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O "Petrolão" e a Operação Marquês
Hélder Prior · quarta, 9 de mar?o de 2016 · Nacional
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21993 visitas O escândalo Lava Jato eclodiu em Março de 2014, quando se tornou pública a investigação das autoridades policiais acerca da existência de uma rede criminosa de lavagem de dinheiro que utilizava postos de abastecimento de combustível e lava a jato. Com o avanço das investigações, foi revelado um esquema criminoso que desviou, durante anos, recursos financeiros da empresa Petrobras. Apesar do desdobramento do caso, que passou a implicar “doleiros” (expressão que se refere a indivíduos responsáveis por efectuar transacções financeiras e que, no caso da operação Lava Jato, indica os responsáveis pela “lavagem” ou branqueamento de dinheiro), grandes empreiteiras e partidos políticos da base do governo brasileiro, o nome inicial da operação manteve-se, consagrando o escândalo Lava Jato como um dos maiores escândalos de corrupção que a política brasileira já conheceu. No esquema desvelado pelo Ministério Público Federal, empresas de construção organizadas em cartel pagavam subornos através de contratos super-facturados, dinheiro que era posteriormente repartido por “doleiros”, políticos e partidos de base governamental. Ao invés de concorrerem de forma lícita em concursos legais para fazerem obras para a Petrobras, as empreiteiras envolvidas estavam organizadas em forma de cartel, denominado posteriormente por “clube do bilhão” e negociavam, secretamente, a distribuição das obras realizadas para a empresa estatal. A concorrência real era substituída por uma concorrência aparente, as obras eram distribuídas pelas empresas que pagavam subornos ou “propina”, dinheiro que era usado para “proteger” a ilegalidade do esquema em Brasília e abastecer os três principais partidos de base do governo federal, Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Progressista (PP) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Não foi por acaso que a revista Veja apelidou o caso de “Petrolão”, “o irmão mais robusto mas menos conhecido do Mensalão” (Veja, 1 Outubro de 2014). O escândalo adquiriu uma nova dinâmica quando um ex-director da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o “doleiro” Alberto Youssef, operador ou “caixa” do esquema e responsável por distribuir as verbas desviadas a políticos e partidos, assinaram com a justiça brasileira acordos de “delação premiada” para explicar todos os pormenores do esquema, acusar os actores políticos envolvidos e, consequentemente, beneficiar em contrapartida de eventuais alívios nas condenações judiciais. O caso adquiriu outros contornos, conheceu novos episódios, novas personagens, numa narrativa mediática que se tornou mais complexa e que, sobretudo, colocou o Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula da Silva e a actual presidente Dilma Rousseff, no epicentro do escândalo. Contudo, a “delação” explosiva haveria de ser protagonizada por Delcídio Amaral, senador da república eleito pelo PT detido em Novembro de 2015 no âmbito da Lava Jato. Segundo publicou a revista Istoé, Delcídio afirmou que Dilma Rousseff terá nomeado para o Supremo Tribunal de Justiça um ministro que se comprometeu em realizar diligências para que os empreiteiros detidos fossem libertados e que o ex-presidente Lula da Silva não só tinha pleno conhecimento do esquema de corrupção, como terá sido o mandante de uma tentativa para comprar o silêncio de algumas testemunhas. Lula acabou por depor num posto da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas em São Paulo na 24º fase da Lava Jato, conhecida por Alétheia, expressão grega que significa “verdade” e que, com o filósofo alemão Martin Heidegger, é reinterpretada para designar “desvelamento”, algo que se deixa ver, ou não fosse o escândalo, precisamente, o desvelamento ou a “revelação” daquilo que estava oculto e que, ao ser desvelado, conhecido, causa sentimentos de reprovação ou indignação na opinião pública. O ex-presidente e, provavelmente, futuro candidato (Lula já avisou que apesar de em 2018 estar com 72 anos, terá o tesão dos 30), apressou-se a criticar o “show mediático” e a “pirotecnia” da justiça, tal como já havia feito José Sócrates após ter sido detido em pleno aeroporto de Lisboa no âmbito da Operação Marquês, num evento, também ele, “espectacularizado” pelo campo do jornalismo. Não é por acaso que Wilson Gomes, conceituado professor na Universidade Federal da Bahia, afirma, contundentemente, que “o escândalo político representa a glória do jornalismo-espectáculo”. Todavia, esta não é a única semelhança entre os dois escândalos mediáticos. Genericamente, podemos encontrar, pelo menos, mais oito: 2) Ambos envolvem luxuosos imóveis que alegadamente pertencem a Sócrates e a Lula da Silva, a casa de Paris e o triplex no Guarujá; 3) as narrativas têm sido “alimentadas” mais por fugas selectivas de informação provenientes da esfera da justiça do que, propriamente, por um jornalismo de investigação atento às disfunções e à perversão do poder político; 4) nos dois escândalos, os juízes Carlos Alexandre e Sérgio Moro são elevados à categoria de heróis que pugnam pela transparência da res publica; 5) ambos despertam sentimentos contraditórios no público: manifestações pró Sócrates e pró Lula, que sustentam as teses do “preso político” e do “golpe mediático”, e manifestações a favor da moralização e da purificação da política; 6) os dois casos têm-se configurado como uma verdadeira narrativa mediática com tramas, “capítulos” e várias dramatis personae, numa espécie de novela que, cá e lá, tem alimentado o imaginário dos espectadores; 7) evidenciam-se as lutas pela conquista do “poder simbólico” que se dirimem no espaço público entre partidos políticos e, inclusivamente, entre órgãos de comunicação social. É que não sejamos ingénuos: o escândalo político também é uma “arma política” e uma “mercadoria informativa” que se vende no mercado da atenção pública. Os meios de comunicação, com o seu posicionamento editorial e com os seus interesses políticos e económicos, desempenham um papel crucial não apenas na mediatização do escândalo, mas também na sua configuração, no seu enquadramento e, consequentemente, na interpretação que o leitor fará dos acontecimentos. Não é por acaso que o suposto envolvimento do líder da oposição Aécio Neves na Lava Jato, o chamado “caso Furnas”, mereceu muito menos destaque do que, por exemplo, o envolvimento do tesoureiro do PT ou até do publicitário João Santana no esquema. Num país onde a corrupção continua, em parte, a ser entendida como uma herança da colonização portuguesa, não deixa de ser interessante constatar as semelhanças existentes entre os dois casos. Para muitos politólogos e historiadores, o famoso “jeitinho brasileiro” chegou com Cabral, num fenómeno inaugurado por Pêro Vaz de Caminha que, desde Porto Seguro, ao anunciar a descoberta da Terra de Vera Cruz a D. Manuel, pediu ao rei que fizesse regressar o seu genro de São Tomé, uma “mercê” pelos serviços prestados à coroa. No meio de tanta efervescência mediática, talvez seja pertinente apontarmos uma última semelhança entre os dois escândalos, a última, mas talvez a mais importante: 8) Lula da Silva e José Sócrates já foram amarrados e condenados no mais cruel dos pelourinhos: a justiça da opinião pública.
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