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De volta ao Interior
Sofia Dinis · quarta, 29 de junho de 2016 · “Quando acabei o mestrado em Gestão da Cultura, nunca pus de lado a hipótese de vir para cá, de tentar a minha sorte nos Hotéis da Serra da Estrela. Tinha cá a casa que o meu avô me deixou”, conta Magda Gomes. |
Magda Gomes |
21982 visitas O bisavô, conhecido por todos os Sarzedenses, era, além de alfaiate, aquele que registava os nomes dos bebés, que atribuía alcunhas, o dono do posto dos correios e do único telefone da aldeia. O avô, “patanica”, como era conhecido, seguindo o negócio da família, fez da alfaiataria vida. Já o pai, aos onze anos, deixou o Sarzedo em direção a Lisboa, com o sonho de ser polícia, e por lá ficou. Quase seis décadas depois, a filha viu nesta pequena aldeia da Serra da Estrela, uma oportunidade para começar uma nova fase da sua vida. Magda Lucinda Antunes Gomes, de 25 anos, nasceu a 27 de março de 1991 e é filha dos já reformados, Manuel Gomes, da PSP e da enfermeira Delfina Carvalho. Cresceu na terra da mãe, Minde, uma freguesia do conselho de Alcanena e mudou-se recentemente para o Sarzedo, uma aldeia no concelho da Covilhã. É com um sorriso que a profissional de turismo se recorda dos avós: “Vinha ao Sarzedo todos os verões”. “A minha avó morreu muito nova, mas dizem que canto tão bem como ela”. “O meu avô, por outro lado, ia vezes sem conta a Minde visitar-nos. Vínhamos buscá-lo, mas voltava sempre de transportes públicos, era mais chique”, contou Magda entre risos. “Adorava-o e ele adorava-me a mim, era uma excelente companhia e quando morreu, deixou-me a sua casa no Sarzedo”. Licenciada em Animação Turística pela Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar (ESTM), do Instituto Politécnico de Leiria, em Peniche e mestre em Gestão da Cultura pelo ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, Magda já tem experiência em diversas áreas. No final do seu mestrado, estagiou durante um ano num Hotel em Cabo Verde, mas confessa que não gostou da experiência. “Se saíssemos da área do Hotel, tínhamos que ir acompanhados de seguranças e só encontrávamos pobreza”, desabafou. Seguiram-se atividades recreativas que envolveram atividades radicais, dança, teatros e animação em piscinas, na sua zona de residência e em Peniche. As visitas guiadas em BTT por Minde e Monsanto (Alcanena) antecederam o seu último trabalho, nas Grutas de Santo António, enquanto guia. “Tinha emprego na minha zona, mas tinha alguns ordenados em atraso e o meu namorado também estava sem emprego”. “Algumas questões pessoais, quezílias de família, na vida dos dois, fizeram com que quiséssemos começar de novo, num lugar neutro, em paz. Como nunca tinha posto de parte a hipótese de tentar a minha sorte por cá, onde tenho residência própria, resolvemos tentar.” “Vim por circunstâncias da vida”, explicou Magda. Para a guia turística, “está mau em todo o lado. Não é só defeito do interior.” “Já entreguei currículos em vários Hotéis e no Posto de Turismo, agora tenho que esperar. Disseram-me que no verão ou no máximo no começo do inverno vão aceitar candidatos. Enquanto espero vou tendo trabalho, no meu antigo emprego. Vou enquanto sou precisa e depois volto. Infelizmente muitos dos meus antigos colegas estão de baixa e acabo por ir trabalhar no lugar deles”, aclarou Magda. “O meu namorado ainda continua desempregado, mas já entregou currículos em vários hipermercados e fábricas da região. No Hipermercado Continente disseram-lhe que em julho iriam empregar novos funcionários e uma fábrica no Fundão disse-lhe exatamente a mesma coisa”, esclareceu a profissional de turismo. “Vim para cá com a ideia de ficar e construir vida cá. Gosto disto aqui, é calmo, longe da confusão da cidade e ao mesmo tempo perto dela, já que estou a cinco minutos do Teixoso e a 15 minutos da Covilhã”. “Fui bem recebida, afinal já me conheciam. É uma