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"Vergílio Ferreira é um serrano"
Oana Gabriela Pauca · quarta, 16 de mar?o de 2016 · A Biblioteca Municipal da Covilhã foi palco do encontro "Vergílio Ferreira e a Beira", que decorreu no dia 9 de março, pelas 21h30. Nesta iniciativa participaram João Morgado, escritor covilhanense, e Alípio Melo, grande amigo de Vergílio Ferreira. |
Alípio Melo, Anabela Quelhas (moderadora) e João Morgado durante o evento |
21985 visitas O evento decorreu no âmbito das celebrações do centenário de Vergílio Ferreira (1916-2016), aquando do Colóquio "Os lugares de Vergílio Ferreira", que decorreu ao longo do dia 9 de março na Covilhã e foi o tema escolhido para os mensais "Encontros na Biblioteca". Organizado por membros da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior (UBI) em parceria com a Biblioteca da UBI, a Câmara Municipal da Covilhã, a Biblioteca Municipal da Covilhã e a Academia Sénior da Covilhã, este colóquio foi dividido em três painéis, sendo que "Vergílio Ferreira e a Beira" foi o último. A abertura deste último painel foi marcada pela leitura, por parte de membros da Academia Sénior da Covilhã, do conto "A Galinha", de Vergílio Ferreira, acompanhada de uma dramatização caricatural realizada através de fantoches. A convite de um dos organizadores, Gabriel Magalhães, docente da UBI, o primeiro orador deste evento foi Alípio Melo, amigo de Vergílio Ferreira e que o acompanhou em alguns momentos da sua vida. Alípio Melo dá conta das características da obra de Vergílio Ferreira, mas também do seu ser. "Vergílio Ferreira nasceu na Beira e sempre foi essa a sua casa", conta, explicando que "isso está visível na sua obra, na qual a montanha é omnipresente, sempre acompanhada pelo sol ou pela lua, e muito fala da serra e às vezes de neve". A aldeia de Melo, aldeia gouveense onde o escritor português nasceu, "está sempre presente nas páginas de Vergílio Ferreira", conta Alípio Melo, que deu a conhecer um aspeto interessante sobre as personagens das obras de Vergílio Ferreira, contando que muitas delas são reais e residentes da Aldeia de Melo, e acrescentando que "muitas delas são mesmo pertencentes à sua família. Muitas vezes nas suas páginas aparece o Zé, e acontece que o Zé era o seu cunhado". Alípio Melo esclarece que "Vergílio Ferreira é um escritor triste, não lhe saíam coisas felizes, mas fora da escrita ele não era assim". Desta forma, o amigo acrescenta que "a obra de Vergílio Ferreira tem bases no seu passado", contando que aos 3 anos o escritor português viu os seus pais e irmãos irem embora para os Estados Unidos da América (EUA), "deixando-o para trás, ao cuidado de duas tias, com as quais aprendeu a ler, e uma avó". Aos 10 anos, após uma peregrinação a Lourdes sobre a qual Vergílio Ferreira diz "Lá estou. Como é que estou? Não me sinto ali" ao ver-se numa fotografia com os outros peregrinos, foi obrigado, segundo conta Alípio, a entrar para o seminário do Fundão, que frequentou durante seis anos sob o olhar do Padre Adelino que "era especialista em palmatoadas"estando "sempre sob um ensino rígido e a levar imensos castigos". O momento da separação entre Vergílio Ferreira e os seus pais é relatado em "Nítido Nulo", obra publicada em 1971, na qual "uma vez mais a Serra da Estrela e a neve servem de pano de fundo para Vergílio contar episódios da sua adolescência". Já a sua vivência no seminário do Fundão é contada, segundo Alípio, "com grandes traços de dor, sofrimento e sentimento de saudade: saudade de casa, da família, da sua terra natal" na obra "Manhã Submersa". O amigo de Vergílio Ferreira conta, a respeito do autor português, que "era um homem talentoso, mas não vaidoso nem orgulhoso" e que "conseguiu cimentar a sua cultura, embora asfixiada". "O seu sentimento está, essencialmente, na aldeia", constata Alípio Melo, sendo que Vergílio Ferreira escreveu no "Conta-Corrente - Nova-Série II" o seguinte: "Quero ir para Melo em cadáver inteiro, e consumir-me lá a ouvir o vento do inverno". "Desta forma, aí repousa ele virado para a serra", diz. Para finalizar, o ex-autarca lançou à plateia um convite para visitarem a Sala de Vergílio Ferreira, em Gouveia, e contou ter recebido uma medalha por parte do município em questão aquando do centenário Vergílio Ferreira.
