música é sempre a sua primeira escolha para lhe fazer companhia. "Gosto de ouvir sempre alguma coisa que tenha a ver com esperança, porque sou cristão e então acho que me refugio um bocadinho nisso", desabafa. Facilmente se habituou à calma e serenidade típica da Covilhã que tão bem contrasta com a toda a azáfama e fluxo de trânsito e de pessoas que se fazem sentir em Luanda. Acabou por ser uma espécie de balança na sua vida. Mas, na verdade, é também disso que ele sente falta. Muito mais do que as pessoas, a quem tanto valoriza pelo facto de "criarem em nós um afeto enorme", o que mais lhe faz falta é mesmo o seu país. O Natal, este ano, foi passado cá. Tal como Pedro há muitos mais casos de jovens estudantes que não podem viajar até às suas origens na época natalícia para passarem a típica noite de consoada em família. Consciente disso e da importância dessa data, a Universidade da Beira Interior organizou, numa das suas cantinas, um jantar de consoada com uma ementa tipicamente portuguesa, onde não faltou o tradicional bacalhau. Embora não seja apreciador dessa data festiva e não a comemore, prezou bastante o contacto com os outros estudantes e a troca de culturas que se proporcionou. "O ambiente tornou-se um bocadinho mais familiar", concluiu. Até à data, Pedro Afonso não mais voltou à sua terra-natal e, o mais certo é que, quando chegar à altura do regresso, já vá de canudo na mão.
Nivia dos Santos Cristóvão, 19 anos, Timor Nivia, aluna do segundo ano do curso de Ciências da Comunicação, não participou na noite de consoada ubiana, porque, tal como no outro ano, rumou até ao norte de Portugal, mais concretamente Braga, para passar o Natal com uma irmã que cá vive há já alguns anos. A jovem de 19 anos, natural de Timor, integra o leque de alunos timorenses que, embora em menor número, também se encontram a estudar na Universidade da Beira Interior. Ao contrário das duas histórias anteriores, Nivia não tinha qualquer tipo de conhecimento sobre a instituição que agora frequenta. "Vim para a UBI por acaso", começou por dizer. Sabia apenas que queria licenciar-se em Comunicação. O estar a estudar numa cidade ou noutra não era o importante, uma vez que sabia de antemão o quanto lhe ia custar deixar a sua casa e os seus. E assim foi! A primeira grande diferença que encontrou quando chegada à Covilhã foi, sem duvida, o clima. Em Timor, o tempo é quente e húmido, enquanto que na Beira Interior é bastante frio e seco, o que a assustou muito. Segundo conta, pensou logo "Oh meu deus, o que é que eu vou fazer aqui com tanto frio?". Agora já está um bocadinho mais ambientada ao clima. Contudo continua a sentir-se ainda com bastante frio sempre que chega a hora de sair de casa. Com o passar dos dias, as diferenças continuaram a surgir, e a questão da alimentação não fugiu à regra. "Às vezes tenho que pedir aos meus pais para me mandarem algumas coisas para cá", confessa. No entanto, aquilo que mais a chateia são mesmo as típicas subidas covilhanenses, embora tenha noção de que são elas que embelezam, ainda mais, a cidade. E foi, sem dúvida, a cidade que conquistou Nivia. Fala com muita estima de todas as pessoas que tão bem a receberam e depressa a fizeram sentir-se "em casa". Chegou amedrontada, não nega. Mas, depressa largou os medos quando percebeu que não estava sozinha e que encontraria amigos que a acompanhassem na melhor caminhada da sua vida: a da faculdade. "Agora sei que são amigos que eu vou levar para a vida", diz, contando que são eles que a têm ajudado a suportar todas as saudades que, há quase dois anos, traz acumuladas no coração. Desde 2015 que o skype tem assumido um papel principal na vida desta jovem. É ele que possibilita o contacto com todos os que estão longe e deseja abraçar. É ele que lhe permite ver os sorrisos de todas as pessoas que mais gosta e de ouvir as vozes que, tantas vezes, lhe confortam a alma. Foi, também, através desta tecnologia, que, na noite de 24 de dezembro, Nivia conseguiu partilhar o jantar de consoada com os pais. "Ainda bem que há o skype, ainda bem mesmo", diz. Sabe que não pode estar a toda a hora na internet com os pais. E, muitas vezes, não o faz, também para se "tentar esquecer um pouco". Quando as saudades apertam mais do que o habitual, não costuma ligar-lhes para que eles não sintam isso mesmo, porque sabe que, se o fizer, o choro vai ser inevitável nos dois continentes. Então, quando está mais em baixo tenta sempre encontrar-se com os seus colegas. "Acabo sempre por me rir muito com eles". Assume que passear é um dos seus hobbies preferidos e, na companhia da irmã, já visitou várias cidades portuguesas. Aveiro, Porto e Braga foram alguns dos locais por onde passou. "Gostei muito de conhecer todos estes lugares, porque são todos muito históricos", conta. Sair de casa com tão tenra idade provoca mudanças significativas na vida destes jovens. A timorense tem consciência disso e revela que no espaço de um ano amadureceu imenso e que, agora, se sente muito mais adulta do que no momento em que aterrou em Portugal. "Sair de Timor foi difícil, ainda hoje me custa, mas também sei que me está a fazer muito bem", assegura.
"As pessoas não devem ter medo de arriscar. Temos que aproveitar as oportunidades que a vida nos dá", Nivia Thayna, Pedro e Nivia são apenas três dos tantos jovens que andam espalhados pelo mundo inteiro longe de casa. Fizeram as malas e, sem medos, deixaram as suas terras e todas as pessoas de quem mais gostavam. O aluno angolano e a timorense já têm metade do caminho feito para concluírem a licenciatura. Ele não sabe se voltará ou não para Luanda; ela, com toda a certeza, voltará para Timor. Por mais dois anos, pelo menos, Thayna Linhares percorrerá os corredores da Universidade da Beira Interior, pois é lá que pretende, ainda, fazer o mestrado. Quem dera à população da Beira Interior, que vê a região cada vez mais despovoada, que estes jovens se mantivessem por cá e que aqui construíssem a sua família. Para o vice-reitor para o ensino, internacionalização e saídas profissionais da UBI, as pessoas são o ouro do século XXI e lamenta o facto de serem tão poucos os alunos que vêm para cá e que acabam por se estabelecer na região. Na sua opinião, maior contributo que a universidade pode dar, não só à cidade da Covilhã, mas a toda a região, é fomentar o aumento populacional. "As pessoas sempre foram o mais importante, mas, hoje em dia, devido à fuga das pessoas para as grandes cidades, eu acho que, mais do que encontrar petróleo no Pelourinho, o mais importante é encontrar formas de fixar estas pessoas novas aqui para que fiquem a viver na região", conclui. |
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