Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
De "Manchester portuguesa" a cidade universitária
Micael Sá e Pedro Santos · quarta, 21 de setembro de 2016 · @@y8Xxv Longe do fulgor fabril de outros tempos, a Covilhã é hoje uma cidade ao sabor dos movimentos demográficos estudantis. Após 30 anos de UBI, cabe lembrar tempos não tão velhos assim, quando as fábricas de lanifícios e confeções faziam girar em torno de si todo um paradigma industrial e também geravam alguma agitação social. Memórias e opiniões de um antigo operário, agora reformado, e de um ex-empresário que hoje é estudante universitário. |
A UBI teve um papel muito importante na mudança de ADN da Covilhã |
21972 visitas António Correia abre-nos a porta de sua casa, em Cantar-Galo, subúrbio de muitos ex-operários na encosta da montanha. Com alguma desconfiança, lá nos deixa entrar para uma sala fria, enquanto lá fora desliza já a luz quente do dia. Como muitos estudantes de hoje, também António veio jovem para a Covilhã, deixou a família para trás, viveu com outros rapazes. Mas não era bem a mesma coisa: eram “aqueles tempos difíceis”, embora recordados agora com a nostalgia de uns 68 anos. Veio com 14. Virou costas ao mundo aldeão de Verdelhos, num vale interior da Serra da Estrela, e aventurou-se no universo operário. “Vínhamos horas a pé, com comer para toda a semana. No fim de semana largávamos daqui às 23 horas e chegávamos lá às três e tal da manhã. Íamos pelo meio das matas”, relembra. Eram dois corta-matos por semana, nos tempos em que vir de uma aldeia a 20 quilómetros não era desporto. E o alojamento? António reaviva a memória: “Alugávamos aí um quarto onde vivíamos seis a sete rapazes. As mulheres juntavam-se quatro e cinco e ficavam num salão”. Começou, pois, aos 14. Nos lanifícios. Cedo, como era costume naquela altura. “Havia mais gente a trabalhar com essa idade. Às vezes, tínhamos de nos esconder dos fiscais”, confessa. Trabalho havia. E dificuldades também: “Passávamos muitas vezes a pão, a água e açúcar”. Mas a memória dos tempos difíceis está lado a lado com uma opinião firme: o setor têxtil teve um papel preponderante no desenvolvimento da região, considera o antigo operário. Em 1981, quando a UBI estava prestes a nascer, o concelho tinha 25 mil trabalhadores ativos, dos quais 48 por cento laboravam na indústria. O sector industrial emprega atualmente 25 por cento, de acordo com os últimos censos, num universo de 23 mil residentes ativos. A população total baixou em 11 mil habitantes no espaço de três décadas, segundo dados do Pordata relativos a 2014. Enquanto a esposa, Maria, aproveita um raio de sol para estender a roupa, António fala-nos, à mesa da sala, de toda uma vida de trabalho dedicada ao serviço do têxtil, na empresa Nova Penteação. A fábrica onde trabalhou, durante mais de 40 anos, chegou a empregar mais de um milhar de trabalhadores no edifício que hoje está devoluto. Tal como muitos outros que a cidade conheceu junto às ribeiras. “Naquela altura [a fábrica] tinha grande fulgor. Entretanto, pura e simplesmente desapareceu tudo”, adianta o antigo operário, que também teve papel ativo na luta sindical e foi vincando uma postura crítica sobre a realidade laboral. Tal como na cidade se foram desvanecendo os fumos das chaminés, a vida de António Correia perdeu a agitação dos teares e das batalhas sindicais. Com o passar dos anos e as mutações do mercado, reconhece que “hoje produz-se mais com meia dúzia de trabalhadores, do que antes 10 ou 15 fábricas, porque antigamente um trabalhador era responsável por uma máquina e hoje um trabalhador gere dezenas de máquinas ao mesmo tempo”. Mas não deixa de se lamentar pelo do triste desfecho do tecido fabril da Covilhã. A sua opinião pessoal é que ela foi “destruída pelos novos, os filhos dos empresários”. No patronato estava na altura José Armando Gomes, ex-empresário têxtil e hoje em dia estudante na UBI, onde frequenta o mestrado em Exclusões Sociais. José Gomes começou a trabalhar na empresa Pimenteis, Lda, aos 18 anos, como empregado de escritório. Quando alcançou conhecimentos e experiência, assumiu a responsabilidade de gerir um escritório. Mais tarde chegou a responsável pelo sector financeiro de outra empresa, no setor das confeções e malhas. É outra a sua visão sobre o mercado trabalho na década de 80. A Covilhã “vivia essencialmente do sector secundário, da indústria de lanifícios”, mas “com a chegada da globalização, assistimos ao encerramento progressivo de várias fábricas que não conseguiram adaptar-se a esta nova era”. E aponta as culpas aos governantes europeus, que, na sua opinião, não souberam gerar soluções para a permanência do sector na região. A “viragem” da cidade neve foi, na perspetiva de José Gomes, “um mal necessário”. Explica a ideia: “Assistimos a uma transferência na nossa sociedade, na qual deixamos de ser produtores e passamos a ser consumidores, com as consequências que lhe estão inerentes”. A UBI, segundo o ex-empresário, teve um papel essencial. “A universidade trouxe um novo ‘sopro’ para região. A cidade ganhou uma nova estabilidade económica graças aos estudantes e às suas movimentações”. José recorda os primeiros passos da instituição, primeiro como Instituto Politécnico da Covilhã, com o propósito de resolver lacunas da indústria têxtil, tanto de gestão como a nível técnico. Só que este incentivo nunca parece ter sido suficiente para reverter uma situação que “não tinha volta a dar”. Sobre a possibilidade de a indústria têxtil voltar a desempenhar um papel central na economia da região, José Gomes não acredita: “A criação de novas empresas neste sector é algo difícil, não só pelo enorme capital que seria necessário, como pela concorrência que iria encontrar”. Acrescenta que “poderá haver nichos de mercado por explorar, mas nunca com a dimensão de outrora, principalmente na utilização de mão-de-obra.” A realidade é bastante diferente da de outros tempos. Vive-se hoje na Covilhã, um pouco como em todo o país, de micro e pequenas empresas. “Numa crescente precariedade que é fruto de uma oferta desmesurada em relação à procura”, afirma o ex-empresário, “e de alguns, mas poucos, investimentos feitos”. |
Palavras-chave/Tags:
Artigos relacionados:
GeoURBI:
|