Paisagens Interiores de Vergílio Ferreira
No segundo momento do painel, "Lugares de Vergílio Ferreira", interveio o escritor covilhanense João Morgado. O escritor apresentou a sua intervenção enquanto leitor, dando a sua opinião sobre a vida e obra de Vergílio Ferreira nessa qualidade. Falou da escrita vergiliana como sendo uma escrita "serrana", tal como Vergílio Ferreira. Na sua opinião, "ser serrano não significa guardar o rebanho e ficar encostado ao cajado", explica João Morgado, pois as "marcas do corpo são interiores e isso reflete-se na sua obra". "Dizem que os pássaros também cantam em cativeiro, para enganar a solidão e a loucura". É desta forma que João Morgado se refere ao escritor português, que sempre soube fugir da prisão que poderia ser uma pequena aldeia do interior. Morgado constata que Vergílio Ferreira sempre foi "um filósofo, um pensador que sempre foi mais além dos limites do pensamento, que sempre encontrou nas montanhas vozes que ecoam por dentro". O autor covilhanense dá conta de que as obras de Vergílio Ferreira são o "extravasar de tudo o que este acumula dentro dele", referindo-se ao seu sofrimento relativamente à partida da sua família para os EUA e às experiências negativas que o seminário lhe proporcionou. Relativamente ao conto que foi lido na abertura do evento, João Morgado refere-o como sendo "um retrato atento às razões fúteis que comandam o homem à teia de ódios e rancores". "Para Vergílio era importante não perder as vozes que o interrogavam interiormente, e levar a verdade até às últimas consequências, como ele próprio escreveu". O escritor covilhanense olha para Vergílio Ferreira como "uma alma inquieta, sedenta de questionar e encontrar a verdade, mesmo que isso significasse questionar as suas próprias crenças ou mudar a sua opinião". "Vergílio Ferreira nunca se acomodava a um "status quo", era sempre contra a corrente", afirma João Morgado, dando conta de que o escritor português acumulou muitos inimigos devido à sua vontade de questionar o mundo e tudo à sua volta. Os diários Conta-Corrente são considerados "a obra que melhor expressa o seu radicalismo", explica João Morgado, "mas são pouco lidos e pouco estudados". Esses mesmos diários deram a Vergílio Ferreira ainda mais inimigos, segundo conta João Morgado, uma vez que "estamos a falar duma obra onde ele escreveu tudo o que pensava sobre tudo e sobre toda a gente, e todos sabemos que isso nunca dá bom resultado". Para finalizar, João Morgado fez uma chamada de atenção para as fotografias de Vergílio Ferreira que se encontravam espalhadas pela sala, pois em nenhuma delas o iriam encontrar a sorrir. "É um homem sério, mas é um homem do mundo pela universalidade do seu pensamento", diz João Morgado destacando que "Vergílio sempre permaneceu um beirão, no que isso representa de bom e de mau, habituado a ler os sinais do tempo e do lugar". De forma a ambientar o espaço onde decorreu o evento, os organizadores montaram uma pequena exposição com variadas obras de Vergílio Ferreira e alguns artigos de jornal escritos pelo mesmo ou relativos a ele. Este painel do colóquio contou com uma sala cheia de interessados na vida e obra de Vergílio Ferreira. O encerramento da sessão ficou a cargo do Vereador da Cultura da Câmara Municipal da Covilhã, Jorge Torrão, e do professor ubiano e organizador do evento, Gabriel Magalhães. |
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