Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
A Covilhã dos imigrantes brasileiros
Kattyane Costa e Tatiane Bispo Homem · quarta, 8 de junho de 2016 · A comunidade de brasileiros no distrito de Castelo Branco é composta por 3072 imigrantes. De acordo com dados de 2014, disponibilizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), 708 brasileiros residem na Covilhã, 425 no Fundão e 1125 em Castelo Branco. O relatório de 2015 só vai ser liberado pelo SEF no meio deste ano, mas é provável que o número tenha crescido com o incentivo da UBI ao reduzir as anuidades para alunos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) nos cursos de licenciatura. |
O convívio entre brasileiros no jardim público da Covilhã |
21980 visitas Num café lotado por estudantes universitários e trabalhadores, o fumo – corriqueiro nos cafés da região –, é um ambiente propício para assistir na TV ao jogo de futebol entre Benfica e Setúbal. O café fica em plena Covilhã, mas os donos são os brasileiros Aurea Rocha e Valdecir Bittencourt. Aurea e Valdecir deixaram a pátria em 1999 para viverem em Portugal, onde compartilham dos mesmos sonhos: prosperidade financeira e segurança para a família. Mas, naquela época, o casal nem imaginava que a sua história em Portugal estava apenas no início e seria tão grande. Valdecir começou por trabalhar no restaurante de uns primos que já estavam em Oliveira da Serra e Aurea acompanhou-o como empregada de mesa. "Minha família ficou apreensiva, pois eu tinha licenciatura em advocacia e havia trabalhado como procuradora do município", relata Aurea. Antes de chegarem ao momento desta reportagem, em que o camarão ao molho compõe a mesa no seu próprio café, a vida do casal passou por altos e baixos. A vinda para a Covilhã aconteceu em 2006. Primos de um padre conhecido do Brasil cederam-lhes um espaço no velhinho Estrela Shopping, no centro da cidade. A partir desse momento, sua história de empreendedorismo começa: o casal abre um restaurante com comidas típicas do Brasil. "O sucesso foi imediato. Desde aquela época já tinha muitos brasileiros na região. O restaurante estava sempre cheio". Mas, um ano depois, o Serra Shopping foi inaugurado na Covilhã. A maioria das lojas migrou para o novo espaço e o fluxo diminuiu. Aurea e Valdecir tiveram que fechar as portas do restaurante. Sem perder as esperanças, o casal foi atrás de novas oportunidades de negócios. Em 2009, conseguiram a licitação dos quiosques na Goldra e no Jardim do Lago, que hoje mantêm, além do café e de um bar. A ideia de regressar ao Brasil está agora posta de lado. A realização profissional, a filha de sete anos e os laços com a comunidade covilhanense alimentam a vontade de ficar. Aurea atua mesmo como voluntária na Cruz Vermelha e é mentora jurídica de imigrantes num projeto municipal. Com a integração assegurada, relembrar diferenças entre Brasil e Portugal já só é motivo para umas boas gargalhadas.
Um piquenique brasileiro A reunião dos brasileiros empreendedores com os estudantes universitários e a comunidade em geral dá-se num sábado de Primavera, no Jardim Público. Beth Santos, doceira de profissão, natural do Pará, no Norte do Brasil, e Ronaldo, estudante, natural de Pelotas, no Sul, organizaram um piquenique doce e salgado, com brigadeiros e coxinhas de frango, símbolos da culinária brasileira que são difíceis de encontrar na Covilhã. O piquenique chamou os estudantes internacionais da UBI – brasileiros, angolanos, polacos, italianos, espanhóis – que se reuniram com seus violões, pandeiros, e formaram uma roda de capoeira. Ronaldo está na Covilhã desde outubro de 2015 e veio já com experiência na produção de coxinhas, iniciada num bar que possuía no Brasil. Numa noite de jogatina com amigos, alguém expressou "vontade de comer uma coxinha". Ronaldo se dispôs a fazê-la e "todos elogiaram a massa e o sabor", conta com orgulho. Mas Ronaldo não deixou só o bar no Brasil. Conta que tem um filho de três anos e, com a voz embargada pela saudade, ele nos mostra suas fotos. Por um momento, os olhos castanhos – agora, ainda mais marejados – fixam-se no nada. Não piscam. Ele diz que todo o sacrifício que vem fazendo, de vir morar em outro país, ficar longe, é de proporcionar um futuro bom para ele. Beth Santos, pelo contrário, veio para Portugal em 2007 e tem consigo a filha e o esposo. Primeiro trabalhou em Viseu, mudou-se para a Covilhã em 2013 e hoje tem uma página de doçaria no Facebook: Só Brigadeiros. No espaço da sua cozinha organizada e aquecida, contou-nos a sua trajetória. Veio para Portugal em busca de melhores condições financeiras e oito anos em terras lusitanas já a levam a incluir expressões portuguesas na sua fala. "Farta" de enviar currículos, teve que procurar alternativas. Iniciou um curso profissional de informática. E foi lá que iniciou as primeiras vendas de brigadeiros. "Levei apenas para degustação, mas meus colegas gostaram muito. Foi ali onde tive meu público inicial", relembra Beth. No início, eram apenas os brigadeiros tradicionais. Hoje a ementa expandiu-se e já conta com recheios de nutella, morango, doce de leite, café, queijo e goiabada. Um passo pequeno em comparação ao que deseja. "Mas, são aos pouquinhos que as coisas se concretizam", afirma a doceira. Daqui a uns dias, meses, um ano, quem sabe, espera que o seu próprio estabelecimento não seja só imaginação e que todos os seus doces sejam expostos num local fixo. Diante do crescimento que vem alcançando, Beth não tem intenção de voltar para o Brasil. Pelo menos por enquanto. As histórias destes brasileiros cruzam-se com os nossos próprios percursos de estudantes e repórteres. Perante os brigadeiros montados à nossa frente no jardim, também recordámos as festas de infância no Brasil, onde o momento mais aguardado são os parabéns. E Beth insistia: "Comam, por favor. Esses doces estão aqui para vocês". Sem titubear obedecemos. E saímos felizes. Repórteres também divididas entre o Brasil e Portugal. |
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