aldeia pequena, toda a gente se conhece. Toda a gente quer que eu fique e não me vá embora. Toda a gente quer ajudar, a toda a hora recebo ou cebolas, ou batatas, ou alfaces ou couves”, contou a guia turística. Para Magda, viver no Sarzedo é diferente, no mínimo, em que "ou se gosta ou se odeia muito". A jovem explicou que vem de um meio em que está habituada a ter tudo, acesso à internet, rede de telemóvel e que no Sarzedo tudo isso é escasso. "Mas vivemos na mesma, se calhar até mais felizes. Tenho aproveitado muito mais as pessoas, a companhia, as paisagens”, afirmou a Magda Gomes. Maria José Civilha, de 70 anos, nasceu em Sarzedo, no entanto, hoje vive na Covilhã, onde casou. “Venho cá regularmente para ver a minha mãe, está muito velhota e já não consegue fazer algumas coisas sozinha, mas cada vez vejo menos gente. Ainda há pouco foram as festas de cá, não esteve quase ninguém. Em agosto chegam os emigrantes, a festa de setembro enche-se de pessoas. Mas esta de maio cada vez tem menos gente, a procissão era tão bonita, tão grande, agora nem saem os andores todos. Antigamente era só gente por todo o lado”, conta Maria José Civilha. Rui Gomes tem 20 anos e é um dos poucos jovens ainda residentes em Sarzedo. “Antes havia muita gente, agora foi-se tudo embora. Eu próprio só por cá ando de maio a setembro, de resto trabalho em França”, declarou o jovem. Para Rui a vinda de jovens para a aldeia é uma oportunidade de travar amizades e talvez até uma oportunidade para que a população, já tão envelhecida, rejuvenesça. “ Eles entram no café e toda a gente se alegra. É gente nova, fazia falta. Tenho esperança que tal como eles, mais gente da minha idade volte e que a minha aldeia volte a ser o que era quando eu era miúdo.” “Isto é tão bonito, está tão esquecido”, lamentou Rui. “No verão os emigrantes voltam, e até os que fugiram para Lisboa regressam. Fazemos grupos grandes e vamos para as praias fluviais. Parece a minha aldeia outra vez.” “Valhelhas é aqui ao lado, é um saltinho e com tanta gente, sabe sempre melhor”, elucidou Rui Gomes. O Sacristão de Sarzedo, José Lourenço, de 63 anos, lamenta a falta de juventude e desabafa que já nem tem novos tesoureiros para organizar as festas e muito menos quem leve os andores nas procissões. “Faz falta gente nova como a neta do ‘patanica’ e o namorado”, declarou o Sacristão, referindo-se a Magda Gomes. António Filipe, de 65 anos, é residente na aldeia e receia que “qualquer dia não reste ninguém”. “Antigamente éramos tantos a assar as chouriças debaixo dos castanheiros nas festas do Divino Espirito Santo, agora somos só alguns velhos a cumprir a tradição”. “Vinham de fora licitar as chouriças, havia juventude, subiam o monte nem que fosse a pé”, contou António. José Rafael Ferreira, de 59 anos, é dono do café que Magda e Hugo frequentam. Todas as noites, é na “tasca do Rafael” que se dão as jogatanas de cartas, as provas de licores caseiros e se vêm os jogos de futebol. “Quem nos deixou há 50 anos hoje não conhece o Sarzedo. Mudaram os arruamentos, o que era terra batida, hoje é calçada. Somos menos, é verdade, mas fazemos por não deixar morrer esta terra.” “Por todos os lados há bons vinhos, bons petiscos, mas água como a nossa há em poucos lugares. É a nossa riqueza natural”, explicou José Ferreira. ”Os jovens hoje têm que partir, aqui vive-se da agricultura e essa está parada, não funciona.” José Ferreira esclareceu que é caso raro ver jovens voltar e que talvez por isso, a juventude seja tão bem vinda. “Eles foram recebidos com amor e carinho. Acho que gostam do pessoal de cá. Para nós é uma alegria”, contou José Rafael. Sarzedo é a terra da chouriça e do licor de castanha. Escondido na Serra da Estrela contém tradições, costumes e um património edificado como poucos. Para Magda o Sarzedo é um começo novo, talvez este seja um começo novo para o Sarzedo. |
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